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Investigação

Alvo da PF, tombo na Faria Lima: o esquema de crédito de carbono no AM

Propinas a servidores, fazendas registradas em terras indígenas e da União marcam esquema que lastreou créditos de carbono no Amazonas

Registros falsos de fazendas em terras indígenas e da União, pagamentos de propina a servidores públicos e fraudes em cartórios eram o pilar de um esquema envolvendo emissões de créditos de carbono na Amazônia que recebeu aportes milionários de multinacionais e de fundos de investimentos da Faria Lima, maior centro financeiro do país, em São Paulo, e que foi desmantelado pela Polícia Federal (PF).

Deflagrada no último dia 5/6, a Operação Greenwashing levou à cadeia empresários acusados de envolvimento na apropriação ilícita de 337 mil hectares de patrimônio público, avaliados em R$ 819 milhões, e na extração ilegal de 1,1 milhão de metros cúbicos de madeira. Segundo a PF, o grupo usou imóveis grilados no sul do Amazonas para emitir e vender a grandes empresas e ao mercado financeiro R$ 180 milhões em créditos de carbono, em um esquema que teria movimentado mais de R$ 1,1 bilhão.

O Metrópoles teve acesso a detalhes da investigação. Ela mostra como ao longo de mais de uma década, o grupo corrompeu servidores e usou documentos falsos em processos judiciais para registrar fazendas sobre áreas de preservação da União e até mesmo territórios indígenas na região de Lábrea. Áudios mostram negociações de propina e até mesmo o monitoramento que os criminosos faziam de investigações.

Segundo a PF, empresas e gestoras do mercado financeiro não são investigadas porque, até o momento, são tratados como investidores de boa-fé. Seus investimentos nesses negócios, no entanto, mostram como os suspeitos de integrarem uma organização criminosa que roubava terras e destruía o meio ambiente conseguiram se passar por empresários de sucesso que ganhavam a vida promovendo um negócio sustentável.

“Rei do carbono”

Os créditos de carbono têm lastro em projetos que geram redução de danos ambientais. Uma unidade equivale a uma tonelada de CO2 que deixou de ser emitido. Empresas podem comprar esses créditos para compensar eventuais impactos de suas atividades na atmosfera e no meio ambiente.

Nesse mercado, o empresário Ricardo Stoppe Junior construiu a imagem de sumidade e de pioneiro, propagando a fama de quem escolheu lucrar com a preservação do meio ambiente. “Hoje, somos o maior produtor de crédito de carbono do mundo”, disse em uma entrevista ao canal AgroMais. Segundo ele, um dos ativos de sua empresa era a Fortaleza de Ituxi, que “começou em uma área de 133 mil hectares preservada”.

A área do projeto do qual o empresário se gaba é uma das principais na mira da PF. Investigadores identificaram um esquema segundo o qual ela foi registrada sobre terras da União e na terra indígena Kaxarari, no sul do Amazonas. A corrupção em cartórios e a apresentação de documentos falsos que acabaram avalizados pela Justiça fez com que parte dessas terras chegasse a dobrar de tamanho, segundo a investigação.

São matrículas que foram abertas em cartório com a data de aquisição do terreno nos anos 80, mas que, logo após o registro, foram transferidas a pessoas ligadas a Stoppe Junior. Na investigação, não faltam diálogos sobre esses esquemas. Em uma das conversas, o empresário menciona propinas a uma oficial de cartório de Apuí, na região amazônica.

“Bem, os 50 mil não era nem para aquilo, era 150 para o negócio do Alvorada, bem, entendeu? Que a doutora do Apuí lá está no pé, que fez a matrícula sem aquilo e não podia ter feito. Entendeu? Era para aquilo lá, eu não consegui até agora”, diz uma das mensagens. Em outra conversa, a PF identificou um suposto intermediário de Stoppe Junior dizendo que “dinheiro resolve” em relação a registros na cidade de Lábrea (AM).

Em meio a investigação, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) enviou à Polícia Federal um relatório no qual identificou transações suspeitas em meio a movimentações de R$ 1,1 bilhão. Somente ao marido da oficial de cartório de Apuí, citada no diálogo sobre a suposta propina, a Ituxi Participações, uma das empresas de Stoppe Junior, transferiu R$ 700 mil.

A transferência bate com uma das conversas obtidas pela PF sobre pagamentos a Sâmara Silva, a oficial do cartório de Apuí (AM): “Bem, essa conta aí desse contrato, nós vamos ter que fazer setecentos mil. É da Samara , tá?”, disse o empresário em um dos áudios.

Nas conversas, foi identificada a influência do empresário na região, inclusive sobre policiais. Outro áudio menciona que ele “destinou” uma viatura policial em Rondônia para procurar a própria filha que estava desaparecida durante uma paralisação de caminhoneiros. Em outros diálogos, cita acordos e pagamentos a policiais militares de alta patente para fazer operações na Fazenda Ituxi e favorecer seus interesses.

De acordo com a PF, o braço direito de Stoppe Junior chegou a listar, em uma conversa, uma série de números telefônicos que, segundo ele, estariam grampeados em uma investigação do Ministério Público Estadual do Amazonas sobre as atividades do grupo.

Tombo na Faria Lima

Créditos de carbono emitidos por empresas de Ricardo Stoppe Junior foram comprados por multinacionais e players importantes da Faria Lima. No caso do mercado financeiro, o fundo AZ Quest Luna, gerido pela AZ Quest e administrado pela XP Investimentos, era investidor de 5,7% do Caetê Fiagro, administrado pela Vortx, que, por sua vez, havia feito aportes em ativos lastreados na Stoppe Ltda., que pertence ao empresário preso. Na semana da operação, perdeu mais de 10% em valor de mercado.

Já entre multinacionais, nomes como Gol, Boeing e Nestlé compraram créditos de carbono lastreados em projetos de Stoppe Junior. Segundo apurou o Metrópoles, assim como no mercado financeiro, empresas como essas também não fazem negócios diretamente com o empresário, e compraram créditos por meio da contratação de intermediárias.

Por meio de nota, a Boeing afirma que “está monitorando a situação” e que “adquire compensações de carbono por meio de uma agência reconhecida globalmente para acessar projetos registrados em três órgãos de padronização amplamente reconhecidos”. As demais empresas não se manifestaram ou não foram localizadas.

A XP e a AZ Quest não se manifestaram. Em comunicado ao mercado, elas afirmaram que “estão acompanhando o desenrolar dos acontecimentos e estudando as medidas cabíveis a serem adotadas para resguardar os interesses do Fundo e de seus cotistas”. “Novas informações serão divulgadas ao mercado e aos cotistas do
Fundo tão logo estejam disponíveis”, afirmaram. Procurada, a Vortx não se manifestou.

A defesa do empresário Ricardo Stoppe Junior também não foi localizada pela reportagem. O espaço seque aberto para manifestação.

*Com informações Metrópoles

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