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‘Tarifaço’ de Trump gera desafios e oportunidades à ZFM

Mesmo com nova taxação dos EUA sobre produtos brasileiros, especialistas enxergam oportunidades para o Polo Industrial de Manaus ampliar exportações

O novo pacote tarifário anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem provocado movimentações estratégicas ao redor do mundo. Contudo, os impactos sobre o Brasil, em especial para a Zona Franca de Manaus (ZFM), podem ser mais brandos do que o previsto inicialmente.

O chamado “tarifaço” impõe novas alíquotas de importação que variam de 10% a 50% sobre produtos de diversos países. A medida tem como objetivo principal fortalecer a indústria norte-americana e incentivar o consumo de itens produzidos internamente.

Embora o Brasil tenha entrado na lista de países afetados, suas exportações para os Estados Unidos sofrerão apenas a tarifa mínima, de 10%. A decisão foi recebida com alívio relativo pelas autoridades brasileiras.

O superintendente da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), Bosco Saraiva, considerou a medida “o mal menor”. Segundo ele, o impacto direto sobre a indústria local ainda é pequeno, já que a maioria da produção é voltada para o mercado interno.

“Penso que, dos males, o menor foi a aplicação ao Brasil da faixa tarifária inferior, de 10%. Ainda que, inegavelmente, essa sobretaxa impacte na competitividade dos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, esse efeito é menor em relação à maioria dos demais parceiros comerciais daquele país que, em geral, serão gravados com tarifas bem superiores. Neste momento, o impacto na indústria local não é grande, porque a maior parte da nossa produção é absorvida pelo mercado nacional. ”, disse o Superintendente. 

Bosco também destacou a importância da cautela adotada pelo governo brasileiro, que pode viabilizar futuras negociações diplomáticas.

“Contudo, uma eventual medida de reciprocidade por parte do Brasil pode elevar o custo de aquisição de insumos americanos por parte da indústria do Polo Industrial de Manaus. Acredito, no entanto, que a postura de cautela adotada pelo governo brasileiro desde o anúncio dessa medida contribuirá para reverter ou atenuar os efeitos dessa taxação, porque favorece o diálogo, a negociação e a assertividade nas medidas a serem adotadas daqui por diante”, completou Bosco Saraiva. 

A decisão do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de aumentar tarifas sobre produtos importados — incluindo mercadorias brasileiras — foi analisada pelo cientista político Helso Ribeiro como um movimento de retorsão no campo do direito internacional. Segundo ele, trata-se de uma resposta equivalente ao tratamento recebido por outros países.

“O que o Trump está fazendo no direito internacional nós chamamos de retorsão. É dar, de certa forma, uma resposta equivalente ao tratamento recebido”, explicou Ribeiro, destacando que a medida visa reforçar um discurso interno de fortalecimento da indústria nacional americana.

Para Ribeiro, a medida está inserida em uma lógica de política externa marcada por um nacionalismo acentuado e busca reforçar o discurso do “Make America Great Again” (Fazer a América Grande Novamente). Segundo ele, a decisão pode não ser a mais adequada do ponto de vista econômico, uma vez que já há impactos negativos nas bolsas americanas, com queda nas ações de empresas locais.

No caso do Brasil, ele avalia que é um momento delicado para confrontos. “Eu penso que, em relação ao Brasil, não dá para dispensar. Os Estados Unidos são nosso segundo parceiro comercial. Hoje o primeiro é a China.”

Ribeiro também vê nas medidas de Trump um reflexo direto da disputa econômica global com a China, país que vem ampliando sua influência em regiões como a América Latina e a África. “O ex-presidente francês dizia que a China é um dragão adormecido. Se acordar, vai dar trabalho.”

