A arte sempre foi um espelho sensível do espírito de seu tempo. Quando as sociedades eram movidas por fé, transcendência e sentido coletivo, a produção artística refletia grandeza, cuidado estético e profundidade simbólica. Hoje, no entanto, esse espelho devolve uma imagem desconfortável: vivemos a era da eficiência gélida, da padronização e da robotização do sensível. A arte contemporânea, especialmente na arquitetura e no urbanismo, parece ter abdicado do encanto em nome da funcionalidade bruta.

Obras como o Museu do Louvre ou o Château de Versailles pertencem a um tempo que, embora distante, ainda nos interpela. Não apenas pela técnica ou pela escala, mas pela intenção: havia ali a busca consciente pela beleza, pela harmonia e pela elevação do espírito humano. Essas construções não eram apenas úteis; eram narrativas em pedra, mármore e ouro, expressões de uma visão de mundo.

O contraste com o presente é brutal. As cidades modernas se enchem de edifícios frios, geométricos, indiferentes ao entorno e às pessoas que os habitam. São caixas de concreto, aço e vidro, projetadas para maximizar custos, reduzir prazos e obedecer a planilhas. Falta-lhes alma, simbolismo e qualquer pretensão de diálogo com o humano. Não é exagero dizer que muitos desses espaços poderiam ser trocados entre cidades sem que ninguém percebesse a diferença.

A arquitetura contemporânea tornou-se filha direta da lógica industrial. Ela segue o mesmo princípio das fábricas e dos algoritmos: eficiência máxima, identidade mínima. Onde antes havia ornamento, há superfícies lisas; onde havia narrativa, há silêncio; onde havia singularidade, há repetição. O resultado é uma paisagem urbana funcional, porém emocionalmente estéril.

Esse empobrecimento estético não é neutro. Ele molda comportamentos, sentimentos e relações sociais. Ambientes feios, impessoais e desprovidos de significado produzem cidadãos igualmente distantes, apáticos e desconectados. A cidade deixa de ser espaço de encontro e passa a ser apenas um lugar de passagem, consumo e vigilância.

Chamar essa produção de “arte” exige, no mínimo, um esforço semântico. A celebração do “feio intencional”, do “vazio expressivo” e do “antiestético” parece mais uma racionalização da incapacidade criativa do que uma verdadeira ruptura artística. O discurso tenta salvar aquilo que a experiência cotidiana rejeita.

A robotização da arte acompanha a robotização da vida. Projetos são gerados por softwares, decisões são tomadas por métricas e padrões globais substituem referências culturais locais. O resultado é uma estética globalizada, despersonalizada e previsível, que reflete mais os limites das máquinas do que a imaginação humana.

Diferentemente do passado, quando até fontes públicas, bibliotecas e estações de trem eram concebidas como obras de arte, hoje esses espaços são tratados como problemas logísticos. O belo tornou-se supérfluo, e o simbólico, um custo desnecessário. Assim, perde-se a capacidade de produzir espaços que inspirem pertencimento, memória e identidade.

É verdade que aquele mundo não volta mais e talvez nem devesse voltar exatamente como foi. Mas isso não justifica a renúncia completa à beleza, à emoção e ao significado. O problema não está em abandonar o passado, mas em não ter um projeto estético e humanista para o futuro. A arte atual, em muitos casos, parece apenas sobreviver, não propor.

Quando a arte abdica de seu papel crítico e sensível, ela se torna cúmplice da desumanização. A eficiência gélida não é apenas um estilo; é uma ideologia que transforma pessoas em números, cidades em produtos e cultura em acessório. A feiura, nesse contexto, não é provocação, é sintoma.

A pergunta que permanece não é apenas “o que deu errado?”, mas “o que ainda pode ser resgatado?”. Se a arte é expressão do humano, insistir em uma estética robotizada é aceitar um futuro igualmente mecânico. Recuperar o sentido da beleza não é nostalgia aristocrática; é um gesto de resistência contra a redução do mundo a algo funcional, rápido e vazio.

Diante desse cenário empobrecido, faz falta um Leonardo da Vinci, alguém capaz de unir arte, ciência, técnica e sensibilidade em uma mesma obra, sem submeter a criação à lógica fria da eficiência. Fazem falta também Michelangelo, Rafael Sanzio, Rembrandt, Johann Sebastian Bach, Antoni Gaudí e tantos outros que compreendiam a arte como expressão elevada da condição humana. Esses nomes pertencem a um tempo em que criar significava transcender, provocar admiração e deixar legado. Hoje, restam como referência, memória e saudade, confinados ao passado, enquanto o presente insiste em chamar de arte aquilo que apenas cumpre função.

Farid Mendonça Júnior – Advogado, economista, administrador e Assessor Parlamentar no Senado Federal

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