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Rivalidade

Da antiga rivalidade Reino Unido versus Alemanha para o atual Estados Unidos versus China

As semelhanças entre os dois contextos são alarmantes e merecem atenção.

Foto: Freepik

Ao longo da história, grandes potências frequentemente entraram em rota de colisão devido a transformações estruturais profundas. Um exemplo emblemático foi o antagonismo entre o Reino Unido e a Alemanha no início do século XX, que culminou na Primeira Guerra Mundial. Atualmente, um cenário similar se desenha entre os Estados Unidos e a China, levantando preocupações quanto à possibilidade de uma nova guerra global. As semelhanças entre os dois contextos são alarmantes e merecem atenção.

A competição entre o Reino Unido e a Alemanha foi motivada por mudanças estruturais, como o rápido crescimento econômico alemão, o desejo de Berlim por reconhecimento como potência global e sua ambição de construir uma marinha que rivalizasse com a britânica. O Reino Unido, por sua vez, via essas ações como ameaças diretas à sua hegemonia. Da mesma forma, a ascensão econômica e militar da China gera tensões com os Estados Unidos, que veem a expansão chinesa como um desafio à ordem internacional estabelecida.

No passado, a rivalidade entre Alemanha e Reino Unido foi agravada por caricaturas ideológicas e desconfiança mútua. A Alemanha via os britânicos como imperialistas gananciosos; os britânicos viam os alemães como autoritários e belicosos. Hoje, os Estados Unidos criticam o autoritarismo chinês, enquanto a China acusa os americanos de hipocrisia e de manipular as regras do sistema internacional. Essa espiral de desconfiança dificulta o diálogo e amplia a percepção de ameaça.

Tanto no século XX quanto no presente, as potências envolvidas falharam em comunicar claramente suas intenções. A Alemanha não foi capaz de explicar aos britânicos como sua ascensão mudaria o mundo. A China hoje adota posturas vagas sobre suas ambições internacionais, o que gera insegurança nos Estados Unidos e seus aliados. A falta de transparência alimenta suspeitas e prepara o terreno para equívocos perigosos.

Outra semelhança importante está no medo compartilhado de perder influência no futuro. A Alemanha temia ser contida antes de consolidar seu poder; os Estados Unidos, hoje, temem perder a liderança global diante da China. Esse sentimento leva ambas as partes a considerar a possibilidade de que um confronto precoce seja mais vantajoso do que postergar um conflito inevitável.

A corrida armamentista é outro fator de preocupação. Assim como a Alemanha investiu fortemente em sua marinha, a China tem modernizado rapidamente suas forças armadas, superando inclusive os EUA em número de navios de guerra. O aumento do poderio militar cria um ambiente volátil, onde a simples existência de força pode ser interpretada como ameaça iminente.

O nacionalismo desempenhou papel fundamental tanto no início do século XX quanto agora. Na Alemanha, o orgulho nacional e a crença na superioridade de seu modelo político impulsionaram atitudes confrontadoras. A China, após enfrentar com eficácia a crise financeira de 2008, passou a ver sua ascensão como inevitável. Esse sentimento, combinado ao nacionalismo crescente nos EUA, especialmente visível desde a eleição de Donald Trump, gera um ciclo de provocações mútuas.

A intervenção americana no Iraque em 2003, ignorando princípios de soberania, serviu de alerta para a China, que passou a temer que os EUA pudessem um dia agir da mesma forma contra ela. Esse receio impulsionou ainda mais os investimentos militares chineses. A Alemanha, no início do século XX, também via a Grã-Bretanha como uma potência disposta a impedir sua ascensão a qualquer custo.

O apoio da China à Rússia na guerra contra a Ucrânia é comparável ao apoio alemão à Áustria-Hungria no início do século XX. Ambas as atitudes revelam uma disposição de desafiar o status quo internacional ao lado de aliados estratégicos, mesmo que isso signifique adotar posturas contraditórias com os princípios que alegam defender, como a soberania nacional.

Taiwan, hoje, cumpre um papel semelhante ao dos Bálcãs em 1914: um ponto de fricção altamente sensível que pode desencadear um conflito de grandes proporções. Assim como o assassinato do arquiduque austríaco em Sarajevo foi o estopim para a Primeira Guerra, uma tentativa de anexação de Taiwan pode provocar a Terceira Guerra Mundial.

A ausência de uma comunicação estratégica eficaz entre as potências aumenta o risco de erros de cálculo. Em 1905, um plano militar alemão de uma guerra relâmpago vazado consolidou o medo britânico e tornou a guerra mais provável. Hoje, a falta de diálogo aberto entre EUA e China cria um terreno fértil para mal-entendidos que podem se transformar em tragédias globais.

As potências do século XX acreditavam que poderiam controlar o curso de uma guerra que acreditavam ser curta. Estavam equivocadas. Um erro semelhante está presente hoje, com líderes políticos apostando que um possível conflito seria localizado ou limitado. A história mostra que guerras entre grandes potências raramente seguem esse roteiro.

Ainda há tempo para reverter esse curso. A guerra não é inevitável, como também não foi em 1914. Decisões sensatas, baseadas no entendimento mútuo e na construção de confiança, podem evitar o pior. Mas isso exige lideranças com visão, coragem e capacidade de diálogo, atributos que parecem escassos em tempos de polarização política.

A comparação entre Reino Unido e Alemanha com Estados Unidos e China não deve ser vista como um exercício acadêmico, mas como um alerta. Os paralelos históricos revelam padrões perigosos que se repetem. Ignorar esses sinais pode nos conduzir a um conflito de proporções catastróficas.

Em última análise, a lição da Primeira Guerra Mundial é clara: quando grandes potências deixam que a presunção e o medo substituam a diplomacia e o bom senso, o resultado tende a ser a guerra. O mundo hoje está em uma encruzilhada semelhante. Cabe aos líderes atuais escolherem um caminho diferente.

Farid Mendonça Júnior
Advogado, economista e administrador

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