A ascensão da China como potência econômica mundial é um dos fenômenos mais impressionantes da história recente. O principal motor por trás desse crescimento foi, paradoxalmente, os Estados Unidos. As decisões econômicas e estratégicas tomadas pelas lideranças americanas nas décadas de 1980 e 1990 abriram caminho para que a China se transformasse no gigante industrial e tecnológico que conhecemos hoje.
Vale destacar que o presidente americano Richard Nixon visitou a China em 1972, numa viagem de sete dias que marcou uma abertura estratégica e diplomática, além de simbolizar a retomada de relações mais harmoniosas entre os Estados Unidos e a China continental após anos de isolamento.
Durante as décadas de 1980 e 1990, os Estados Unidos passaram por uma profunda transformação econômica. O país, que havia sido a maior potência industrial do mundo, começou a mudar seu foco para o setor de serviços e para a economia financeira. Com a globalização em expansão e o neoliberalismo ganhando força, muitas empresas americanas perceberam que era mais lucrativo produzir fora do país, onde os custos eram menores.
Esse processo resultou em uma intensa desindustrialização dos Estados Unidos. Grandes centros industriais, como Detroit e Pittsburgh, que antes vibravam com o som das fábricas, começaram a definhar. O fechamento das indústrias levou a um aumento do desemprego em massa em diversas regiões e contribuiu para a formação do chamado “Cinturão da Ferrugem”, um retrato sombrio do declínio industrial americano.
As empresas americanas buscavam desesperadamente locais onde pudessem cortar custos e aumentar seus lucros. Nesse contexto, a China apareceu como a opção ideal. O país oferecia uma combinação irresistível: uma mão de obra extremamente barata, uma população imensa e, cada vez mais, um governo disposto a abrir suas portas ao capital estrangeiro.
Entretanto, o sucesso da China não pode ser atribuído apenas à fuga das indústrias americanas. O governo chinês, sob a liderança de Deng Xiaoping (líder político entre 1978 e 1992) desempenhou um papel crucial na transformação do país. Após a morte de Mao Tsé-Tung em 1976, Deng implementou reformas econômicas radicais, abandonando o modelo de economia totalmente planificada e introduzindo elementos do capitalismo de mercado.
Deng Xiaoping lançou as famosas “Quatro Modernizações”, que focavam na agricultura, na indústria, na ciência e na tecnologia, e nas forças armadas. Além disso, criou as Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), como em Shenzhen, onde investimentos estrangeiros eram incentivados e as regras de mercado eram mais flexíveis. Isso permitiu que a China se tornasse um ímã para as multinacionais.
Com uma política externa pragmática e um controle interno rígido, a China conseguiu absorver a tecnologia, o capital e o know-how trazidos pelas empresas estrangeiras. Diferentemente de outros países em desenvolvimento, o governo chinês não permitiu que seu mercado fosse simplesmente explorado: exigiu transferência de tecnologia e formação de parcerias com empresas locais.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, o êxodo das fábricas causava uma crise social. Apesar disso, as grandes corporações americanas se beneficiavam enormemente com os lucros advindos da produção barata na China. A busca incessante por margens de lucro maiores, típica do modelo capitalista americano, ajudou a financiar o crescimento da infraestrutura chinesa e a formação de sua classe média emergente.
Com o passar das décadas, a China não ficou apenas na produção de produtos de baixo valor agregado. O país investiu maciçamente em educação, inovação e tecnologia. Hoje, lidera em áreas como inteligência artificial, energia renovável e manufatura de alta tecnologia. Esse salto qualitativo não teria sido possível sem o primeiro impulso proporcionado pelo capital e pela experiência das empresas americanas.
O paradoxo é evidente: ao buscarem maximizar seus lucros no curto prazo, as multinacionais americanas e as políticas econômicas dos Estados Unidos plantaram as sementes do seu maior concorrente geopolítico no século XXI. A China, por sua vez, soube como poucos aproveitar essa oportunidade para fortalecer sua posição no cenário global.
Nos últimos anos, assistimos a uma mudança de postura por parte dos Estados Unidos em relação à China. Tarifas, restrições comerciais e discursos inflamados tentam conter a ascensão do “dragão asiático”. No entanto, essas tentativas ignoram a gênese do poder econômico chinês: ele foi, em grande parte, construído com os próprios recursos, estratégias e decisões das empresas e políticos americanos.
A história da ascensão econômica chinesa é, portanto, uma lição de ironia geopolítica. Os Estados Unidos, ao priorizarem ganhos imediatos e negligenciarem a proteção de sua base industrial, acabaram fortalecendo um rival que hoje desafia sua liderança global em praticamente todas as frentes.
Dessa forma, podemos concluir que os Estados Unidos foram o principal responsável pelo progresso econômico da China. Não apenas criaram as condições materiais para o surgimento da nova potência, como também forneceram o combustível financeiro, tecnológico e estratégico que a impulsionou.
Em última análise, o “monstro” econômico que agora os Estados Unidos tentam abater foi criado por suas próprias mãos. A globalização desenfreada, o culto ao lucro fácil e a falta de visão estratégica permitiram que a China surgisse como uma força inabalável, moldando um novo equilíbrio de poder no mundo.
E talvez o mais curioso em toda essa história seja ouvir, ainda hoje, muitas pessoas chamarem o regime chinês de comunista. Na prática, o comunismo permanece apenas no nome do partido que governa o país. A China já adota, há décadas, práticas econômicas fortemente capitalistas, semelhantes às dos Estados Unidos. Atualmente, é o aprendiz dando as cartas ao professor! Talvez seja tarde demais para os Estados Unidos recuperarem o espaço que tinham e também o seu “quintal abandonado”.

(*) Farid Mendonça Júnior é economista, advogado e administrador
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