A indigesta ofensiva tarifária de Donald Trump contra produtos brasileiros — com impostos de até 50% sobre importações — acendeu o sinal vermelho no agronegócio e na indústria nacional. Embora a medida atinja diretamente commodities como aço, carne e grãos, seria um erro subestimar o risco indireto que essa escalada protecionista representa para a Zona Franca de Manaus.
O próprio superintendente da Suframa, Bosco Saraiva, falando à imprensa, reconheceu que a taxação não atinge diretamente o modelo da ZFM, cujo foco é o mercado interno brasileiro. De fato, mais de 95% da produção do Polo Industrial de Manaus (PIM) é destinada ao consumo nacional, e as exportações para os Estados Unidos representam uma fração ínfima das vendas locais. Contudo, o impacto indireto é inegável — e perigoso, pelas seguintes razões.
Em primeiro lugar, o tarifaço agrava as tensões no comércio internacional, eleva o dólar e encarece insumos importados — justamente a base da produção da ZFM, que depende fortemente de peças, componentes e matérias-primas vindos do exterior. Ou seja, sem exportar um único parafuso, o polo de Manaus já sofre com o aumento de custos e com as dificuldades logísticas globais que tarifas assim costumam provocar.
Além disso, a taxação norte-americana compromete o agronegócio e a mineração, duas áreas centrais para a entrada de dólares no Brasil. Com menos divisas e um ambiente de negócios mais restrito, o país inteiro perde fôlego econômico, o que afeta diretamente o consumo interno — e, por consequência, as indústrias da ZFM, que dependem do poder de compra dos brasileiros.
Mas há um outro efeito, ainda mais sutil e danoso: a intimidação aos investimentos estrangeiros no Amazonas.
Nenhum investidor se sente confortável em aportar recursos em um ambiente de insegurança comercial global, especialmente em polos industriais que já enfrentam desafios internos, como pressões fiscais e debates políticos sobre seus incentivos. Um tarifaço como esse gera desconfiança e reduz o apetite por novos projetos, afetando diretamente a capacidade de atração de empresas internacionais para Manaus. O efeito pode não ser imediato, mas mina silenciosamente as bases de expansão da Zona Franca.
Por fim, há o risco político interno: medidas protecionistas globais quase sempre reacendem o debate sobre o custo e a eficiência dos incentivos fiscais no Brasil. A Zona Franca, que há décadas é alvo de setores interessados em seu esvaziamento, pode voltar ao centro das disputas ideológicas, justamente num momento em que precisaria de estabilidade.
Portanto, embora o tarifaço não tenha como alvo direto a Zona Franca, seus efeitos indiretos são graves. Eles atingem as veias invisíveis que alimentam a produção local: câmbio, insumos, consumo e investimento. Neste jogo bruto da geopolítica comercial, Manaus pode até não estar no alvo, mas está claramente na linha de tiro.

¹Articulista do Portal Em Tempo, Juscelino Taketomi, é Jornalista. Há 28 anos é servidor da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam)
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