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Palácio Rio Branco: o silêncio do poder

Palácio Rio Branco hoje é apenas ruína

Quem anda pela Avenida Sete de Setembro, no centro de Manaus, talvez não perceba. Talvez ache que é só mais um prédio velho, com a pintura descascada, janelas quebradas e pombos no turno da manhã. Mas ali — entre buracos no asfalto e a sombra envergonhada das árvores — jaz um palácio. E jaz mesmo. O Palácio Rio Branco, outrora casa do poder, hoje é apenas ruína com pedigree.

Durante décadas, ali se decidiram os destinos do Amazonas. Foi sede da Assembleia Legislativa, epicentro de discursos inflamados, acordos discretos e fotos oficiais. Hoje, não há mais discursos. Nem fotos. Só o silêncio. Um silêncio que ressoa entre os escombros, feito risada contida de quem sabe que foi esquecido.

A fachada, em estilo neoclássico, ainda tenta manter a pose. É uma senhora aristocrática à beira da indigência. Tem colunas que sustentaram esperanças, vitrais que já viram muito e agora não veem mais nada.

Ali, no dia 12 de maio de 2017 — data que ninguém mais menciona — uma reunião entre o prefeito e o governador da época acenou com promessas de obras. Foi a última vez que o palácio ouviu alguma coisa que prestasse. Depois disso, desabou no esquecimento, como quem apaga a luz e vai embora sem dizer adeus.

Construído no fim do século XIX, quando Manaus sonhava em ser Paris, o palácio é um sobrevivente do tempo em que o poder era exercido de fraque e bigode. Com suas escadarias solenes e janelas arqueadas, ainda tenta dizer alguma coisa ao passante apressado. Mas ninguém escuta. O nome, Rio Branco, é uma homenagem ao diplomata José Maria da Silva Paranhos — um nome pomposo para um prédio que hoje abriga apenas pó, morcegos e um irônico senso de tragédia.

Nos anos 1990, o velho edifício virou sede administrativa da Aleam. Abrigava o gabinete da Presidência, enquanto se construía a nova sede legislativa no Parque 10. Quando a mudança se consumou, o palácio foi gentilmente aposentado — sem festa, sem medalha, sem nada. Foi jogado à própria sorte. E azar dele.

Os anexos ao redor, que também serviram ao Legislativo, estão em estado ainda mais comovente. Um deles parece cenário de filme pós-apocalíptico: mofo, infiltrações, fiação à mostra e uma dignidade escorrendo pelas rachaduras. É o tipo de coisa que, em outros lugares, causaria comoção. Aqui, na Paris dos Trópicos, causa bocejo.

Ninguém se pronuncia. O Iphan, que poderia fazer alguma coisa, finge que não viu. E enquanto os órgãos responsáveis se comportam como se estivessem em férias prolongadas, a história derrete. Aos poucos, sem escândalo. Como tudo o que se abandona devagar.

O Palácio Rio Branco já foi símbolo do poder. Hoje é símbolo do descaso. E o abandono não é só arquitetônico. É institucional. É moral. É quase um manifesto involuntário: “não nos importamos”. As salas outrora ocupadas por deputados agora servem aos pombos. Os corredores onde se tramavam estratégias agora abrigam o silêncio — esse velho cúmplice dos esquecimentos.

Num lugar onde a história é sempre atropelada pelo improviso, o Palácio Rio Branco deveria ser tratado como relíquia. Mas está mais para peça de museu do esquecimento. E o mais triste de tudo: ele não reclama. Não protesta. Só apodrece. Discretamente, à vista de todos. Para a vergonha do Amazonas — e para o alívio dos que preferem não ser lembrados do que um dia fizeram (ou deixaram de fazer) entre aquelas paredes.

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