Histórias incompletas
O silêncio machuca: drama da busca por desaparecidos no Amazonas
Amazonas possui mais de 374 desaparecidos e famílias sofrem com falta de respostas

Manaus (AM) - O desespero de viver em espera permanente com a ausência do familiar. A aflição diante da falta de notícias e do desencontro de informações. Esta é a triste realidade enfrentada pelos amazonenses que buscam respostas das pessoas desaparecidas. No Amazonas, o drama afeta várias famílias todos os anos. Só em 2020 foram 374 casos de desaparecimentos. No ano de 2021, em menos de dois meses que o ano começou, já foram registrados seis desaparecimentos em todo o estado que não foram solucionados até o fechamento desta matéria, conforme dados da Polícia Civil do Amazonas (PC).
Em todo o Brasil, os números de
desaparecidos já somam 82 mil. Desse total, 40% são
crianças e adolescentes. Os registros são do Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP), que criou o Sistema Nacional de Localização e Identificação de
Desaparecidos no âmbito do Ministério Público brasileiro (Sinalid) para
concentrar esses casos.
Um dos casos sem resposta é o de Fábio Menezes
de Souza, pedreiro de 39 anos. Fábio desapareceu em Manaus no dia 16 de outubro de 2020 e foi
visto pela última vez em um mercadinho próximo da sua casa na rua Bartrum,
bairro Novo Reino, Zona Leste de Manaus. Para a esposa de Fábio, Aline Souza,
não havia motivos para o marido sumir por conta própria. “Estávamos felizes e
inclusive estou esperando um filho dele. São quatro meses sem nenhuma
resposta do meu marido. Está sendo uma agonia para mim e para a mãe dele”,
conta a esposa.

Entre a dor e a esperança
Sem respostas, a mãe do pequeno Erlon Gabriel mantém a esperança em primeiro lugar. O bebê, na época, com dois anos de idade, desapareceu e o caso segue sem solução. Completados um ano após o sumiço do menino, a mãe mantém com carinho a lembrança do pequeno. “Meu filho era agitado e uma pessoa alegre. Tanto que no dia que ele sumiu ficou um silêncio na sala. Pedi que a minha filha fosse vê-lo na sala, mas já não estava mais lá”, conta Maria Dias.

Quase 14 anos de aflição

O dia 28 de outubro de 2007 é uma data que ainda machuca Pedro Lourenço Reis, vigilante de 61 anos. Ele é pai da menina Shara Ruana, um dos casos mais conhecidos da capital amazonense e ocorreu quando a criança saiu para comprar pão, no bairro Betânia, Zona Sul de Manaus. Ela nunca mais foi vista. São 14 quase 14 anos de aflição para a família.
"Eu ainda tenho esperança de encontrar minha filha. Está nas mãos de Deus. Creio que vou conseguir encontrá-la", conta ele.
O pai de Shara lembra com detalhes o dia que sua filha sumiu. "Era um domingo, o aniversário dela tinha sido na segunda (21 de outubro de 2007), mas nós deixamos para comemorar no domingo. Neste dia eu acordei cedo para recolher algumas folhas no chão e varrer. Isso está bem claro na minha mente", lembra ele.
Pedro Reis recorda com clareza do último dia que viu sua filha. "Pela manhã enquanto limpávamos a casa, ela pegou uma nota de R$ 10 de cima da mesa. A mãe estava na cozinha preparando o café e eu estava orando. Veio na minha mente a imagem da minha filha sendo raptada. Avisei a mãe dela e corremos para a rua à sua procura. A dona da padaria me disse que ela sequer tinha ido lá."

O vigilante diz que tentou de tudo para encontrar a filha, até covas no cemitério ele cavou com o objetivo de encontrar a sua pequena. A família diz que recebeu muitas informações, mas nada levou ao paradeiro de Shara.
"Ligavam para o número que eu tinha anunciado. Parece até que brincavam comigo. Chegaram a ligar para mim dizendo que tinham encontrado. Ao chegar lá, vi que não era ela. Passei dois meses viajando com esperança de encontrar", revela.

Página na internet ajuda famílias
Uma página criada em setembro de 2018, no facebook, intitulada ‘Pessoas desaparecidas em Manaus’ já possui 68 mil curtidas. Idealizada pelo delegado Mauro Duarte, titular do 1º Distrito Integrado de Polícia (DIP), a página já ajudou muitas famílias a encontrarem seus entes queridos. São mais de 500 publicações de pessoas desaparecidas. Cerca de 400 foram encontradas com o auxílio da página. "Temos o cuidado também de apagar a publicação de quando a pessoa for encontrada para não continuar propagando, já que muitas pessoas compartilham".
Polícia Civil
A reportagem do EM TEMPO tentou contato com a Delegacia Especializada de Ordem Política e Social (Deops) para esclarecimentos sobre os casos citados na reportagem, porém a delegada está afastada por motivo de doença. Em nota, a assessoria da PC informou que das 374 pessoas desaparecidas em 2020, 277 já foram encontradas.
Lei que prevê cadastro nacional não saiu do papel
A Lei 13.812 de 2019 criada pelo presidente Jair Bolsonaro instituiu a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas e também previa a criação de um Cadastro Nacional para os casos em cooperação operacional e técnica com os estados e demais entes federados. As instituições ouvidas pelo EM TEMPO afirmam que, até o momento, a plataforma não se encontra ativa. As demandas são encabeçadas pelos Ministérios da Justiça e Segurança Pública e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Quando e onde informar
Uma pessoa pode ser considerada desaparecida a partir do momento em que familiares ou pessoas do convívio dela não conseguem mais localizá-la ou contatá-la - sem que haja explicação para isso. O registro pode ser feito na delegacia mais próxima, ou pelo telefone 190, da Polícia Militar.
Informações sobre desaparecidos também podem ser repassadas para o 181. A partir do momento em que é constatado, é importante que o registro de desaparecimento seja feito o quanto antes (não há necessidade de esperar 24 ou 48 horas). As primeiras horas são consideradas fundamentais para a localização.
Para informações que possam colaborar com as famílias, os contatos são:
Aline, esposa do Fábio: (92) 99134-8321
Maria Dias, mãe do Erlon Gabriel: (92) 99524-5072
Pedro Reis, pai da Shara: (92) 98472-7160
Leia mais:
Jovem de Manaus desaparece após avisar que tem 'liberdade restringida'
Família procura homem que desapareceu após ir à mercearia em Manaus
Sem novidade em investigação, mãe busca resposta sobre caso de Erlon