É tempo de Páscoa — o feriado sagrado em que celebramos a ressurreição de um certo carpinteiro dos confins do Império Romano… Com ovos de chocolate. Nada mais coerente: um milagre divino comemorado com glicose industrializada. Amém.
Dizem os estudiosos (os mesmos que acreditam em coelhos botando ovos) que o ovo simboliza o renascimento. Reza a lenda que Maria Madalena, com um ovo na mão, converteu um imperador rabugento ao cristianismo quando o bendito ficou vermelho do nada. Um conto bonito, cheio de simbolismo. Mas, sejamos sinceros: o que realmente nos emociona nessa história é a promessa de um chocolate honesto sob um papel brilhante — não a conversão do César.
O problema é que, em 2025, o “ovo de verdade” virou peça de museu. Uma reportagem da BBC News Brasil revelou o que muitos já suspeitavam na primeira mordida: o tradicional ovo de chocolate virou uma farsa gourmetizada. Parece que a manteiga de cacau derreteu junto com a nossa esperança.
E quem é o culpado por essa tragédia pascal? Jesus, claro que não. O cordeiro pascal é inocente.
A culpa é da globalização, é da praga da vassoura-de-bruxa que castigou os cacaueiros baianos. É culpa também da esperteza histórica da indústria alimentícia — sempre pronta a cobrar mais por menos — e da cotação do cacau, que agora se comporta como se fosse bitcoin: volátil, inalcançável e absolutamente desconectado da realidade.
O que sobra no lugar do chocolate? Gordura hidrogenada com cheiro de infância e gosto de engodo. “Pura gordura e açúcar com sabor de chocolate”, lamentou um consumidor saudosista no Instagram, entre um story e outro. Saudade dos tempos em que chocolate era chocolate, e não um conceito filosófico.
Uma nova era
Vivemos, enfim, a era do ovo ‘fake’. Ele tem forma de ovo, embalagem de ovo, até um aroma genérico de ovo. Só não tem cacau. É como um político em campanha: parece autêntico, mas não entrega o que promete. Vejam o exemplo do respeitável Choco Biscuit da Bauducco, que agora estampa com orgulho o rótulo “sabor chocolate”. Uma elegante forma de dizer: “chocolate de verdade, aqui, nem sinal”.
Mas não joguemos toda a culpa na recente crise do cacau. A indústria já vem nos iludindo há décadas, numa alquimia reversa que transforma gordura vegetal em “doçura”. Leite? Para quê, se existe o permeado de soro de leite em pó? Cacau? Basta um aroma artificial que engane o nariz e distraia o paladar.
E pensar que persas e chineses antigos davam ovos verdadeiros para celebrar o renascimento. Nós, modernos ocidentais, damos simulacros de chocolate por um preço que beira o sacrilégio. Ironia das ironias: trocamos a simbologia da vida por um artefato ultraprocessado que mal se sustenta em pé sem o suporte da embalagem brilhante.
Adeus, chocolate
A cada ano, nos afastamos mais do chocolate e nos aproximamos da indignação. Porque a verdadeira ressurreição da Páscoa, sejamos honestos, não é a de Cristo — é a do preço dos ovos, que sobe com um fervor quase satânico.
A indústria, sempre generosa, nos brinda com o que há de mais moderno em termos de gordura e ilusão. Tudo em nome de “equilibrar qualidade e acessibilidade”, esse eufemismo corporativo para maximizar lucro e minimizar escrúpulos.
Lá atrás, os franceses do século XVIII tiveram a ideia brilhante de rechear cascas de chocolate com bombons. Um luxo! Já nós, no século XXI, nos contentamos com um invólucro dourado recheado de decepção e aromatizado com promessas vazias.
É quase um milagre às avessas. Em vez de celebrar a ressurreição com símbolos de esperança, nos entregamos a uma liturgia do consumo onde o que renasce, ano após ano, é o mesmo ovo fake — cada vez mais caro, cada vez menos chocolate.
Então, que rufem os tambores (de achocolatado em pó), que se abram as carteiras (cada vez mais leves), e que celebremos essa Páscoa com os nossos ovos anêmicos de cacau, pagando em parcelas por uma mordida que deixa na boca o amargor da ilusão.
Porque, afinal, o único milagre que resta é o da multiplicação dos preços. E que os deuses do chocolate tenham piedade de nós. Amém.

(*)¹Articulista do Portal Em Tempo, Juscelino Taketomi, é Jornalista. Há 28 anos é servidor da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam)
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