Manaus (AM) — O ditado: “Quem come jaraqui, não sai daqui”, sustenta como a culinária no Amazonas conquista qualquer um. Não é somente o peixe que marca a gastronomia amazônica, a farinha também ganha um espaço importante para os moradores e os turistas, que não dispensam o complemento dentro do prato. Além de enriquece o paladar, o alimento movimenta a economia no Estado.
Presente na maioria das refeições e até em combinações não tão tradicionais, o consumo de farinha está no dia a dia dos amazonenses. A relevância é tanta que faz falta até mesmo para aquelas pessoas que já não moram mais em Manaus. Carente por conta da falta de farinha, a amazonense Caroline Soares, há pouco mais de um ano, mudou-se com a família para a região Sul do país. Além da diferença cultural, ela precisou adaptar a alimentação, já que não possui acesso tão barato a farinha.
“Para uma pessoa que nasceu e cresceu no Amazonas e estava acostumada a comer farinha pelo menos duas vezes ao dia, ficar sem comer é extremamente difícil. Tive que me acostumar a não comer farinha diariamente, o que é muito difícil para um amazonense que come farinha no almoço e na janta, às vezes até com fruta, como o tucumã e a banana”,
desabafou.
A amazonense descreve que, por não ser um produto típico da região, os preços são elevados e podem chegar até o dobro do valor cobrado no Amazonas.
Empreendedores investem na farinha
Com a alta procura e adesão de quem visita o Norte do Brasil, o mercado de farinha tornou-se rentável para os microempreendedores, sobretudo às comunidades ribeirinhas, a partir dos conhecimentos de produção da população indígena.
Entre as principais escolhas de farinha, uma das favoritas da população é a conhecida como “ovinha”, produzida por mandioca fermentada. Esse tipo é produzido comumente em comunidades do município Uarani, no interior do Amazonas, próximo aos municípios de Tefé e Alvarães.
Ricardo da Silva Nery, proprietário da Rico Farinha Uarini, mesclou a paixão por comer farinha com a oportunidade de obter renda e aventurou-se no empreendedorismo. Durante a pandemia, ele precisou reinventar-se para ganhar dinheiro e percebeu na venda do alimento uma possibilidade de se sustentar.
Nery passou a comprar o produto diretamente com um produtor em Tefé e revendeu para pequenos mercados e restaurantes. Ao lado da esposa, formada em economia na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), ele se tornou um Microempreendedor Individual (Mei).
“Foi necessário incrementar com nome da marca, validade e demais informações. Em meio a pandemia do Covid-19, no ano de 2020, acreditei que aquele propósito valia a pena e abrimos o CNPJ como Mei, além de entrar de cabeça no mundo do empreendedorismo juntamente com minha esposa formada em economia pela Ufam que abriu portas para artigos científicos, eventos, feiras e congressos, levando não só um produto, mas toda a história de muitas famílias que fortificam a cultura e agricultura no Amazonas”,
relatou.
O empreendimento recebeu auxílio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-AM), quando passou a se conectar com a Associação de Produtores Agroextrativistas da Flona de Tefé e Entorno (APAFE), possuindo mais de 480 associados que produzem farinha Uarini, a partir das normas da indicação geográfica concedidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em 2019, para as regiões de Alvarães, Maraã, Tefé e Uarini.
De acordo com Ricardo Nery, apenas os lugares apontados pela indicação geográfica podem produzir a farinha com o termo “Uarini”, que, além de representar o nome do município, representa a qualidade do produto. A população costuma utilizar a nomenclatura ligada a farinha.
A produção do empreendimento perpassa por princípios de sustentabilidade, de forma a contribuir com a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
“A Rico visa ajudar a escoar o produto de Tefé e levar a nossa cultura para o mundo, produzindo um produto sustentável através das diretrizes e especificações do caderno de indicação geográfica que produz uma farinha limpa, sem prejudicar o solo, agregando valor e dando mais qualidade de vida para os agricultores que trabalham em casas de farinha planejada e adaptada com mais tecnologia e técnicas para facilitar o trabalho, garantindo um produto tradicional, saboroso e único”,
afirmou.
Impulsionando a economia
A economista Denise Kassama relacionou o consumo da farinha com a tradição familiar passada de geração em geração, traduzindo-se como um verdadeiro patrimônio cultural, além de impulsionar a economia.
“A farinha tem um papel socioeconômico extremamente importante para o desenvolvimento regional e, efetivamente, leva poder econômico para regiões distantes da capital, desde o agricultor que cultiva a mandioca até o pessoal da casa de farinha. É uma cadeia bastante rica, que há a possibilidade de ocorrer 100% no Amazonas e gera renda no interior”,
explicou a economista.
Apesar da sua influência e poder de consumo, a farinha apresenta desafios para o desenvolvimento da produção, principalmente ao considerar a instabilidade do preço no comércio.
“Os desafios são desde o cultivo que prejudica o solo com queimadas, a logística do campo para a casa de farinha e o transporte fluvial que levam dias para chegar em Manaus, assim como a desvalorização da mão de obra e a falta de informações para os produtores, com baixo valor agregado”,
pontua Ricardo.
A Rico Farinha Uarini busca participar de eventos nacionais e programas de acelerações e desenvolvimento de negócios, buscando a capacitação e reconhecimento para poder estar presente em comércios em várias regiões do Brasil. “Estamos visando também o mercado internacional, pois sabemos como uma simples comida pode nos levar de volta a nossa terra natal por um momento”, acrescentou.
O empreendedor enfatizou a potência da farinha de mandioca como alimento milenar na cultura do Amazonas, proporcionando nutrição a população que possui o costume de consumir diferentes tipos da farinha, principalmente em países em desenvolvimento, como o Brasil.
“No Amazonas, a farinha Uarini fortalece a cultura local, visto que é um alimento ímpar e originário do Amazonas, além de ser amplamente consumido na região, independente do preço, o público aprecia a qualidade, válido para todas as classes sociais. É um alimento que precisa ser melhor comunicado e apresentado ao público, esse é o nosso papel. Sabemos que esse comércio pode acelerar o crescimento econômico local e possibilita o desenvolvimento regional, mudando a vida de muitas famílias que vivem a base da agricultura”,
concluiu.
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