Sobre os impactos econômicos da medida, o cientista político observa que setores específicos, como o de calçados brasileiros, já pagam altas taxas e podem ser ainda mais afetados. “O nosso calçado que é muito vendido para lá, já paga cerca de um pouco mais de 15% de imposto. E a média dos produtos brasileiros que entram lá paga cerca de 3%. Se passar para 10, realmente é um aumento substancial.”

Ele ainda critica a visão de que as tarifas seriam uma retaliação contra o governo brasileiro. Segundo Ribeiro, parte da extrema-direita chegou a torcer por um aumento mais severo como forma de oposição ao governo Lula. “Tinha alguns, principalmente bolsominions, que achavam que o Trump ia fazer uma espécie de perseguição ao governo do presidente Lula. No entanto, a gente ficou ali no mínimo que ele fez para o mundo inteiro.”

Na avaliação dele, o cenário pode servir de oportunidade para o Brasil buscar novas alianças comerciais. “Talvez para o Brasil seja aquele limão que você recebe e vai fazer uma limonada. Seja o momento de diversificar as parcerias. Nada impede do Brasil entrar, por exemplo, com o Japão, houve um aumento de mais de quase 30%”, sugeriu.

Ribeiro conclui destacando a importância da cautela diante da potência americana. “É como se um fusquinha tivesse batendo de frente com uma locomotiva. Os Estados Unidos é uma superpotência e a gente não consegue substituir da noite pro dia as parcerias comerciais que nós temos com eles. Eles compram muito produto manufaturado nosso e algumas commodities também. As commodities você consegue com mais facilidade encontrar novos.”

Além do Brasil, outros países como Reino Unido, Singapura, Austrália, Nova Zelândia e Argentina também foram incluídos na faixa mínima de 10%. Em contrapartida, países tradicionalmente mais competitivos em setores industriais — como China (54%), Vietnã (46%), Camboja (49%) e Tailândia (36%) — enfrentam tarifas elevadas, que praticamente inviabilizam suas exportações ao mercado norte-americano.

Para a conselheira federal Denise Kassama, do Conselho Federal de Economia (Cofecon), isso pode representar uma oportunidade estratégica para a indústria brasileira, especialmente o Polo Industrial de Manaus, conhecido por sua produção de motocicletas.

“O Brasil, ele tá na menor faixa aí do tarifaço anunciado pro pelo Trump, que é de 10% ao lado de países como a própria Argentina. Quem tá no topo dessa lista são países como Camboja, Laos, Vietnã, que são grandes produtores de duas rodas, de motocicletas. Esses países com uma tarifa que pode chegar a 50% torna praticamente inviável esse outros países venderem seus produtos nos Estados Unidos.”

Segundo Kassama, o PIM pode conquistar espaço no mercado internacional a partir da lacuna deixada por esses países asiáticos, além de se beneficiar de potenciais boicotes que os países afetados pelas tarifas podem impor contra produtos americanos.

“Por outro lado, o Polo Industrial de Manaus (PIM), que não está tão longe dos Estados Unidos e só tem uma tarifa de 10%, pode significar uma grande oportunidade para para as motocicletas do PIM atingirem o mercado hoje que elas não competem”, disse.

“De uma outra forma também, a boa parte dos países que estão sendo atingidos por essas tarifas, estão ameaçando também boicotar os produtos americanos em seus países. O que também significa possibilidade de abertura de novos mercados para o Polo Industrial de Manaus”, completou.

Ainda assim, a economista reforça que é preciso manter os pés no chão e observar com atenção os desdobramentos da medida, especialmente diante da imprevisibilidade do governo norte-americano e dos possíveis efeitos internos nos EUA.

Em nota conjunta, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e o Ministério das Relações Exteriores (MRE) afirmaram que o governo brasileiro “lamenta a decisão tomada pelo governo norte-americano”, mas permanece aberto ao diálogo e não descarta recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC).

Trump, por sua vez, justificou a medida dizendo que os percentuais aplicados ao Brasil são proporcionais aos cobrados pelo país sobre produtos importados dos EUA.

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