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Lendas Amazônicas

Lendas Amazônicas: Boto, o grande sedutor dos rios

A lenda indígena conta que o mamífero se transforma em um jovem belo e elegante durante as noites de lua cheia; conheça mais

Lenda povoa o imaginário popular amazonense/Foto: designer: Ítalo Christian

Manaus (AM) – Uma das histórias mais conhecidas da região Amazônica está relacionada ao famoso “golfinho” dos rios, o Boto.

A lenda indígena conta que o mamífero se transforma em um jovem belo e elegante durante as noites de lua cheia. O moço, vestido de branco, usa um grande chapéu para esconder as narinas que ficam na cabeça. Ele ainda aparece durante festividades juninas como de Santo Antônio, São Pedro e São João, com o objetivo de escolher a jovem mais bonita, engravidá-la e, depois, volta para os rios.

Para seduzir suas vítimas, o boto age como um verdadeiro galã, além de ser bastante comunicativo. Para saber se o jovem bonito é, ou não, um boto disfarçado, basta tirar o chapéu e verificar se não possui as narinas, como o “golfinho das águas doces”. Comer a carne do boto, também, pode deixar a pessoa completamente louca e enfeitiçada, segundo informações de pessoas que contam a lenda.

Por conta das histórias, quando o pai é desconhecido ou some após a relação sexual, pode ser que o pai da criança seja o Boto.

“Conheci um Boto”

“Ele me fez a mulher mais realizada do mundo numa cama e ainda me deixou rica”. Foram com essas palavras que Raimundinha Pires*, 50 anos, definiu sua paixão por um moço que conheceu em festa de uma cidade do interior do Amazonas.

A mulher conta que tinha 18 anos quando saiu para a beira do rio, com o intuito de lavar roupas e passou a tarde toda retirando água em um balde com uma cuia. Foi neste momento em que viu, ao longe, algo “rosado” na beira d’água e foi verificar. Ao chegar mais perto, percebeu que se tratava de um boto ferido, parecendo estar enrolado em uma espécie de rede.

Apesar do medo, Raimundinha conta que fez o que qualquer pessoa com coração faria. “Fui tirar aquele negócio de cima dele. Os olhos do animal expressavam um sofrimento imenso, como se pedissem: ‘Raimunda, pelo amor de Deus, me salva! Quero ser livre’. Tirei toda a tarrafa de cima dele. Achei que fosse me agredir, sei lá. Mas, estranhamente, ele não foi embora. Ficou nadando, colocava a cabeça fora d’água e se sacodia todo”, afirma.

“Sete dias, sete luas, sete da noite”

Raimunda disse que estava hipnotizada bela graciosidade do animal. Foi quando afirma ter acontecido o que jamais pode imaginar em toda sua existência.

“Podem me chamar de louca, mas ele abriu a boca e falou, em alto e bom tom: ‘Muito obrigado por me salvar, meu amor’. Uma voz grave, rouca, como de um homem de carne e osso. Senti arrepio em todos os pelos do corpo”, relata.

Sem saber o que fazer, a mulher prossegue o relato dizendo que só soube expressar uma única frase ao bicho. De nada”, disse atônita.

O “golfinho” do rio, de acordo com ela, retrucou como uma profecia. “Daqui a sete dias, sete luas, as sete da noite, vamos nos reencontrar e vou agradecer o que você fez por mim. Você é linda”, falou.

Em seguida, ele desapareceu no fundo do rio. Perturbada, Raimundinha afirma que sua primeira providência, ao invés de ir para casa, foi parar em um mercado local.

“Eu queria um gole de ‘pinga’. Só assim pra acreditar naquilo que meus olhos viram e meus ouvidos escutaram. Deixei roupas, balde, calcinha, tudo largado na beira d’água”, desabafa.

“A mentirosa”

Quando chegou em casa, a mulher disse que uma das primeiras coisas que fez foi contar para a mãe. Porém, a genitora não acreditou em suas palavras.

“Apanhei tanto e minha mãe dizia que era pra eu parar de ser mentirosa. Que era ‘coisa da minha cabeça’”, disse Raimundinha.

Desacreditada em casa, a mulher contou aos amigos mais próximos. Porém, a única coisa que conseguiu foi ser chamada louca.

O reencontro

Passados sete dias, a mulher decidiu que era momento de deixar a tristeza de lado e tentar se distrair em uma festividade de São João, comemorada em junho, na localidade.

“Coloquei meu vestido mais bonito, meus brincos e sapatos novos. Queria esquecer tudo aquilo. Cheguei na festinha às 19h, em ponto e a lua estava linda”, comenta.

Ao se aproximar de uma das barraquinhas, Raimundinha afirma que, naquele momento, teve a definição da palavra “paixão” estampada em sua frente.

“Ao meu lado estava um homem lindo! Eu era nova, mas já sabia o que era bom. Um moreno de quase 1,90 altura, cabelos negros e bem penteados, olhos verdes como duas esmeraldas e um corpo atlético. A roupa impecável. Todo no terno branco, bem alinhado e um chapéu tipo Panamá. Nas mãos uma bengala belíssima e um anel de ouro no dedo mindinho”, comenta.

Além da perplexidade, a mulher afirma que o homem se apresentou com o nome de Rafael D’el Mar e que estava conhecendo o local, era solteiro e sonhava ter um grande amor. Tinha reparado nela e gostaria de saírem dali, para uma conversa mais agradável.

“Não contei outra. Jamais perderia a oportunidade”, explica.

Quartinho

O próximo endereço foi um pequeno quartinho que o galanteador pagou com uma pepita de ouro, de acordo com Raimundinha.

Na manhã seguinte, a mulher teve que se despedir do rapaz. “Obrigada! Foi minha primeira vez e me sinto realizada como mulher”, comentou com Rafael.

A resposta do homem fez subir um frio em sua espinha e na alma. “Eu disse que em sete dias, as sete horas da noite, iria te agradecer”, me disse.

Paralisada, a Raimundinha teve a certeza de que não era uma louca e de que as lendas eram verdadeiras. Havia entregue sua honra ao boto. Para saber se era verdade, tocou no alto de sua cabeça. “Senti as narinas. Não sei se corria, se ficava, se desmaiava, se agradecia. Sabe o que fiz? Virei mais uma ‘pingazinha’ no copo e botei pra dentro”, disse.

Depois do encontro, Rafael correu em direção ao rio. Antes, pediu a moça um pedaço de papel.

“‘Estou anotando alguns números. Você vai jogar na loteria e vai ter uma surpresa’, foi o que me disse e correu. Vi aquele homem cair n’água e saírem nadadeiras dele. A minha primeira providência? Fui jogar”, desabafa.

Vitória

Não foi a surpresa da mulher, quando descobriu que havia ganho uma alta soma em dinheiro por causa da aposta.

“Naquela época era o cruzeiro a moeda, em 1990. Tirei meus pais da vida ruim, construí duas vilas de casa e vivo de renda passiva, passados 32 anos. Fora que ainda montei uma distribuidora de bebidas. Jamais vou esquecer o que ele fez por mim. Me casei, tive quatro filhos, vários homens. Não preciso que as pessoas acreditem. O importante é que sei que é verdade. Um dia, quem sabe, a gente não se vê de novo? Adoro lavar umas roupas na beira d’água”, finaliza.

*Nomes usados para preservar a identidade dos entrevistados

Edição Web: Bruna Oliveira

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