Apesar das acusações de genocídio, das dezenas de milhares de mortes e de uma crise humanitária sem precedentes, a guerra na Faixa de Gaza completa dois anos nesta terça-feira (7) com o cenário mais promissor para a implementação de uma trégua duradoura desde o início do conflito, em outubro de 2023.

Pressionados por Donald Trump e por países árabes e muçulmanos, representantes de Israel e do grupo Hamas iniciaram nesta segunda-feira (6), no Egito, uma nova rodada de negociações. Eles discutem os detalhes do plano de paz proposto pelos Estados Unidos, que prevê a libertação de reféns mantidos sob o controle do grupo e a retirada gradual das tropas israelenses do território palestino.

A guerra teve início em 7 de outubro de 2023, quando terroristas do Hamas invadiram o sul de Israel, mataram cerca de 1.200 pessoas e sequestraram mais de 250. Hoje, o governo israelense estima que 47 pessoas ainda estejam em poder do grupo, sendo 27 delas dadas como mortas.

Em resposta, a ofensiva militar de Israel devastou Gaza, gerando uma grave catástrofe humanitária. Segundo o Ministério da Saúde local, controlado pelo Hamas, mais de 67 mil palestinos morreram. A maioria da população sobrevive em abrigos improvisados, sem acesso a água potável, energia ou medicamentos.

Pressão internacional reacende esperança de paz

Após meses de impasse e sem perspectivas de cessar-fogo, diplomatas avaliam que o cansaço militar, o colapso das condições de vida e a pressão internacional crescente criaram um ambiente onde a paz se tornou uma possibilidade concreta.

“Sim, Israel está [diplomaticamente] mais isolado hoje”, afirma a coronel da reserva Pnina Baruch, ex-negociadora com palestinos e membro do Instituto de Estudos de Segurança Nacional da Universidade de Tel Aviv.
“Mas, se houver um acordo e a guerra terminar, isso pode mudar.”

Para Baruch, o isolamento diplomático de Israel decorre de uma campanha de deslegitimação, do discurso simplificado nas redes sociais e da má gestão política que falhou em explicar a complexidade do conflito.

“Há uma tendência de enxergar tudo em preto e branco, vítima e agressor, bons e maus.”

Extremismo interno agrava cenário para governo de Israel

Ao mesmo tempo, Pnina Baruch critica a retórica do atual governo de Binyamin Netanyahu, o mais à direita da história do país, chamando-a de “combativa e racista”.

“Temos ministros que falam em ‘apagar Gaza’ e ‘expulsar palestinos’. Isso dá munição a quem nos acusa de genocídio.”

Ela se refere aos ministros extremistas Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, que sustentam a coalizão de Netanyahu e se opõem ao fim da guerra. Ambos já afirmaram que aceitar o plano de Trump seria equivalente a “assinar uma rendição”.

Netanyahu tenta equilibrar a sobrevivência política entre a pressão de sua base radical e os protestos populares que exigem o fim dos ataques e um acordo pela libertação dos reféns.

Acusações de genocídio ganham força com relatório da ONU

As acusações de genocídio foram reforçadas após uma comissão de inquérito da ONU concluir que Israel cometeu crimes em Gaza. O governo israelense rejeitou o relatório, classificando-o como “falso e politizado”.

Para o professor Ralph Wilde, do University College London, o isolamento de Tel Aviv reflete a mudança na tolerância dos países ocidentais em relação ao que considera um “padrão persistente de ilegalidades”.

“O que vemos é uma reação tardia e parcial. Há uma preocupação crescente com o bloqueio de Gaza e com a violência dos colonos na Cisjordânia, mas ainda não se enfrenta o cerne do problema: a presença israelense nesses territórios é ilegal.”

Na última sexta-feira (3), o Hamas sinalizou aceitação parcial ao plano dos EUA. No mesmo dia, o gabinete de Netanyahu declarou que “Israel está preparado” para implementar a primeira fase do acordo.

Apesar disso, questões cruciais permanecem sem resposta — como a possibilidade de desarmamento do Hamas, uma exigência central de Israel.

Palestinos criticam plano e pedem descolonização

O biólogo e ativista palestino Mazin Qumsiyeh, da Universidade de Belém, expressa ceticismo sobre a proposta de Trump.

“Trump é um criminoso de guerra que quer transformar Gaza em um negócio imobiliário.”

Para ele, uma paz real só virá com uma “descolonização verdadeira”.

“Você não pode acabar com uma guerra enquanto um sistema racista permanece no poder.”

Qumsiyeh também rejeita a solução de dois Estados:

“Essa ideia é uma miragem. Não quero um Estado palestino fictício; quero que o mundo boicote Israel, como fez com o apartheid na África do Sul.”

(*) Com informações da Folha de S.Paulo

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