Menores Infratores
Crianças no crime: “Tráfico é o sintoma de outros problemas”
Criança que assaltou ônibus em Manaus e adolescente que matou idoso após roubar saco de farinha reacendem a discussão sobre as razões que levam a esse ponto
Manaus - Assim como deixou marcas na economia legal, o coronavírus afetou a criminalidade. Crianças e adolescentes envolvidos em crimes chocam os amazonenses. No dia 11 de abril, uma criança de apenas 11 anos participou de assalto a um ônibus da linha 030. E no dia 22 de abril um adolescente de 17 anos mata idoso a terçadadas após roubar saco de farinha. A desestruturação familiar e o avanço das facções criminosas têm colaborado para o crescimento do número adolescentes no mundo do crime, de acordo com especialistas.
No período de janeiro a agosto de 2019, o total de 1.501 menores de 18 anos de idade foram apreendidos na capital, o equivalente a uma taxa 35% maior que o mesmo período de 2018, quando foram apreendidos 1.107. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM).
Apesar do Portal EM TEMPO todos os dias noticiar crimes envolvendo adolescentes como lesão corporal, roubo, tráfico de drogas e direção perigosa, para a delegada titular da Delegacia Especializada em Apuração de Atos Infracionais (Deaai), Elizabeth de Paula, houve uma redução no número de menores infratores sendo apreendidos em Manaus
A delegada Elizabeth de Paula explica que percebe essa diminuição no dia a dia de trabalho, mas que os dados numéricos ainda não foram analisados para os primeiros meses de 2020.
“O jovem começa bem cedo no crime: brigando na escola, andando com gangues, usando drogas. É uma escada. Para o tráfico, ele precisa roubar e furtar para poder sustentar o vício”, salientou.
Perfil do menor infrator

Segundo
levantamento da Deaai, o perfil do menor infrator no Amazonas corresponde a um
adolescente de 13 a 17 anos, de classe baixa, que está fora do ambiente escolar
e em lares desajustados. “Os padrões são menores na faixa de 13 a 17 anos, mas
normalmente de 16 a 17 anos é o pico. Ele está em um lar desajustado,
normalmente, é criado por uma mãe ausente ou por uma avó, sem a presença do
pai, e uma pessoa fora da escola”, afirmou Elizabeth.
Ela ressaltou a importância da família e da comunidade escolar na tentativa de coibir a prática de atos infracionais. “Esse menor tem que fazer parte de um núcleo, senão ele vai atrás de outros núcleos e, normalmente, o traficante é mais sedutor, porque ali o jovem acha que encontra tudo o que quer: reconhecimento, dinheiro, poder, coisas que ele não acha na família, até porque, normalmente, são famílias desajustadas ou que já nem existem”, disse.
Origem do problema
A psicóloga Fabiana Lima explica que o comércio ilegal de drogas parece vinculado a áreas de alta concentração de desvantagens, trazendo ocupações cada vez mais desordenadas, oras marcadas por uma relação entre abandono e resistências do poder público. “As crianças e os jovens, são então os mais influenciados por essas continências sociais desde muito cedo”, esclarece.
Mas Fabiana ressalta que é importante lembrar que as análises sociais referenciadas em tantas pesquisas deste cunho, demonstram que a marginalização não é traçada pela categoria reservada somente às crianças e adolescentes, mas sim de um conjunto de problemas relacionados as condições precárias e desumanas, de sobrevivência, abandono e discriminação feita pela própria sociedade.
“Os adolescentes e as crianças, carentes de papeis e identificações e regras, acabam encontrando no tráfico e nos atos infracionais consequentemente, o seu papel enquanto sujeitos. A família, como o agente socializador, fracassa muitas vezes em seu papel de amparar, instruir, dar afeto e suporte”, salienta a psicóloga.
Solução
Fabiana relata que não existe uma única medida para solucionar comportamentos infratores e casos que desenvolvem os transtornos de conduta. “O trabalho deve ser de agentes da área da saúde mental e social, envolvendo principalmente a família. É um grande desafio! ”, finaliza.
Segundo o sociólogo Kefferson Correia, ao falar do envolvimento de jovens no tráfico, é preciso que reflexões mais profundas sejam feitas. “Não vejo o tráfico como a raiz dos problemas. Ele é o sintoma de uma série de outros problemas - exclusão social, falta de perspectivas, marginalização e pobreza. Se você não os trata, você não vai acabar com o tráfico”, esclarece.
Kefferson explica que, nesse contexto, a evasão escolar também precisar ser colocada em cheque. Segundo o sociólogo, é algo que deve ser tratado de forma mais séria, pois quando o sistema de ensino não cobra da família a presença do aluno na escola, os pais e a escola acabam perdendo a criança para as drogas e para o tráfico.
“Essas crianças buscam também ascender socialmente e ter mais influência, algo que o tráfico pode oferecer. Ali você encontra status e dinheiro de forma rápida e que aparenta ser fácil. Precisamos de políticas públicas sérias para inserir esses jovens no mercado de trabalho e para ajuda-los a concluir seus estudos”, encerra o sociólogo.
Na Lei
Pela lei, são consideradas crianças as pessoas com até 12 anos incompletos, e adolescentes aqueles que têm entre 12 e 18 anos. Atualmente, o Brasil possui uma legislação específica para regular a prática de crimes por esses jovens. Para o grupo, não há prática de crime, mas de ato infracional, conforme prevê a Lei 8.069/90 que veio a substituir o antigo código de menores.
Além disso, ao contrário dos adultos, que são processados e podem ser presos conforme os códigos Penal e Processual Penal, os adolescentes podem ser apreendidos conforme as regras do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Conforme a delegada titular da Deaai, quando um adolescente é apreendido, é identificado na delegacia se há ato infracional semelhante a algum crime. A partir do momento em que se identifica o ato infracional, o adolescente é apreendido e encaminhado ao Ministério Público.
Com a presença dos pais, o adolescente passa por uma audiência, em que será definida a liberação ou apreensão provisória do menor. Caso seja apreendido, ele é encaminhado para Unidade de Internação Provisória. “O que determina a decisão dele ser liberado ou não, geralmente, é quando os crimes são muito graves ou quando ele já tem várias passagens, quando se identifica que ele realmente já é um fator contumaz”, explicou Elizabeth.