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Pastores e ovelhas

Políticos utilizam igrejas como palanque eleitoral no Amazonas

Alianças são firmadas com líderes religiosos para compor apoios para determinados candidatos

Lilian Portela

Manaus (AM) — Não é à toa que políticos e pré-candidatos já começaram a trilhar o caminho dos templos que têm rebanhos mais volumosos. Analistas políticos ouvidos pelo Em Tempo apontam que os políticos já perceberam que o “poder” está nas igrejas evangélicas, inclusive no processo eleitoral. Nas eleições municipais deste ano não será diferente. Alianças já vêm sendo firmadas com líderes religiosos com objetivo de compor apoios para determinados candidatos. 

“Denominações de várias igrejas evangélicas se movimentam para eleger os seus candidatos para o Legislativo e promovem acordos políticos com candidaturas majoritárias”,

afirmou o cientista político Carlos Santiago.

Quanto a angariar os votos dos fiéis, a opinião entre os analistas é unânime: a fé remove montanhas, inclusive montanhas de votos.

“Eu diria que a crença das pessoas sempre foi um grande cabo eleitoral, desde muito tempo. Mas, de um tempo para cá, vemos que tem até uma bancada evangélica. Manaus não está fora dessa realidade, que é nacional e é evidente que nas eleições deste ano, de outubro, estará presente também”,

disse o cientista político Helson Ribeiro. 

O sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Luiz Antônio Nascimento acredita que a igreja até poderia auxiliar no processo eleitoral, no sentido de pensar no desenvolvimento da cidade e votar conscientemente. Na opinião dele, o perigo ocorre quando a imposição ultrapassa a liberdade de escolha do fiel.

“A igreja católica, em todo período eleitoral, costuma abrir debates, discutir sobre a importância do voto ético, denunciar a corrupção nos processos eleitorais, ou seja, orientar os fiéis nas escolhas. Agora nortear, noticiar, indicar e determinar que os fiéis devam votar somente num candidato. Isso é eticamente reprovável, repugnante, porque a igreja tira das pessoas uma conquista da sociedade que é o voto democrático”,

ressaltou. 

Mas, nem todo o rebanho segue a liderança do pastor. Nascida em berço evangélico, a psicóloga Karina Salazar, 44, disse que nunca votou por orientação de algum líder ou pastor de sua igreja e que, pelo menos no seu círculo de relacionamentos na igreja, religião e política não se misturam. 

“Por Lei, o voto é secreto, e não é dado a ninguém o poder de sugestionar candidatos, pois é prática ilegal. Eu exerço minha autonomia política, independente dos candidatos apoiados pela igreja que frequento”, relatou. 

A professora Alice Benevides, 42, também, disse que nunca foi manipulada, mesmo estando dentro da igreja, para votar em determinado candidato. “Eu gosto de pesquisar e estudar sobre meu candidato e ser responsável pelo meu voto”, disse. 

O analista político Carlos Santiago ressaltou o papel dos órgãos de fiscalização do processo eleitoral para a garantia de eleições livre, democráticas.

“O voto é livre, deve ser exercido sem pressão. Por isso, cabe ao Ministério Público Eleitoral e a Justiça eleitoral fiscalizar essas movimentações dentro das instituições religiosas em torno do processo eleitoral deste ano. O Estado não pode ser confundido com a igreja. É preciso buscar o bem comum de todos”.

Representatividade

Os fieis já têm força política para decidir por determinados candidatos. Conforme dados do Censo 2022 divulgados, neste ano, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Amazonas tem mais estabelecimentos religiosos do que o total somado de instituições de ensino e unidades de saúde. São mais de 19 mil templos em todo o Estado. Em Manaus, são 7.865 igrejas e templos, enquanto o número de escolas é 1.743, e hospitais e Unidade Básica de Saúde (UBS) somam 1.056.

As duas maiores igrejas evangélicas da cidade mantém representação na Câmara Municipal de Manaus (CMM). Dentre os parlamentares que exercem cargos eclesiásticos, estão os dois vereadores mais votados na cidade: João Carlos (Republicanos) e Joelson Silva (Sem Partido).

João foi o vereador mais votado da cidade em 2020, eleito com 13.880 votos, é pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), com mais de 23 anos na obra. Chegou a Manaus em 2014 e, mesmo assim, alcançou o feito e atualmente está no comando da Frente Parlamentar em Defesa da Família e dos Valores Cristãos da Câmara (Fepacri).

Joelson, que já foi presidente da CMM, foi o segundo vereador mais votado na última eleição. O pastor da Igreja Evangélica Assembleia de Deus no Amazonas (Ieadam) está em no terceiro mandato como vereador; em 2015 assumiu como suplente pelo partido Humanista da Solidariedade (PHS), na cadeira deixada pelo ex-vereador Sildomar Abtbol (Pros). Em 2016, foi eleito pelo PSDB com 7.959 votos, assumindo a presidência da Casa em 2019 e 2020. O pastor foi reeleito em 2020 com 12.493 votos pelo Patriota. 

“O número de eleitores é bastante importante das igrejas, em especial as neopentecostais que estão tutelando os ‘rebanhos’. E a depender dos processos eleitorais, podem contribuir de forma decisiva, não é sozinho que vão decidir, mas se eles carreiam 10, 12, 15% dos votos numa única candidatura”, disse o sociólogo Luiz Antônio Nascimento. 

Tal poder de influência, na opinião do sociólogo, pode falsear o resultado eleitoral e deve ser enfrentado pelas instituições do Estado. “Quando as igrejas manipulam os seus fiéis para votar nesse ou naquele candidato, nessa ou naquela candidatura, essas igrejas estão atentando contra a democracia. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) deveria atuar imediatamente e não esperar o resultado. Porque o processo de manipulação dos eleitores está em curso”, ressaltou.

Caminho certo

Como as igrejas exercem influência significativa sobre os membros, tornam-se alvos estratégicos para os políticos em busca de apoio e votos. A presença nesses locais oferece uma plataforma privilegiada para os candidatos poderem expor suas propostas e tentar conquistar a simpatia dos fiéis.

Sabe-se haver uma divisão do apoio das igrejas para os candidatos à prefeitura de Manaus atualmente. Ainda não está muito claro, mas os novos “visitantes” já foram vistos participando de alguns cultos nos últimos dias. O Capitão Alberto Neto (PL), por exemplo, fez postagem em suas redes sociais recebendo orações no Ministério Internacional da Restauração (MIR) e o deputado estadual Roberto Cidade (UNIAO –BR), participou de culto na Assembleia de Deus. 

“Essas alianças existem sim. Vamos aguardar as convenções para ver com mais clareza quem apoia quem e de que forma. Mas existem algumas igrejas que não dão púlpitos para os candidatos nem e saem em defesa do voto unificado”,

ressaltou o cientista político Helson Ribeiro.

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