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A voz da mulher no bumbá Garantido

Debate sobre tradição e espaço da mulher no item 2 do Garantido ganha força

Festival de Parintins acontece no último fim de semana do mês de junho
Festival de Parintins acontece no último fim de semana do mês de junho. Foto: Divulgação/Secom

Por que não Márcia Siqueira? A pergunta, agora, soa desnecessária, mas vale a pena o debate. Mais um Festival de Parintins se aproxima e o item 2 do Garantido se viu esta semana no olho do furacão. Um drama anunciado ou quase uma tradição involuntária.

David Assayag, nome mítico do boi, deslizou ao cantar um sucesso do rival Caprichoso. O Carnaval trouxe novos rumores com Sebastião Júnior. Resultado: o cargo de levantador de toadas ficou à deriva. E eis que surgiu uma possibilidade óbvia, mas ainda assim questionada: uma mulher. Márcia Siqueira. Por que não?

A resposta está nas entrelinhas do costume. Um costume tão enraizado que parece lei natural: levantar toadas é tarefa masculina. Assim como no samba carioca e paulistano, onde puxadoras de samba são figuras raríssimas, o Garantido mantém a tradição de homens no microfone principal. Porque, dizem, é preciso uma voz potente, uma presença de palco robusta, uma energia de comando. Como se Márcia não tivesse tudo isso de sobra.

A resistência ao novo

O que impediria Márcia Siqueira de assumir o protagonismo? Não falta talento, não falta experiência, não falta conexão com a galera vermelha e branca. Falta o quê, então? Talvez coragem. A coragem de romper uma cultura que teima em reservar espaços masculinos, como se fossem territórios exclusivos, onde mulheres só podem entrar como coadjuvantes.

Há quem diga que a toada exige um tipo específico de voz, que a multidão precisa de um timbre masculino para se inflamar. Mas será mesmo? Ou será apenas um receio inconsciente, um medo do que pode acontecer se essa barreira for derrubada? O Garantido já canta a força da mulher, já exalta sua garra, sua liderança. Mas cantar é fácil. Difícil é transformar discurso em prática.

Hora da mudança

O Festival de Parintins é um espetáculo de cultura, mas também um reflexo da sociedade. E a sociedade já entendeu que mulher pode ser o que quiser. Pode comandar, pode liderar, pode ser a voz principal.

O Garantido, que na quinta-feira passada perdoou David Assayag, teve em mãos a chance de fazer história e dar um passo que poderia ir além da arena do bumbódromo. Poderia provar que tradição e evolução podem caminhar juntas, e que o protagonismo feminino não é uma concessão, mas um direito.

De qualquer maneira, o fato é que o boi da Baixa do São José abriu uma boa porteira, permitindo a possibilidade de Márcia Siqueira tomar o microfone e fazer ecoar sua voz pelo Amazonas inteiro. Porque, no fim das contas, o que importa não é o gênero de quem canta, mas a emoção que a toada carrega. E emoção, Márcia tem de sobra.

Que a galera do Garantido continue o debate, que a cultura popular continue evoluindo. E que um dia, talvez em breve, a pergunta “por que não uma mulher?” seja apenas uma lembrança do tempo em que a resposta ainda não era óbvia.

A voz de Márcia Siqueira, com sua força, sua garra e seu talento, tem o sagrado direito de ecoar mais alto que qualquer toada de homem.

Eu, que sou Caprichoso desde criancinha, aplaudo o Contrário e louvo Márcia Siqueira. Abaixo o machismo. Viva a Cultura amazônica!

Juscelino Taketomi¹.

¹Articulista do Portal Em Tempo, Juscelino Taketomi, é Jornalista. Há 28 anos é servidor da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam)

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