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Início do inverno amazônico reacende esperança da população após seca histórica

Chuva reascendeu a esperança do povo amazonense, que aguarda o restabelecimento do clima adequado para a época do ano

A forte estiagem que atingiu o Estado do Amazonas durante os últimos meses deste ano transformou a vida dos ribeirinhos da região. Em decorrência desta seca, foi registrada falta de água potável, alimentos, medicamentos, a morte de peixes e botos, readaptação do ensino público, deslizamentos de barrancos, entre outros e todos os 62 municípios do estado declararam estado de emergência.

O Rio Negro, por sua vez, atingiu o nível mais baixo da sua história, com menos de 12,96 metros, registrados na última quinta-feira (16). De acordo com Organização Meteorológica Mundial, o fenômeno climático El Niño – um aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico – é responsável pela falta de chuvas na cabeceira das bacias da Amazônia. Ainda de acordo com a organização, este fenômeno deve afetar a região até abril de 2024.

Apesar da falta de chuva nos últimos meses, o período do “inverno amazônico”, entre novembro e maio, é conhecido por ser o mais chuvoso da região. Em Manaus e região metropolitana, forte chuva foi registrada durante a última quinta-feira (23).

Alcançando 74,2 milímetros de índice pluviométrico, a chuva reascendeu a esperança do povo amazonense, que aguarda o restabelecimento do clima adequado para a época do ano, assim, como os ribeirinhos esperam a subida do nível do rio para que suas atividades voltem ao habitual.

A maior seca em 121 anos

Foto: Alex Pazuello/Secom

Atingindo níveis históricos, a grande seca do Rio Negro em 2023 é considerada a maior em 121 anos de contagem no Porto do Manaus. Afetando diversos setores da sociedade, a população precisou adaptar suas atividades para contornar as dificuldades impostas pelo fenômeno.

José Dilson, professor da Escola Municipal São João, de Rio Preto da Eva, contou ao EM TEMPO, que o método de ensino passou por modificações devido à estiagem, pois muitos alunos ficaram impossibilitados de frequentarem as aulas.

“Agora eles [os alunos] estão estudando por apostila. Eu preparo a apostila, alguns pais conseguem pegar na escola, ou eu mando por algum conhecido de confiança, mas é porque não tem condições de todo mundo estar no colégio. Antes o caminho até a escola era de 15 minutos, por conta da seca, está demorando aproximadamente 1 hora”,

pontuou o professor.

A seca também mudou a vida de quem vive dos recursos dos rios. Morador do bairro do Puraquequara, em Manaus, o pescador Evandro Maia, relatou que foi um dos primeiros a sentir o impacto direto da vazante, já que a dificuldade de pescar peixes nos lagos se fez presente imediatamente.

“Pescar fica mais difícil. Nessa época, os lagos secam, é mais difícil de pescar, para viajar, tudo fica mais difícil; para chegar onde tem peixe, você tem que se deslocar bastante. A despesa aumenta, hoje tudo é caro. É mais difícil para o próprio pescador sobreviver nesta época que o rio seca”,

contou.

Por conta da dificuldade de manter a atividade, o preço dos alimentos aumenta de forma equivalente. Até que a matéria-prima chegue à mesa da população, o processo passa pela mão do vendedor, que serve como intermediador entre o produtor e o cliente final. Para garantir a sua renda, o preço é elevado, mais uma vez.

“Quando o rio não estava seco, a saca de 50 quilos da farinha estava saindo a R$ 350, no máximo R$ 380. Agora, está custando R$ 450, se tirar três sacas, sai a R$ 440. Hoje, nós estamos vendendo a saca da farinha por R$ 13 reais, são dois por R$ 25. Antes, era R$ 10”,

explicou Carmem Miranda, autônoma de 41 anos.

Morte de peixes e botos

Foto: Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá

Outra consequência decorrente da forte seca foi a morte de peixes e botos nos rios da Amazônia. Em Manacapuru, centenas de peixes apareceram mortos boiando, no Lago do Piranha. A falta de oxigenação e o aumento da temperatura da água foram apontados como possíveis causas do fenômeno, que assustou quem passava pelo local.

Por conta do alto volume de animais mortos, a pouca água existente no lago acabou sendo comprometida, já que a maioria dos animais já estavam em estado de decomposição. Para solucionar o problema, o prefeito de Manacapuru, Beto D’Ângelo, disse em entrevista ao EM TEMPO, que as atividades de assistência às comunidades afetadas severamente pela seca já estavam em andamento.

