A violência contra a mulher voltou a ocupar espaço central no debate público nas últimas semanas, impulsionada por casos amplamente divulgados e por estatísticas que revelam uma realidade persistente. Ainda que o Brasil disponha de um arcabouço jurídico relevante para o enfrentamento do problema, como a Lei Maria da Penha e a tipificação do feminicídio, os números indicam que a violência de gênero segue sendo um fenômeno estrutural, com raízes sociais, culturais e institucionais profundas.

Do ponto de vista técnico, a violência contra a mulher não se limita ao aspecto físico. Ela se manifesta de forma psicológica, moral, sexual, patrimonial e simbólica, muitas vezes de maneira silenciosa, gradual e naturalizada no cotidiano. Essa multiplicidade dificulta a identificação precoce dos casos e contribui para a subnotificação, que ainda representa um dos maiores desafios para a formulação de políticas públicas eficazes.

É preciso reconhecer que o problema não decorre apenas da ausência de leis, mas da dificuldade em garantir sua aplicação plena. Falhas na rede de proteção, ausência de acolhimento adequado às vítimas, demora na concessão de medidas protetivas e a revitimização em atendimentos institucionais acabam por afastar muitas mulheres da denúncia. Esse cenário evidencia que o enfrentamento da violência exige mais do que repressão penal, demanda integração entre segurança pública, assistência social, saúde e educação.

Outro ponto relevante é o contexto socioeconômico. Estudos demonstram que situações de vulnerabilidade, dependência financeira e baixa escolaridade ampliam o risco de permanência em relações abusivas. No entanto, a violência de gênero atravessa todas as classes sociais, o que reforça seu caráter estrutural e afasta simplificações que tentam restringi-la a determinados grupos.

A imparcialidade exige também reconhecer que políticas públicas eficazes devem se basear em dados, planejamento e avaliação contínua. Campanhas de conscientização, embora importantes, não produzem efeitos duradouros se não acompanhadas de investimentos em prevenção, capacitação de profissionais, fortalecimento das delegacias especializadas e ampliação da rede de acolhimento.

Enfrentar a violência contra a mulher é um compromisso institucional e social. Não se trata de um debate ideológico, mas de um problema concreto que impacta vidas, famílias e a própria estrutura democrática. Avançar exige responsabilidade, seriedade e ações coordenadas, capazes de transformar a proteção legal já existente em segurança real para as mulheres.

Roseane Torres

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