O fato de a China ter se tornado a maior produtora mundial de tambaqui deveria acender um sinal de alerta no Brasil. Não se trata apenas de um peixe amazônico que ganhou escala internacional, mas de uma decisão estratégica que o país vem adiando: continuar exportando ativos naturais e conhecimento biológico ou assumir, de vez, um papel industrial e tecnológico nas cadeias globais.
O tambaqui simboliza essa encruzilhada. Nativo da Amazônia e desenvolvido cientificamente no Brasil, ele saiu do país como genética e retornou ao mercado global como commodity produzida em escala industrial no exterior. Bem entendido, não perdemos o peixe. Perdemos o modelo.
Enquanto o Brasil permaneceu limitado por gargalos logísticos, baixa industrialização e fragmentação produtiva, a China avançou justamente sobre os elos mais lucrativos da cadeia: processamento, padronização, logística e exportação. É ali que está o valor — e é ali que seguimos ausentes, chupando o dedo.
A Amazônia, mais uma vez, paga o preço. Sem infraestrutura adequada — rodovias, energia, portos interiores e cadeias de frio — a piscicultura regional não consegue competir. A BR-319, permanentemente tratada como tabu político, simboliza esse impasse: sem integração territorial, não há escala econômica; sem escala, não há indústria.
Diante disso, a parceria com a China desperta desconfiança, mas não deveria ser descartada de antemão. O problema não é a China. O problema é a postura brasileira. Parcerias só geram desenvolvimento quando há estratégia, exigências e contrapartidas.
A China transfere tecnologia quando identifica interesse geopolítico e compromisso de longo prazo. Se o Brasil souber negociar, pode acessar tecnologias de aquicultura intensiva, automação de viveiros, processamento industrial de pescado e cadeias de frio. Pode também aprender com modelos de integração produtiva entre pequenos produtores, cooperativas e indústrias âncoras.
Nada disso, porém, ocorrerá espontaneamente. Sem joint ventures instaladas no Brasil, centros de pesquisa na Amazônia e exigência de produção local, a relação se limita ao comércio tradicional — o velho modelo primário-exportador.
O mesmo vale para a infraestrutura. Portos fluviais modernos, frigoríficos industriais, sistemas logísticos integrados e energia para polos produtivos não são inimigos do meio ambiente. Quando planejados, organizam o território e reduzem a pressão predatória. Infraestrutura não é o problema; a ausência dela é.
No caso do tambaqui, a oportunidade é óbvia: transformá-lo em base de uma bioindústria amazônica, com filés premium, produtos processados, proteínas concentradas e subprodutos de alto valor. A China domina essas cadeias. O Brasil domina o ativo biológico. Falta unir as duas coisas no território nacional.
O debate sobre terras raras na Amazônia segue a mesma lógica. O país pode repetir o erro histórico de exportar minério bruto ou exigir transferência tecnológica, beneficiamento local e inserção nas cadeias globais de alta tecnologia. O risco ambiental existe, mas o risco de permanecer irrelevante industrialmente também.
O caso do tambaqui deixa uma lição: biodiversidade, sozinha, não gera desenvolvimento. Sem estratégia, infraestrutura e política industrial, ela apenas sustenta economias alheias.
A parceria com a China pode ser um salto civilizacional para a Amazônia ou apenas mais um capítulo da velha história extrativista brasileira. Essa escolha não será feita em Pequim, mas em Brasília, em Manaus e na capacidade do Brasil de planejar o próprio futuro.

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