(*) Especial Rebeca Vilhena
Nas periferias de Manaus, onde enchentes, calor extremo e falta de infraestrutura já fazem parte da vida cotidiana, as decisões tomadas na COP30 têm impactos diretos e urgentes. Realizada em novembro, em Belém (PA), a conferência colocou em pauta debates que atravessam profundamente esses territórios e evidenciou como justiça climática e justiça social são temas inseparáveis para quem vive às “margens” da cidade.
De acordo com a diretora de Sustentabilidade e Projetos Especiais do Ministério das Cidades, Alice Carvalho, durante o programa Estúdio COP30, transmitido pelo Canal Gov da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), “a vulnerabilidade climática e a vulnerabilidade social andam juntas”. Ela destaca que mais de 80% dos municípios brasileiros sofrem com os impactos das mudanças climáticas, enquanto 26,5 milhões de pessoas vivem em condições inadequadas, tanto do ponto de vista da moradia quanto da infraestrutura urbana.
“É importante reconhecer que o desastre não é só natural, mas resultado de um processo social. Pessoas sem infraestrutura, mulheres, negros que moram nas periferias estão mais suscetíveis aos impactos das mudanças climáticas”, afirmou a diretora.
Lideranças das periferias de Manaus marcam presença na COP30
Foi nesse cenário de urgência que as periferias de Manaus se fizeram presentes nesses importantes espaços de debate para se fazer ouvir. Kennedy Costa, Patrícia Patrocínio e Maurício Max representaram seus territórios e coletivos, mostrando que, mesmo em áreas periféricas, há organização e soluções concretas para enfrentar os impactos das mudanças climáticas.
Casa Verde e o fortalecimento comunitário

Cria do Jorge Teixeira, Kennedy Costa atua como gestor cultural do projeto Casa Verde, que atende crianças, adolescentes e mães adultas em busca de acesso à cidade, mobilidade e cidadania. O projeto, sustentado por frentes como o Clube de Mães, o Cine Kambo e o Ciclo Favela, já acolheu mais de 200 pessoas e se consolidou como ferramenta de organização popular por meio da arte, da educação e da cultura.
A partir das experiências territoriais e da ampliação de atuação promovida pelo Ciclo Favela, Kennedy incorporou ao seu trabalho o debate climático, organizando atividades como a COP dos Crias, realizada no âmbito do Ciclo Favela. Foi desse percurso que surgiu o convite para integrar a delegação do Perifa Connection na COP30.
“Estar na COP é simbólico e urgente, porque é um espaço que historicamente não foi feito para pessoas periféricas. Representar seu território nesse ambiente é poder falar de saneamento, de falta de infraestrutura, de transporte público, de violações de direitos e reafirmar que não há debate climático possível sem falar da fome, da educação e da segurança pública”, compartilhou Kennedy.
Ele enfatizou que, durante suas atividades, debateu pautas como insegurança alimentar, educação e segurança pública, porque, segundo ele, não é possível falar sobre mudanças climáticas sem falar da fome, que é o que as pessoas enfrentam no dia a dia.
“Eu pude compor algumas mesas de debate, painéis de discussões que falavam sobre justiça climática, então eu trouxe a pauta da justiça social, porque não dá para falar de clima e de meio ambiente sem dizer que as periferias vivem uma extremidade de acesso muito grande e que as violações de direitos ambientais e sociais são reais, existem, e são as periferias que sofrem na ponta essa pauta, essa demanda”, explicou.
Em sua fala, Kennedy destacou a expectativa de que a COP traga políticas públicas reais, editais, investimentos e articulações concretas, algo que, segundo ele, já começou a acontecer e tende a avançar. Reforçou também que não se deve esperar convites: é preciso chegar junto, avançar e dar o primeiro passo. Para Kennedy, “a juventude e a periferia são parte das soluções reais para os desafios climáticos, ambientais e sociais. As periferias já fazem esse trabalho no cotidiano; falta apenas potencializar essas ações”.

Perifa Amazônia leva o Beco do Macedo para o centro da COP

Ainda do Amazonas, outra importante ativista marcou presença e se fez ouvir. Patrícia Patrocínio é parintinense e mora em Manaus há dez anos. Ela é fundadora do coletivo Perifa Amazônia, que trabalha com hip hop e educação climática, territorializando o discurso técnico e trazendo o tema climático para a linguagem e o cotidiano das periferias.
Para ela, estar na COP carregando o Beco do Macedo — uma periferia estigmatizada e invisibilizada, situada perto de bairros ricos, mas tratada apenas como lugar de extração, perigo e criminalização — é profundamente significativo.
“Nos são negados espaços de cultura, espaços de lazer, enfim, várias questões, mesmo estando em um lugar que é central na cidade. Então, para mim, significa muito estar aqui hoje carregando tanto o Beco do Macedo quanto o Palmares, que é o bairro em que eu nasci, onde passei a minha adolescência, onde construí a minha identidade”, declarou Patrícia.
Ela ressaltou que a principal mensagem levada do território para espaços como a COP é a força da juventude marginalizada, “a juventude que está na rua, que aprendeu na rua o que é ser gente, que também precisa e sabe falar, ocupar e chegar nesses espaços de igual para igual”. Reforçou que essa é a pauta central que mobiliza sua atuação.
Ao refletir sobre o que espera levar de volta para a comunidade, destacou a importância de retornar com o entendimento sobre como esses espaços funcionam e o que significam, ressaltando que a COP sempre pareceu distante, mas que sua presença ali demonstra que esse caminho é possível e deve ser contínuo.
Ela também apontou as oportunidades desejadas para o território após a COP30, especialmente o aumento de financiamento para coletivos que trabalham com educação climática em Manaus e que desenvolvem soluções a partir das próprias comunidades. Para ela, fortalecer essas iniciativas é fundamental.
“A mensagem que eu deixaria para outras pessoas das periferias da Amazônia que também querem atuar nos seus territórios é que a gente continue olhando para eles, que a gente não perca o foco, que a gente pare de olhar para fora como um lugar que é parâmetro de sucesso. O nosso sucesso está no momento em que a gente olha para o nosso território e faz dele o motivo central da nossa atuação. E que a gente pense nele como um lugar de solução, de fortalecimento, de futuro, e pense também nas próximas pessoas que vão estar nele. Então, essa é a mensagem que eu quero deixar para a galera que atua nos seus territórios”, finalizou.

