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Sobrevivência

Classe do subemprego relata dificuldades para superar a insegurança alimentar

Trabalhadores têm dificuldades de conseguir renda mensal e garantir o alimento à mesa. No Brasil, cerca de 9 milhões estão desempregados

Foto: Maiara Ribeiro

Manaus (AM) – A fome, ou como dizem os especialistas, a insegurança alimentar, tem sido uma adversária para milhões de brasileiros. De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, publicado em junho, cerca de 33 milhões de pessoas vivem com fome no país. Uma das principais classes afetadas pela falta diária de alimentos são os trabalhadores que fazem parte do contexto de subemprego.

Para entender o problema mais de perto, o Em Tempo foi ouvir trabalhadores que vivem na situação do subemprego, e que relataram dificuldades para conseguir a renda mensal e garantir o alimento na mesa. A situação é ainda pior quando estas pessoas são as responsáveis pelo sustento de filhos pequenos.

Desemprego aumentou o subemprego

Muitos brasileiros se viram obrigados a trabalhar como autônomos devido à pandemia da Covid-19. O cenário não é novidade, tendo em vista que a cada ano que passa as empresas tornam-se mais exigentes quanto à qualificação profissional, deixando milhões de pessoas sem a oportunidade de trabalhar com carteira assinada. A opção mais viável a esse grupo é o trabalho autônomo.

Em Manaus, é comum vermos pessoas vendendo algo, pedindo ajuda financeira ou mesmo pedindo alimentos nos sinais de trânsito da capital. A sobrevivência delas vem da renda que conseguem arrecadar diariamente pelas ruas da cidade.

Rivelino Guedes colocou sua banca com acessórios de celular em uma calçada na rua Ramos Ferreira, no Centro de Manaus. Foto: Maiara Ribeiro

Rivelino Guedes, de 52 anos, ficou desempregado há quatro meses e precisou ir para os sinais de trânsito vender acessórios de aparelho celular. Ele relata que o trabalho nem sempre garante a renda do dia. Todos os dias, Rivelino se desloca do bairro Jorge Teixeira, Zona Leste de Manaus, com destino ao Centro da cidade a partir das 5h da manhã, tentando vender seus produtos e garantir o sustento da família.

“Faz quatro meses que eu vim para cá (no Centro da cidade). Minha esposa faz tratamento na Fundação Cecon (FCecon) e foi muito difícil cuidar dela nos primeiros dois anos, pois tive que trabalhar na esquina de casa, no Jorge Teixeira, e como lá não tinha movimento bom, tive que vir para o Centro. Tem dias que a venda é razoável e tem dias que não vendo nada, mas é assim mesmo”,

relata o vendedor.

Para garantir o sustento da família, Rivelino vende os produtos a preço baixo em comparação com lojas de shoppings. Foto: Maiara Ribeiro

Mesmo em situações difíceis, brasileiros conseguem driblar as dificuldades. Contudo, a instabilidade financeira ainda é um fator que desencadeia na falta de alimentos na mesa destes. Rivelino faz parte do grupo de 9 milhões de pessoas que estão desempregadas, segundo divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em julho de 2022.

Mário Jorge da Silva, de 54 anos, também trabalha como autônomo no Centro de Manaus. Ele mora em Iranduba e todos os dias vem para Manaus para trabalhar vendendo pequenas utilidades na rua Ferreira Pena, Zona Sul da capital.

O autônomo Mário Jorge vende produtos variados visando obter uma renda mensal estabilizada. Foto: Maiara Ribeiro

As vendas começaram com pano de prato e, conforme o tempo foi passando, novos produtos foram inseridos como estratégia para alcançar todas as necessidades dos condutores e pedestres que passam pela rua. Dessa forma, o vendedor relata que, para se trabalhar nos sinais de trânsito, o indivíduo tem que ser persistente e paciente, pois é um trabalhado árduo, onde as pessoas tem preconceito e o dinheiro não é uma certeza.

“Para ser vendedor aqui, tem que ter diálogo, porque não é só oferecer um produto. Tem que convencer o motorista a comprar. Estou aqui porque sobrevivi [às dificuldades]. Agora, como a Copa do Mundo está chegando, estou vendendo essas bandeirinhas do Brasil. Água também é algo que consigo vender todos os dias, mas é assim, um pouco de cada coisa”,

conta.

O vendedor informa ainda que nem todas as pessoas que passam pelas ruas adquirem algum produto pelo fato de sentirem medo de assaltos. Aliado ao preconceito, o crime é uma das motivações para a diminuição de vendas.

“Tem gente que para aqui e quando a gente vai se aproximando eles fecham o vidro do carro com medo de assalto. Sofri um pouco por conta disso. Mas graças a Deus que hoje eu já tenho clientes que me conhecem e sempre passam por aqui”,

lembra Mário Jorge.

Preconceito e discriminação

Foto: Wikimedia Commons

De acordo com um estudo da Rede Penssan sobre a insegurança alimentar, o número de pessoas com fome no Brasil aumentou 7,2% desde 2020, e 60% desde 2018. Os dados incluem aqueles que estão passando pela fome e aqueles que estão pensando no que terão para comer no dia seguinte.

O goiano Erick Andrade*, de 32 anos, vive em situação de rua na capital amazonense desde outubro de 2021. Ele vive das vendas de sucata que encontra pelas lixeiras do conjunto Vieiralves, no bairro Nossa Senhora das Graças, Zona Centro-Sul.

Erick veio para Manaus com a promessa de trabalhar em um garimpo na cidade de Japurá, interior do Amazonas (distante a 787 quilômetros de Manaus), porém, chegando à capital, perdeu o contato com as pessoas que o chamaram para o trabalho. Desde então, Erick vive pelas ruas. Sem dinheiro, ele se alimenta de restos de comida que encontra no lixo ou que consegue comprar quando vende alguma sucata, entre ferragens e latinhas de refrigerantes.

“Quando eu cheguei aqui acabei perdendo o contato com meu amigo que me chamou. Ele simplesmente sumiu. Eu não peço nada nas ruas porque as pessoas têm preconceito, acham que eu sou bandido. Prefiro pegar latinha, papelão e vender para a reciclagem. Assim eu consigo comprar uma comida para mim”,

relata.

Além dessas dificuldades, o homem de 32 anos confessa que sofre com vícios de cigarro, bebida alcóolica e outras drogas ilícitas. De acordo com ele, a sua família sabe de todo esse histórico e está arrecadando dinheiro para que ele possa voltar para Goiás em segurança.

“Quando eu estava em Goiás, eu tinha um certo controle. Mas quando eu cheguei aqui, fiquei sem dinheiro, sem ter para onde ir. Aí bateu a depressão e eu me entreguei de vez. Agora vivo assim até minha família conseguir me buscar. [Enquanto isso], já que ninguém me conhece, eu vou revirar o lixo, pegar o que eu puder para comer e matar a fome”,

confessa Erick.

Segundo Andrade, por causa do preconceito e pelo medo, algumas pessoas o viram mexendo em lixeiras e chegaram a chamar a polícia para o prender. Segundo ele, além da fome, o tratamento recebido por outras pessoas é ainda mais cruel: “Pior que um animal”.

*Nome fictício em preservação à identidade do personagem

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