As relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos historicamente se caracterizam por um elevado grau de complementaridade, relevância estratégica e intensidade econômica bilateral. Os EUA são o terceiro maior parceiro comercial do Brasil (já foram o primeiro) e destino de aproximadamente 12% das exportações brasileiras e origem de 16% das nossas importações. Em 2024, essas exportações somaram US$ 40,3 bilhões, sendo que mais de 70% partiram da região Sudeste. No intervalo de 2015 a 2024, os Estados Unidos registraram superávit expressivo nas trocas com o Brasil, totalizando US$ 43 bilhões em bens e US$ 165 bilhões em serviços, evidenciando a assimetria estrutural nas relações bilaterais.

Em 2024, os seis estados brasileiros com maior volume de exportações para os Estados Unidos foram, pela ordem: São Paulo, com US$ 13,5 bilhões (33,6% do total); Rio de Janeiro, com US$ 7,2 bilhões (17,9%); Minas Gerais, com US$ 4,6 bilhões (11,4%); Espírito Santo, com US$ 3,1 bilhões (7,6%); Rio Grande do Sul, com US$ 1,8 bilhão (4,5%); e Santa Catarina, com US$ 1,7 bilhão (4,3%).

No dia 09 de julho de 2025, o presidente Donald Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil. A medida, justificada sob a Seção 301 da legislação comercial americana, alegadamente responde a supostas práticas comerciais desleais. No entanto, analistas e entidades industriais apontam motivações geopolíticas e eleitorais, numa estratégia que se descola da racionalidade econômica. Mas vamos focar aqui nos impactos econômicos e comerciais.

Os efeitos dessa medida para o Brasil são significativos. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o tarifaço pode reduzir em 0,16% o PIB nacional, provocar uma queda de R$ 52 bilhões nas exportações e extinguir 110 mil empregos. Setores como o de aeronaves, carnes e siderurgia estão entre os mais prejudicados.

O impacto varia entre os estados. São Paulo é o maior exportador para os EUA (US$ 13,5 bilhões), respondendo por um terço das exportações brasileiras ao país norte-americano. O estado deve sofrer perdas na aviação (Embraer), no suco de frutas e em equipamentos de engenharia. O Rio de Janeiro, que exporta principalmente petróleo bruto e aço, também será afetado.

Minas Gerais, com forte exportação de café e aço, projeta um impacto severo, conforme alertou a Fiemg. Já o Espírito Santo pode perder vendas de produtos siderúrgicos, celulose e cimento. No Sul, o Rio Grande do Sul e Santa Catarina sofrerão com a taxação de carnes e calçados, setores em que os EUA são compradores relevantes.

O estado mais vulnerável proporcionalmente é o Ceará, que destina 44,9% de suas exportações aos EUA. Outros estados com alta dependência incluem Espírito Santo (28,6%), Paraíba (21,6%) e São Paulo (19%). Isso mostra como o impacto da medida é desigual regionalmente, com forte potencial de retração econômica e perda de empregos.

Os produtos mais atingidos incluem café (US$ 2 bilhões em exportações em 2024), carnes bovinas (US$ 1,4 bilhão em exportações em 2024), calçados (foram US$ 111,8 milhões exportados no primeiro semestre de 2025), suco de laranja e aeronaves. A Embraer, por exemplo, tem 60% de suas vendas de jatos executivos para os EUA. Já o setor de suco de laranja poderá ficar inviável, dada a elevação tributária de 533%, segundo a CitrusBR.

A tarifa de 50% impacta também a indústria brasileira de aço e alumínio, que já sofria com sobretaxas anteriores. Usiminas, Gerdau e CSN são empresas diretamente afetadas, enfrentando riscos de inviabilidade de exportação caso as tarifas se tornem cumulativas.

Em relação ao Estado do Amazonas, as exportações para os Estados Unidos não possuem tanta relevância significativa no conjunto do comércio exterior do estado, representando apenas 10,3% do total das exportações em 2024 (US$ 99,8 milhões) e recuando para 8,7% até junho de 2025. Esse percentual demonstra que o intercâmbio comercial com os EUA não é determinante para a dinâmica econômica estadual. Por essa razão, o tarifaço imposto pelo governo americano tende a ter impacto direto limitado sobre o Amazonas, especialmente sobre a Zona Franca de Manaus, cuja produção é majoritariamente voltada ao consumo interno brasileiro.

Vale ressaltar que os Estados Unidos também pagarão um preço alto. Segundo a CNI, o impacto no PIB americano pode chegar a -0,37%, mais que o dobro do impacto sobre o Brasil, considerando a imposição de tarifas dos EUA ao Brasil, à China e a outros 14 países. O comércio global pode encolher 2,1%, afetando a economia internacional como um todo. O consumidor americano sentirá a alta nos preços de carne, café e suco de laranja. Os EUA importam cerca de 30% de seu café e mais da metade do suco de laranja do Brasil. Com tarifas de 50%, esses produtos terão forte elevação de preços, pressionando a inflação nos Estados Unidos.

Além disso, empresas americanas também serão prejudicadas. A Boeing e a Airbus não têm capacidade de substituir a Embraer no curto prazo, afetando companhias aéreas americanas regionais. No caso da carne, os EUA dependem de países como o Brasil, sobretudo com a redução do rebanho bovino americano, o menor desde a década de 1950.

Diante desse cenário, o Brasil precisa acelerar a diversificação de seus parceiros comerciais. Ampliar exportações para Europa, Ásia e países do Mercosul é vital para reduzir a dependência dos EUA. Produtos como petróleo, café, carnes e celulose possuem demanda global e podem ser redirecionados, com esforço diplomático e logístico. Em paralelo, acordos bilaterais e a reativação do multilateralismo devem ser buscados para garantir previsibilidade e estabilidade no comércio exterior.

Em síntese, o tarifaço de Trump representa um choque para o comércio Brasil-EUA, com prejuízos bilaterais. Embora os impactos variem por setor e região, a lição é clara: o Brasil precisa reduzir vulnerabilidades externas, ampliar sua presença global e fortalecer sua estratégia comercial com base em diversificação, inovação e diplomacia econômica proativa.

(*) Farid Mendonça Júnior é economista, advogado, administrador e Assessor Parlamentar no Senado Federal

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