Periferia Respira e a integração entre território e natureza

Maurício Max é jornalista e morador da comunidade do Cafundó, na Zona Sul de Manaus. Ele desenvolve o projeto Periferia Respira, voltado para jornalismo comunitário e ações de impacto social, como eventos culturais, datas comemorativas e o Cine Perifa, que garante acesso à cultura para crianças em situação de vulnerabilidade. Além disso, atua há mais de sete anos como coordenador de redação na Rádio BandNews Difusora, onde insere pautas territoriais, periféricas e ambientais no noticiário.
De acordo com o comunicador, representar as periferias na COP30 é uma oportunidade de ampliar o conhecimento e promover a troca de experiências entre pessoas de diferentes territórios. Ele vê essa participação como uma forma de popularizar os debates sobre favelas e mudanças climáticas, levando para sua comunidade experiências e aprendizados que fortalecem a percepção do que significa ser uma periferia.
“Representar as periferias de Manaus nessas atividades relacionadas à COP30 é buscar trazer um conhecimento maior, um intercâmbio, uma forma de popularizar ainda mais os assuntos voltados a territórios e favelas aqui em Manaus”, afirma.
De acordo com ele, empoderar as comunidades acerca de assuntos como as mudanças climáticas, é uma forma de encontrar soluções e cobrar por políticas públicas eficazes para a população da região.
Ele destacou que a principal ação que percebeu relacionada a mudanças e oportunidades foi a discussão sobre casas integradas à natureza. “Isso é algo que a gente tem batido bastante na tecla quando falamos das periferias de Manaus: a falta de arborização e como as casas não são adaptadas para enfrentar possíveis alagamentos, e de que forma isso poderia ser evitado”.
Segundo ele, essa é uma mudança necessária, que precisa contemplar não apenas áreas privilegiadas, mas também as periferias, representando uma oportunidade para sua comunidade e para outras igualmente.
Ele reforçou a importância de integrar a natureza ao território, sem simplesmente aceitar que áreas alagadas não tenham solução. “Não podemos obrigar as pessoas que construíram identidade, memórias, famílias e afeto naquele lugar a saírem para um lote habitacional qualquer na cidade“.
Para ele, é preciso criar ações que integrem a comunidade, a natureza e as pessoas à infraestrutura já existente. Ele complementa dizendo que nunca foi a favor de mudanças que retirem as pessoas de seus territórios “como se fossem bonecos, como se não tivessem afeto, memórias e identidade, jogando-as em outro lugar.”
Por fim, ele incentiva que pessoas que desejam atuar em seus territórios conciliem esse trabalho com sua vocação. “Comece pequeno, com algo que possa ajudar um grupo de pessoas, e depois desenvolva uma ação que faça parte da sua rotina, que traga satisfação e contribua para o fortalecimento do território”.

Efeitos das mudanças climáticas nas periferias
Pesquisadores da USP mostram que moradores de periferias vivem em áreas com menos infraestrutura urbana, menor cobertura vegetal e maior exposição a riscos como enchentes, deslizamentos e ilhas de calor.
O estudo destaca que essas regiões apresentam moradias mais frágeis, ruas mal drenadas e pouco acesso a equipamentos públicos, o que aumenta os danos causados por eventos climáticos. Segundo a pesquisa, a combinação entre urbanização desigual, pobreza e condições precárias faz com que a população pobre seja desproporcionalmente afetada pelos impactos das mudanças climáticas.
O Relatório do IPCC, principal órgão científico mundial sobre clima, afirma que desigualdade social, pobreza, moradias precárias e falta de infraestrutura aumentam significativamente a vulnerabilidade das populações aos efeitos das mudanças climáticas.
Segundo o documento, eventos como calor extremo, enchentes, tempestades e deslizamentos atingem mais intensamente comunidades que já vivem situações de privação, porque elas têm menor capacidade de adaptação e menos acesso a serviços como saneamento, saúde e mobilidade.
O IPCC conclui que as mudanças climáticas aprofundam desigualdades já existentes e que populações pobres e periféricas são as que mais sofrem seus impactos.

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