Pandemia
Mesmo isolada, Covid-19 assombra comunidade-flutuante do Catalão
Comunidade localizada na ilha do Paraná de Xiborena teve mais da metade de seus moradores infectados pela Covid-19
Iranduba (AM) - A comunidade-flutuante do Catalão, localizada entre os rios Negro e Solimões, também viveu tempos difíceis durante esta pandemia. Um local onde não existem estradas, carros, nem calçadas ou meio-fio e onde a rua é o rio, os ribeirinhos que muitas vezes consomem aquilo que produzem, tiveram contato com o novo coronavírus e já contabilizam perdas.
Quem diria que um vírus supostamente surgido em Wuhan, na China, iria atravessar o mundo e chegar em uma comunidade tão pequena para causar tanta dor e sofrimento. O número de mortes parece pequeno, se comparado aos mais de noventa da cidade de Iranduba, município ao qual a comunidade está agregada (distante a 19 quilômetros de Manaus). O número pequeno de pessoas é evidente principalmente quando duas vidas se acabam assim, tão de repente.

A merendeira Raimunda Vieira Viana, 58 anos, líder da comunidade do Lago do Catalão poderia sentir a
perda de qualquer pessoa dali. Mas o destino quis que a Covid-19 atingisse uma
pessoa da sua família, o primo dela, Edilson Alves Viana, de 48 anos. O
sofrimento então foi ainda maior.
Dona Raimunda Viana, conhecida na
comunidade como 'Rai do Catalão' conta como a Covid-19 chegou na sua casa e levou
a vida do primo de apenas 48 anos. “Acredito que meu primo tenha sido
contaminado pelo vírus em Manaus, antes do Natal. Nas festas de fim de ano ele
passou aqui conosco e já começou a sentir os sintomas. Mesmo assim ele curtiu
as festas e logo depois sentiu os efeitos mais fortes.
Morreu no hospital municipal de Iranduba”.
Famílias inteiras contaminadas

Não foi só um parente da 'Rai do
Catalão' que adoeceu. Além do primo, que morava em uma casa atrás da dela, todos
que conviviam com ele, a esposa e a filha do casal, de um ano e meio, também foram
contaminadas. “Além de todo mundo da casa do meu primo, na minha casa todo
mundo pegou. Eu, meu esposo. Acho que só minha neta que mora conosco que não
pegou”.
O marido da dona Rai, o senhor Elber Figueiredo, fazendeiro de 74
anos, conta como foram os sintomas da doença. “Sentimos dor no corpo, tivemos
febre e tínhamos uma tosse seca que não parava. Eu inclusive continuo com essa
tosse”, conta ele. “Aqui tomamos todos os medicamentos indicados e mais os chás e
xaropes que nós fazemos aqui mesmo”.

O senhor Elber nos mostrou então a
sua horta. Uma pequena plantação que flutua sobre o Rio Negro. “É com o que
plantamos aqui que fizemos muitos chás e xaropes. Plantamos mastruz, limão. Até
chá de capim nós fizemos. Nossa pastora nos ensinou também uma batida de
vinagre de maçã com alho, que aliviou a tosse”, lembra o fazendeiro.
Ali bem próximo da casa do casal
morava o outro morador da comunidade que teve sua vida ceifada pelo novo
coronavírus. José Vatutim tinha 68 anos quando a Covid-19 a alcançou. Hoje, a sua casa fechada traz à tona a lembrança da luta dele contra a
doença. “Ele morreu muito rápido, foi agora em janeiro, quatro dias depois que
meu primo morreu”, conta a líder da comunidade.

Professora teve a vida ceifada
Ainda dentro da comunidade, uma
das últimas casinhas de madeira flutuando sobre as águas, está a única escola da
comunidade. O Colégio Municipal Nossa Senhora Aparecida teve também uma perda,
a professora conhecida como Cleide. Segundo a líder comunitária, a professora
Cleide faleceu em Iranduba. “A escola já estava fechada quando ela morreu. A
escola está fechada desde maio do ano passado na verdade”, lembra Raimunda
Viana.

Segundo a assessoria de
comunicação da Secretaria de Saúde de Iranduba, existem muitas pessoas
contaminadas na comunidade. Para aliviar a situação, no dia 31 de janeiro uma
equipe de médicos acompanhada pelo secretário de saúde do município, Daniel
Sales Barroso, fez 44 atendimentos e realizou 29 testes rápidos. Todos
testaram positivo para o contato com a Covid-19. Na oportunidade, a assessoria
informou que entregaram medicamentos para aqueles que sentiram os sintomas.
Uma dessas pessoas que foi diagnosticada com o novo coronavírus, Sérgio Ricardo, o turismólogo de 42 anos, teve sintomas fortes. “Passei cerca de 26 dias bem adoentado. Quando fizeram o teste comigo, eu, minha esposa e nossa filha de um ano e seis meses testamos positivo para o vírus. Tive diarreia, febre, dor no corpo. Foi horrível”, lembra ele.

Quando perguntada sobre quem pode ser culpado pela entrada do novo coronavírus na comunidade, dona Rai do Catalão diz: “a culpa é do mundo. Tentamos nos preservar aqui. Inclusive nossas crianças continuam estudando em casa, mas não teve jeito. Acredito que o vírus tenha vindo de Manaus, pois estamos muito próximos. Mas não tem como culpar alguém. O que chateia apenas é que tivemos que cuidar um do outro, eu penso que os agentes da saúde deveriam ficar aqui cuidando da gente. Eles vieram aqui depois de muita insistência minha e só depois de duas pessoas morrerem”.

Em resposta ao EM TEMPO, a Secretaria de Saúde de Iranduba informou, por meio de
sua assessoria, que a mudança de gestão em janeiro e o número alto de casos em
Iranduba "dificultaram a chegada dos agentes de saúde na região. Porém a
assistência está sendo dada". A secretaria também informou que continua mapeando a situação do Lago do Catalão.

Edição Rebeca Mota
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