Resistência
Único negro presidente nas séries A e B pede 'grito' antirracista
Séries A e B do Campeonato Brasileiro do ano passado acabaram com apenas três técnicos negros

Na última terça-feira (2), a "Macaca", como é conhecido o clube campinense, lançou o "Manifesto da Ponte Preta contra a discriminação e o racismo: não há mais espaço para o silêncio". Isso porque dá para contar nos dedos quantos são negros fora das quatro linhas. Prova disso é que nas séries A e B do Brasileirão, apenas um deles é presidente.
Leônidas da Silva, Djalma Santos, Didi, Manga, Jairzinho, Coutinho e claro, o Rei Pelé. Entre os maiores nomes da história de futebol brasileiro, os jogadores negros facilmente marcam presença. O problema é quando se olha além das quatro linhas.
"Se a gente virar um pouco a lupa para outras atividades econômicas, culturais e acadêmicas, esse processo de invisibilidade é histórico. Tem a ver com nossa herança de mais de 350 anos de escravidão e de uma abolição incompleta, que não incorporou efetivamente o negro na sociedade brasileira", analisa Sebastião Arcanjo, mandatário da Ponte Preta.
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Não faltam exemplos que corroboram com as palavras do dirigente. As séries A e B do Campeonato Brasileiro do ano passado acabaram com apenas três técnicos negros entre os 40 times de ambas as competições: Roger Machado no Bahia, Marcão no Fluminense e Hemerson Maria no Botafogo de Ribeirão Preto (SP) - portanto, 7,5% do total dos treinadores.
"O futebol representa, do ponto de vista das direções ou dos espaços de tomadas de decisão nos clubes, essa distorção que perpassa todos os níveis da sociedade. O negro, no futebol, não conseguiu sair das quatro linhas", completou.
Esse número é próximo ao constatado em 2018 pelo Instituto Ethos, que mede indicadores de responsabilidade social e empresarial. Segundo consulta feita com 117 das 500 maiores empresas do país, somente 6,3% dos cargos de gerência e 4,7% do quadro executivo eram ocupados por profissionais negros.
"Refletimos uma sociedade hierárquica, verticalizada, onde esses espaços [liderança] estão muito relacionados a questões econômicas, e quem tem lastro econômico no Brasil, em sua maioria, não são pessoas de origem negra ou descendentes de escravos", resumiu.
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Tiãozinho, como é conhecido, comanda a Ponte desde novembro do ano passado. Trata-se do clube mais antigo do futebol brasileiro em atividade ininterrupta. Vice-presidente eleito no fim de 2017, assumiu o topo da hierarquia após a renúncia do então mandatário Armando Abdalla Júnior.
Ex-vereador em Campinas (SP) e ex-deputado estadual, defende a Alvinegra - hoje na Série B do Brasileirão - como a primeira democracia racial do país. Além de ter acolhido o apelido "macaca", dirigido a torcedores pontepretanos na década nos anos de 1930, o clube contou com negros e mulatos não só no primeiro elenco - Miguel "Migué" do Carmo -, como também na primeira diretoria, com Benedito Aranha.
"A Ponte tem a pluralidade étnico-racial na sua gênese. Era um time de garotos na linha do trem da antiga Fepasa [estatal paulista de transporte ferroviário de cargas e passageiros, extinta em 1998]. Essa linha do trem dividia o centro da periferia de Campinas e os fundadores [da Ponte] estavam do outro lado, então o clube já nasce na periferia. Acho que essa é a riqueza da Ponte Preta", descreveu.