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Intersexo

Mãe luta para que filha seja reconhecida como menina em cartório no AM

Exame cariótipo mudou os rumos da vida da família por diagnosticar que o bebê possuía órgãos reprodutores femininos, sendo uma criança intersexo

Manaus (AM) – Imagine que você, pai ou mãe, sai do hospital com um recém-nascido do sexo masculino. Porém, os médicos recomendam que seu filho faça um exame cariótipo – exame genético que é capaz de diagnosticar a presença de alterações cromossômicas, tais como Síndrome de Down, Edwards e Turner. O resultado informa que o bebê é intersexo – condição onde se nasce com órgãos reprodutores, genitálias ou cromossomos diferenciados.

A partir do resultado do exame, surge a necessidade do neném realizar um ultrassom. O procedimento, entretanto, é negado pelo hospital, que argumenta que a criança foi registrada como sendo do sexo masculino. “Foi um constrangimento para nós, os pais”, disse a genitora, personagem da história em questão.

O registro do bebê como do sexo masculino aconteceu após os médicos informarem aos pais que a criança era um menino. Porém, dias depois, o exame cariótipo mudou os rumos da vida da família por diagnosticar que o bebê possuía órgãos reprodutores femininos, sendo uma criança intersexo.

Com essa confirmação, o hospital encaminhou a família para uma consulta com um endocrinologista da Policlínica Codajás, que pediu exames de ultrassom para a bebê. Porém, o procedimento não foi realizado, pois o sexo da criança, no sistema, constava como masculino.

Foi então que a advogada Dalimar Silva, especialista em família, sucessões e regularização de imóveis, começou a acompanhar o caso.

“O hospital requereu alguns exames, os pais foram tentar fazer pelo plano (de saúde), mas não foram autorizados, uma vez que os mesmos somente seriam autorizados a uma pessoa do sexo feminino. Como o registro foi feito como pessoa do sexo masculino, então não foi autorizado”,

disse a advogada da família.

Após o constrangimento, a família da criança foi novamente ao cartório para fazer a troca de nome e de sexo. Entretanto, a alteração poderia ser feita somente por meio de um processo judicial.

“Segundo os pais, houve uma falha, porque a criança nasceu no dia 13 de agosto de 2021 e somente em dezembro de 2021 é que houve a retificação dos documentos, que é a declaração de nascido vivo por parte da equipe do hospital”, conta a advogada Dalimar Silva.

Empecilhos

Por conta do nome e do sexo incorreto, a família não consegue comprar os medicamentos necessários para o tratamento da filha, que possui Hiperplasia Adrenal Congênita (HAC). Assim, não é possível fazer o cadastro no sistema do governo.

Outro problema decorrente do equívoco no registro do sexo é o impedimento que a família sofre para fazer os exames pelo plano de saúde. Segundo os pais, alguns exames são permitidos apenas para o sexo feminino.

A família também corre para que a filha faça a cirurgia de redefinição sexual, pois por falta de hormônios, a genital não se desenvolveu de forma definida. Segundo a mãe, a bebê está saudável e medicada conforme a orientação médica, mas precisará tomar os remédios para toda a vida, porque a HAC não tem cura.

Intersexualidade

No mundo, a quantidade de pessoas consideradas intersexo chega a aproximadamente 1%, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O termo é designado para aqueles que possuem características físicas diferentes do que o esperado para as noções de homem ou mulher.

Essas condições podem aparecer em bebês que nasceram com órgãos reprodutores, genitálias ou cromossomos diferenciados.

Pessoas intersexuais são uma pequena fração da população. Foto: Reprodução/Medium

Há casos de recém-nascidos com genitálias femininas, mas que possuíam órgãos reprodutores internos masculinos, ou outros com genitálias com pouca definição aos padrões de masculino e feminino. Além de pessoas com os cromossomos XY (masculino), mas que fisicamente tem a aparência feminina.

“O conceito intersexual refere-se a uma variedade de condições, genéticas e/ou somática, com que uma pessoa nasce, apresentando uma anatomia reprodutiva e sexual que não se ajusta às definições típicas do feminino ou do masculino, como aponta o livro “Gênero e Diversidade na Escola: formação de professoras/es em Gênero, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais”,

diz o professor e pesquisador LGBTQIA+, Paulo Trindade.

O idealizador do movimento Kanauã e mestrando em educação, Fran Martins, enfatiza que a intersexualidade não é uma orientação sexual ou uma identidade de gênero, mas sim está relacionada com o aspecto biológico.

“Não tem ligação da pessoa ser lésbica ou ser gay ou ser bissexual e também não tem ligação da pessoa ser uma pessoa transgênero, por exemplo. Então, inicialmente, a gente precisa entender que esse termo, intersexual, é puramente uma questão biológica”, explica Frans Martins, diretor do movimento artístico e político de pessoas LGBTQIA+.

Cirurgia

Para Frans Martins, um dos principais desafios que as crianças intersexo enfrentam são os problemas de identidade. Muitos bebês ou crianças que já passaram pela cirurgia de readequação sexual acabam crescendo sem se identificar com o sexo escolhido pelos médicos ou pelos pais.

“Muitos médicos no passado optavam por fazer operações em crianças, optando, geralmente, pelo sexo que estava mais aparente. Às vezes também tiravam as características que eram do outro sexo biológico. Então, quando essa pessoa passava pela fase da adolescência, ela acabava se sentindo confusa por não conseguir se identificar. Isso pode trazer problemas psicológicos futuros”, diz Frans Martins.

De acordo com o professor e pesquisador LGBTQIA+, existe, atualmente, no campo médico, um discurso predominante com uma abordagem da biologia que enfatiza a existência de corpos “verdadeiramente perfeitos”. Caso um bebê nasça com o corpo fora desse padrão, os médicos recomendam com urgência a correção do corpo intersexual.

“Esta ação visa prevenção e adota processos para impedir prejuízos na vitalidade da pessoa intersexual. Porém, com o tempo e com a rejeição à identidade de gênero, essas práticas normalizadoras causam danos”, diz o professor.

Segundo o pesquisador, existem relatos de muitas pessoas intersexo que fizeram a cirurgia quando criança e, com o decorrer dos anos, não conseguiram se adaptar com o sexo designado pelos pais e médicos. Com isso, surgiu uma conduta terapêutica que defende a realização da cirurgia no momento em que a pessoa intersexo possa participar da tomada de decisão.

“Atualmente, há um debate sobre a autodeterminação. Isto é, as cirurgias são realizadas caso as pessoas sofram uma gravidade da sua saúde ou até mesmo de sua vida. Porém, entende-se que somente as pessoas intersexo são responsáveis por determinar se querem ou não realizar cirurgia de redesignação sexual”, afirma o professor e pesquisador.

Edição: Leonardo Sena

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