A morte do Papa Francisco não é apenas a despedida de um líder religioso. É o fim de um tempo. Um tempo em que o Vaticano, pela primeira vez na história, falou com sotaque latino-americano, olhou para a periferia do mundo e se permitiu ouvir os gritos que vinham de fora dos palácios. Jorge Mario Bergoglio, o jesuíta argentino que escolheu o nome do santo dos pobres, transformou o papado em algo mais próximo, mais humano e, sobretudo, mais corajoso.
Francisco não foi um reformador no sentido tradicional — não alterou dogmas centrais da Igreja —, mas reformou o que estava ao seu alcance: o tom. Desautorizou a arrogância clerical. Deu exemplo. Abriu mão de pompas e símbolos de poder. Morava em um quarto simples, cozinhava às vezes, circulava entre cardeais como quem caminha entre irmãos, e não subordinados. Quando lavou os pés de refugiados muçulmanos e mulheres presidiárias, lavou também o rosto de uma Igreja manchada por escândalos e omissões.
Foi um papa político — e isso nunca foi um problema. Falou da crise climática como quem lê o Apocalipse. Denunciou a desigualdade com a autoridade de quem veio de uma Buenos Aires cortada por favelas. Fez da Amazônia uma causa universal e incomodou os donos do mundo com sua insistência em lembrar que há gente morrendo de fome enquanto sobram lucros e sobem muros. Sua encíclica Laudato Si’, sobre o cuidado da “casa comum”, continuará ecoando entre cristãos e ateus, progressistas e conservadores.
Francisco irritou muita gente. Justamente porque nunca se deixou encaixotar. Era conservador para os progressistas, progressista para os conservadores. Foi, acima de tudo, coerente com os valores que dizia professar. Preferiu o desconforto da profecia ao conforto da diplomacia.
Sua morte deixa o mundo mais órfão. Em um planeta carente de referências éticas, Francisco foi um norte — mesmo para quem não seguia sua fé. Deixa um legado de humildade, firmeza e compaixão. Foi, talvez, o último grande líder global a acreditar, de verdade, que a fraternidade ainda pode salvar o mundo. E que a fé, quando não serve para libertar, não serve para nada.
Leia mais: Brasil: Oportunidade nas próximas eleições
Para ficar por dentro de outras notícias e receber conteúdo exclusivo do portal EM TEMPO, acesse nosso canal no WhatsApp. Clique aqui e junte-se a nós! 🚀📱