A bancarização no Brasil sempre foi vendida como um instrumento de inclusão financeira, democratização do crédito e modernização da economia. Sob essa narrativa, expandem-se agências bancárias, fintechs, produtos financeiros, e cresce a penetração de serviços bancários entre segmentos historicamente excluídos. Em tese, trata-se de avanço civilizatório, mas a experiência recente com o Banco Master revela que a simples expansão da bancarização, sem regulação e supervisão robustas, pode se tornar terreno fértil para fraudes sistêmicas, lavagem de dinheiro e conluio com o crime organizado.
O escândalo do Banco Master, escancarado com a deflagração da Operação Compliance Zero, mostra em que medida uma instituição aparentemente normal, inserida no sistema bancário, pode ocultar uma estrutura criminosa sofisticada. A PF investiga a emissão de títulos de crédito falsos e a venda de “carteiras de crédito” inexistentes — um rombo estimado em pelo menos R$ 12 bilhões. A prisão preventiva do controlador, Daniel Vorcaro, interrompeu a suposta tentativa de fuga e evidenciou o caráter grave e organizado do esquema.
A decisão do BC de decretar a liquidação extrajudicial do Master confirma que o banco estava insustentável, não por um choque externo, mas por fraudes internas profundas e risco sistêmico ao sistema financeiro. Essa liquidação, no contexto de expansão dos meios eletrônicos de pagamento, digitalização e “desmaterialização” do dinheiro, chama atenção para um paradoxo: quanto mais sofisticado o sistema financeiro se torna, maior o risco de opacidade, distorções contábeis e falhas de governança.
Em sistemas bancários amplos e complexos, o controle do dinheiro, ou seja, quem decide o que vale como “ativo”, o que pode ser contabilizado como “crédito”, o que pode ser vendido ou securitizado, torna-se uma questão política e institucional, não meramente técnica. No caso Master, o abuso deste controle gerou ativos fictícios vendidos como reais, transformando crédito podre em valores aparentemente legítimos. Isso destaca o perigo de que a bancarização sirva de fachada para sofisticadas pirâmides financeiras ou “bancos-fantasma”.
Além disso, o escândalo lança luz sobre as chamadas “assimetria informacional” e “risco moral” inerentes ao sistema bancário brasileiro. Muitos investidores, pessoas físicas, fundos, empresas, foram atraídos por rendimentos acima da média, sem ter plena dimensão da estrutura de risco por trás dos instrumentos financeiros oferecidos. Essa seletividade por investidores dispostos a aceitar “alto retorno” com baixa transparência criou o ambiente ideal para o esquema prosperar.
A falha regulatória é outro elemento central dessa tragédia. A investigação aponta que o esquema sobreviveu por anos não por casualidade, mas por concessões regulatórias, por omissões de auditores, reguladores, contrapartes, e por incentivos perversos: oferecer alto retorno, ignorar due diligence, maquiar balanços. O episódio revela que, sem um sistema de compliance efetivo, a bancarização pode se transformar em perigoso mecanismo de insegurança financeira.
Mais grave ainda: a estrutura usada pelo Master e seus comparsas se aproxima de um modelo clássico de “lavagem de dinheiro” e canalização de recursos ilícitos. A conversão de ativos fictícios em títulos negociáveis, a intermediação entre entidades e investidores, e a articulação com instituições públicas (como a compra dessas carteiras por outro banco) sugerem um conluio entre finanças privadas e estruturas instituídas, o terreno ideal para o crime organizado infiltrar capital.
Esse risco ganha ainda mais gravidade num Brasil marcado por desigualdades profundas, economias informais, cultura de governança fraca e fiscalizações sobrecarregadas. A bancarização, se não acompanhada de regulação, transparência e institucionalidade forte, pode representar uma modernização de fachada, com pouco ganho real para a população e alto risco sistêmico.
Para além das perdas financeiras e patrimoniais imediatas, o escândalo do Banco Master corrói a confiança no sistema bancário, fragiliza a autoridade reguladora e enfraquece a credibilidade das instituições financeiras. Isso gera consequências macroeconômicas: retração de investimentos, aversão ao risco, maior custo de crédito e precarização da intermediação financeira.
O caso impõe um desafio de ordem política e institucional: se o controle do dinheiro (o que vale como ativo, o que pode ser securitizado, quem pode emitir crédito) está concentrado em poucos atores com incentivos equivocados, a “modernização financeira” corre o risco de se tornar instrumento de dominação, captura de capital e reprodução de desigualdades. A bancarização deve ser pensada não como fim, mas como meio, e só será legítima se estiver ancorada em governança, transparência, compliance e regulação eficaz.
Neste sentido, o escândalo Banco Master deve servir como ponto de inflexão para repensar a bancarização no Brasil: não basta expandir o acesso a contas e crédito, é preciso construir um sistema financeiro com instituições sólidas, supervisionadas, responsáveis e alinhadas com o interesse público.

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