“Estamos fazendo essas ações desde o dia 27 de setembro, quando começamos a ter dificuldade em algumas localidades na região, principalmente no Piranha, onde teve a morte de peixes. Desde então, a gente já está vendo a situação da água, a purificação da água, rancho, motor-bomba, mangueiras, poços ainda onde é possível perfurar, e já estamos voltando em algumas localidades para reforçar o abastecimento de água”,

pontuou o prefeito.

O Lago Tefé também causou preocupação entre ambientalistas após registrar a morte de botos. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entre 28 de setembro até 18 de outubro, foram registradas 153 mortes de botos na localidade, sendo 130 botos vermelhos e 23 tucuxis.

“A seca e a temperatura da água, que chegou a 39,1°C no pico de mortalidade no dia 28 de setembro, quando 70 indivíduos morreram, estão diretamente relacionados ao ocorrido, apesar de outras causas de morte ainda não estarem descartadas, como alguma contaminação da água ou doença nos animais. Além das altas temperaturas medidas no lago durante as tardes, há também uma grande variação da temperatura da água durante o dia, variando entre 29° e 38°C”,

diz o boletim do ICMBio.

Para contornar a situação, os especialistas do ICMBio montaram uma estratégia para isolar a área onde foi registrado o maior número de botos mortos, e conduzir os animais para fora do trecho crítico.

Inverno Amazônico

Foto: Divulgação

Após mais de 130 dias de vazante, o Rio Negro começou a dar sinais de recuperação de nível no último dia 30, quando subiu 17 centímetros, alcançando a marca de 12,87 metros. Em meio à seca, outro problema agravou a situação da capital amazonense: a fumaça vinda de queimadas da zona metropolitana de Manaus.

Desde então, chuvas rápidas alegravam a população, que cansada das altas temperaturas, acreditava que o inverno amazônico viria logo na virada do mês, entre outubro e novembro.

No último dia 7, Manaus amanheceu sob forte chuva, mas logo em seguida, ela foi dissipada. Além de amenizar a temperatura, a precipitação também é aguardada para ajudar a subir o nível dos rios, mas segundo especialista, é preciso ter cautela sobre a presença de chuvas na região.

“Nos últimos dias, o Rio Negro em Manaus apresentou subidas inicialmente na ordem de 5 cm, 7cm e no registro mais recente 8 cm, essa subida seria o resultado do processo de recuperação do Solimões e Negro que ocorre há duas semanas. Isso pode indicar o final da vazante na região? Ainda não, essa fase agora seria de estabilidade dos níveis que estão muito baixos, podem apresentar oscilações e sua recuperação depende da permanência das subidas nas regiões do Alto Solimões e Alto Rio Negro, e do retorno do período de chuvas na bacia como todo”,

comentou a pesquisadora em Geociências do Serviço Geológico Brasileiro (SGB), Jussara Cury, em entrevista ao Em Tempo.

Há mais de 15 dias sem chuva, na última quinta-feira (23), a precipitação voltou a amenizar o clima da capital amazonense e de alguns municípios do interior. Segundo a Prefeitura de Manaus, a chuva registrou 74,2 milímetros de índice pluviométrico.

A Gerência de Encaminhamento e Acompanhamento apontou que até as 16h de quinta, choveu 131 milímetros na zona leste, 108 milímetros na zona norte, 44 nas zonas sul, centro-sul e centro-oeste, e 43 milímetros na zona oeste.

Ainda na quinta-feira (23), o Governo do Amazonas, por meio do Boletim Estiagem, apontou que nos últimos cinco dias, o Rio Negro subiu 44 centímetros. Já em Barcelos, o nível da água subiu 37 centímetros. Em Itacoatiara, o rio subiu 21 centímetros.

Apesar dos números positivos, o fenômeno do repiquete prende a atenção dos especialistas. O repiquete, nada mais é, do que o efeito sanfona dos rios, ou seja, as águas dos rios podem subir por conta das chuvas, mas voltam a baixar logo em seguida.

Esse fenômeno foi observado na Calha do Juruá, por exemplo. Conforme o Boletim Estiagem, Cruzeiro do Sul e Ipixuna baixaram, respectivamente, 26 cm e 96 cm, devido à oscilação esperada entre as transições de estações.

A chuva que surpreendeu a população amazonense nesta última semana reflete a esperança no retorno do clima de normalidade na região. Após uma seca histórica, qualquer movimentação de precipitação será comemorada pelos amazonenses, que resistiram aos longos meses de fumaça e estiagem.

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