Conhecida por estar no coração da floresta amazônica, Manaus é uma cidade reconhecida por suas belezas naturais, porém, atualmente, a capital do Amazonas também se tornou uma “área de guerra” entre facções criminosas. O resultado disso é o rastro de sangue nas ruas, becos e vielas e o choro com a perda de inocentes. Na berlinda dessa estatística, está o caso do menino Renan da Souza Gama, de apenas 9 anos, que saiu de casa para brincar de bicicleta e voltou dentro de um caixão.
Ele não imaginava que, em 9 de janeiro, seria o último dia de pedalar na bike que tanta amava e que ganhou dos pais. A criança se viu no meio de um tiroteio entre criminosos, que haviam torturado e matado uma mulher no Tancredo Neves e depois invadiram a rua Amazonas, bairro Novo Aleixo, Zona Norte de Manaus. Renan foi atingido com um tiro na região lombar e ainda chegou a ser socorrido e encaminhado ao Hospital e Pronto-Socorro da Criança, na Zona Leste, mas não resistiu aos ferimentos. O choro dos pais era de revolta, um choro similar ao que vimos em inúmeros casos somente neste mês de janeiro.
No total, conforme um levantamento feito pelo Em Tempo, a capital amazonense registrou 117 mortes violentas, entre casos de homicídios, latrocínios, mortes por intervenção policial e um crime de feminicídio. Uma média de quase quatro mortes por dia. Os números superam os registros desse mesmo período do ano passado, quando foram contabilizadas 73 mortes apenas em janeiro. A onda de violência superou, também, setembro de 2019, considerado o mês mais violento do ano passado, quando foram registradas 97 mortes.
A maioria das vítimas foi de homens por envolvimento com o tráfico
A maioria dos casos está relacionada com o tráfico de drogas, mas o “Bang Bang” da criminalidade demonstra que a segurança pública está à beira de um colapso. A violência não está mais isolada em áreas periféricas. O crime hoje bate à porta de ricos em áreas nobres da cidade e de pobres moradores de comunidades em invasões isoladas. A maioria dos casos aconteceu na Zona Norte, onde foram registradas 41 mortes violentas. Seguida pela Zona Sul, que registrou 32 casos. A Zona Leste, considerada popularmente como a região mais violenta, deixou a liderança de lado e apresentou apenas 24 mortes. Já a Zona Oeste, berço da Família do Norte (FDN), teve 11 registros no Instituto Médico Legal (IML). Nas últimas colocações, ficaram as Zonas Centro-Oeste e Centro-Sul com quatro mortes violentas cada. Como quase uma figurante nos números, a Zona Rural apareceu com apenas um caso.
Já na primeira quinzena do mês, a TV Web Em Tempo já mostrava que o índice de mortes estava elevado. Veja o vídeo com alguns dos casos na ocasião:
O especialista em segurança pública, Raimundo Pontes Filho, afirma que esse índice vai na contramão da capital de outros Estados, onde o número de homicídios vem diminuindo.
“Há diversos fatores que devem ser considerados para entender essa realidade, como a disputa entre facções dentro e fora dos presídios; a banalização da cultura do ódio e da violência; o descrédito nas instituições do sistema de justiça criminal; presença insuficiente do Estado por meios de políticas sociais para prevenir o recrutamento de pessoas pelo crime e aumento da desigualdade social canalizada para a economia do crime”, pontuou.
A reportagem apurou que 109 (93,16%) das vítimas eram do sexo masculino, enquanto oito (6,84%) eram do sexo feminino. No total, 86 pessoas foram mortas por arma de fogo, 17 por arma branca e 14 foram vítimas de agressão física.
Conforme a polícia, a maioria das mortes está relacionada às execuções por disputas entre o Comando Vermelho (CV) e a Família do Norte (FDN), que brigam pelo controle do tráfico de drogas no Amazonas. O mês de janeiro também registrou 10 casos de mortes por intervenção da polícia, onde o policial, durante uma operação, leva o suspeito a óbito.
O caso de intervenção policial com maior repercussão aconteceu no dia 17 de janeiro, no bairro Colônia Oliveira Machado, Zona Sul, quando equipes da Rondas Ostensivas Cândido Mariano (Rocam) receberam uma denúncia informando que membros do CV realizariam um ataque para tomar um ponto de comercialização de drogas pertencente à FDN. Durante a abordagem, os policiais foram recebidos a tiros e neutralizaram a ação dos criminosos. Durante o confronto, cinco suspeitos foram mortos.
Para conter o alto índice de violência na cidade, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM) deflagrou, no dia 7 de janeiro, a Operação Tentáculo, em uma tentativa de reduzir as ocorrências de homicídios e tráfico de drogas em várias zonas da capital.
Questionado pela reportagem sobre a atuação para diminuir o índice de mortes violentas, o titular da SSP, coronel Louismar Bonates, informou que a estratégia da cúpula é prender os líderes de facções criminosas, responsáveis por ordenar as execuções na capital.
“Nossas investigações estão se intensificando para pegar os cabeças dessas facções. Se os soldados matam é porque alguém está ordenando. Com essas prisões, esperamos que esse índice diminua. A Polícia Militar está nas ruas, diariamente, fazendo operações. Já tivemos mais de uma tonelada de entorpecentes apreendida neste ano e isso afeta as facções. Reduz as drogas, as áreas, então eles têm que brigar por mais espaço, para continuar mantendo o padrão financeiro. Por isso, esse conflito intenso de organizações criminosas”, explicou.
Na oportunidade, o secretário anunciou a criação de uma força-tarefa na Delegacia Especializada em Homicídios e Sequestros (DEHS), para aprofundar as investigações sobre os mandantes e executores dos assassinatos registrados em janeiro.
Os familiares lamentam as mortes, principalmente, de vítimas inocentes
O sociólogo Luiz Antônio Nascimento destacou que o índice de mais de 100 mortes, em menos de um mês, é estarrecedor para uma cidade com 2 milhões de habitantes e diz que a força de segurança pública precisa tomar esse fato como um problema e atuar de forma decisiva.
O especialista analisou ainda que há um problema sério na produção de informação dentro da SSP-AM.
“Eu continuo duvidando quando o aparelho de segurança pública, sem investigar, atribui um crime ou outro a guerras de facções. É temerário você acusar e atribuir a isso porque não qualifica a investigação. Quando todo mundo está dizendo que uma pessoa neutra foi morta, a sociedade vai exigir que aquela morte seja apurada. Basta você colocar a informação que a vítima é envolvida com o crime que, imediatamente, toda aquela pressão para apurar o caso cai”, ressaltou.