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Linchamentos

“Linchamento também é crime”, diz sociólogo sobre assassinatos por populares em Manaus

Em quase três anos, os linchamentos em Manaus alcançaram um total de 46 casos, conforme os dados do levantamento da Secretária de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM)

Foto: Divulgação

Manaus (AM) – Crimes como assaltos, furtos e até assassinatos têm se tornado cada vez mais recorrentes no Amazonas. Assim, a insegurança e o medo tomam conta da população, que se sente insatisfeita e vulnerável à violência cotidiana. Diante deste cenário, algumas pessoas agem por conta própria para punir aqueles que cometem delitos, ao ponto de serem autoras de linchamentos. Porém, a ação também é considerada um crime.

Em quase três anos, os linchamentos em Manaus alcançaram um total de 46 casos, conforme os dados do levantamento da Secretária de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM).

Em 2019, cerca de 13 pessoas foram linchadas na cidade. No ano seguinte, em 2020, o número aumentou para 16. Já em 2021, apenas nos primeiros nove meses, a quantidade de pessoas mortas por linchamento escalou para 17.

Um dos casos de linchamento de maior relevância que aconteceram em Manaus foi o de um homem, não identificado, morto por populares por supostamente cometer assaltos na linha de ônibus 321, no KM 2, BR-174, na entrada da comunidade Ismail Aziz, bairro Santa Etelvina, Zona Leste da cidade.

Agente da Amazonas Energia participou de linchamento. Foto: Reprodução

O assassinato aconteceu no dia 11 de março. Após ele cometer os assaltos, algumas pessoas conseguiram render o homem. A partir daí, começou uma série de chutes, socos e pauladas contra o assaltante. Em um vídeo que circulou nas redes sociais, é possível ver um funcionário da Amazonas Energia participando do linchamento. O homem não resistiu aos espancamentos e morreu no local.

Outro caso de justiça com as próprias mãos aconteceu no município de Parintins (distante a 369 quilômetros de Manaus), no dia 24 de março. Segundo a equipe de polícia, um homem sem identificação tentou matar o próprio pai.

Algumas pessoas acompanharam a tentativa de assassinato e se revoltaram. Assim, iniciaram diversas agressões contra o homem, que tentou se esconder em uma igreja. Porém, ele foi encontrado e arrastado para a rua pela população. A polícia foi acionada e, no local, encontrou um grupo de pessoas desferindo diversos socos e chutes no homem.

A equipe policial conseguiu parar os ataques e evitou o linchamento. O homem foi preso e encaminhado para a delegacia do município.

Falta de informação sobre os direitos humanos

Conforme o sociólogo e professor Israel Pinheiro, a violência tem raízes históricas, culturais e sociais, tanto no Brasil quanto no estado do Amazonas, pois envolve um conjunto de mecanismos de punição que são incorporados pelos indivíduos.

Nesse sentido, a partir dessas projeções de violência absorvidas pela sociedade, muitas pessoas passam a agir com violência em situações que tentam inibir a própria violência, o que resulta em linchamentos.

“Existe uma revolta e uma noção de justiça e uma tentativa do indivíduo de assumir o papel dessa justiça por meio de uma punição, que é totalmente à margem daquilo que está estabelecido pelo estado de direito e pela sociedade democrática. Você quer punir e fazer com que aquela pessoa sofra”,

explica o professor.

O sociólogo também ressalta que os atos de violência com a intenção de punirpor parte da população, algumas vezes, não têm a intenção de suceder em morte. Porém, em alguns casos, mesmo não sendo a intenção, a série de espancamentos acaba ocasionando o assassinato.  

Ainda conforme o professor, os motivos mais comuns que desencadeiam em linchamentos são aqueles que visam punir os roubos e os furtos.

“Esses casos se tornam recorrentes porque há uma linha de pensamento em que não consideram, moralmente, o linchamento como algo nocivo em determinados setores da sociedade. Os meios de comunicação, de um lado, apontam isso como problema. E do outro lado a gente tem esses mesmos meios de comunicação, através de programas que incentivam a punição, a destruição, expressões como o ‘CPF cancelado’ ou ‘bandido bom é bandido morto’. Todos os elementos também contribuem por isso”,

afirma.

Outro fator que contribui para a ocorrência de linchamentos é a falta de circulação e divulgação a respeito dos direitos humanos, que precisa ser impulsionada pelos meios de comunicação, pela sociedade civil e pelo estado.

“Há uma dificuldade de partilhar informações sobre o acesso a direitos humano e acesso à justiça. Esse quadro só vai mudar quando a gente puder fazer um debate amplo sobre as questões de diretos humanos de maneira coletiva na sociedade, ou seja, nas escolas, na televisão, meios de comunicação e nos jornais”, explica.

Linchamento é crime

A justiça com as próprias mãos é uma prática antiga das primeiras sociedades históricas, conforme o sociólogo Fábio Amazonas. Porém, com o surgimento do estado, a responsabilidade em punir aqueles que desrespeitam o estado democrático de direito passou das mãos da população para ser de responsabilidade do poder público.

No entanto, segundo o sociólogo, o crescimento da corrupção dos agentes públicos, assim como a não resolução adequada de crimes no país por parte destas mesmas instituições do estado, em paralelo com o crescimento da violência, faz com que grupos da população se sintam vulneráveis. Como consequência, muitos reagem para punir os crimes por conta própria.

“A população se sentindo desamparada pelo poder de segurança pública passam a punir os infratores que conseguem pegar. Sem qualquer investigação, pode acontecer de o linchamento acontecer com pessoas que não cometeram o crime. Lembrando que linchamento também é crime, então os que praticam tal ato, punem um crime cometendo outro”,

afirma.

Especialista comentou sobre a infração. Foto: Acervo pessoal

Conforme o especialista em segurança pública Walter Cruz, a alta violência, e por consequência os linchamentos, acontece na maioria das vezes em locais onde vivem as populações de classes mais baixas. O especialista aponta que são nesses lugares onde o aparelho do estado não consegue atender as demandas de proteção das pessoas.

“Quando não ocorre uma proteção efetiva, muitas das vezes o sistema de segurança não consegue atender essas pessoas de camadas sociais mais baixas. Isso gera nessas pessoas um sentimento não só de solidão em relação aos órgãos policiais, mas um sentimento de abandono pelo poder público”,

explica o especialista em segurança pública.

Para ele, é importante que o estado proporcione melhores condições sociais e econômicas para as classes mais baixas, assim como também invista e organize a segurança nesses locais.  

“Então, eu penso que essas mazelas só podem ser enfrentadas com planejamento, orçamento e uma visão mais estratégica do estado em relação a todas as classes, a toda a população. É esse meu pensamento”, ressalta.

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