O parlamentarismo é um sistema de governo no qual o chefe de Estado (presidente ou monarca) tem funções majoritariamente cerimoniais, enquanto o chefe de governo (primeiro-ministro) é escolhido pelo Parlamento e depende do apoio da maioria legislativa para governar. Nesse modelo, o Executivo e o Legislativo estão intimamente conectados, e a estabilidade do governo depende da manutenção da confiança do Parlamento. Caso o governo perca essa confiança, pode ser destituído por meio de um voto de desconfiança, levando à formação de um novo governo ou à convocação de novas eleições.
O Brasil adota o presidencialismo, no qual o presidente da República é eleito diretamente pelo povo para um mandato fixo, com amplos poderes executivos e relativa independência em relação ao Congresso. No entanto, nas últimas décadas, o Legislativo tem conquistado cada vez mais influência sobre o Executivo, levando alguns analistas a questionar se o país está, de fato, migrando para uma espécie de parlamentarismo informal.
Esse fortalecimento do Congresso pode ser identificado em diversos momentos da história recente do Brasil. Um marco importante foi o impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016. O processo foi conduzido pelo Legislativo, com grande protagonismo da Câmara dos Deputados e do Senado, demonstrando que o Congresso tinha poder suficiente para destituir um presidente em meio a uma grave crise política. A partir desse episódio, a relação entre Executivo e Legislativo passou a ser ainda mais marcada por negociações intensas e pela necessidade de apoio parlamentar para garantir governabilidade.
Outro fator que evidencia o fortalecimento do Congresso é a ampliação das emendas parlamentares impositivas. Tradicionalmente, as emendas ao orçamento eram uma ferramenta de barganha política, pois o governo poderia decidir se liberava ou não os recursos indicados pelos parlamentares. Contudo, a partir de 2015, com a adoção das emendas impositivas, o Executivo ficou obrigado a pagar parte dessas emendas, reduzindo sua capacidade de pressionar deputados e senadores. Posteriormente, o “orçamento secreto”, revelado nos últimos anos, demonstrou um aumento expressivo do controle do Congresso sobre os recursos da União.
A crescente autonomia do Parlamento também se manifesta na escolha de ministros e na formulação de políticas públicas. Em vários momentos, o Legislativo impôs sua vontade ao Executivo, alterando projetos de lei ou até mesmo derrubando vetos presidenciais. Além disso, o governo frequentemente precisa negociar diretamente com o Centrão – um bloco informal de partidos pragmáticos – para garantir apoio político e evitar crises institucionais.
O enfraquecimento do Executivo e o fortalecimento do Congresso podem ser vistos como sinais de uma transição rumo a um sistema mais parlamentarista. No entanto, essa mudança ocorre sem uma reforma constitucional formal que estabeleça o parlamentarismo como sistema de governo. Em vez disso, o Brasil parece estar experimentando um presidencialismo mitigado, no qual o presidente depende cada vez mais do aval do Congresso para governar.
Vale lembrar que o parlamentarismo já foi debatido e rejeitado no Brasil em dois plebiscitos, um em 1963 e outro em 1993. Em ambas as ocasiões, a população escolheu manter o presidencialismo. Contudo, o contexto político atual é diferente, e há quem defenda que o país poderia se beneficiar de um sistema em que o chefe de governo seja mais diretamente responsável perante o Legislativo.
Os defensores do parlamentarismo argumentam que esse sistema poderia reduzir a instabilidade política e facilitar a remoção de governos ineficazes sem a necessidade de um processo traumático de impeachment. Além disso, acreditam que a governabilidade seria aprimorada, já que o primeiro-ministro dependeria do apoio contínuo da maioria parlamentar.
Por outro lado, os críticos apontam que o Brasil tem uma cultura política marcada pelo clientelismo e pela fragmentação partidária, o que poderia tornar o parlamentarismo disfuncional. Com um grande número de partidos no Congresso, formar e manter coalizões estáveis seria um grande desafio, podendo levar a crises políticas frequentes.
Outro ponto de debate é a participação popular. No presidencialismo, o povo escolhe diretamente o presidente, enquanto no parlamentarismo, o chefe de governo é escolhido indiretamente, pelos parlamentares. Isso poderia gerar uma sensação de distanciamento entre a população e o governo, reduzindo a legitimidade do sistema.
Apesar do fortalecimento do Congresso, ainda há elementos que sustentam o presidencialismo no Brasil. O presidente continua a ter um papel central na condução da política nacional, especialmente em questões de segurança, economia e relações internacionais. Além disso, o cargo de presidente possui forte apelo simbólico e eleitoral, o que dificulta a substituição do modelo atual.
No curto prazo, é pouco provável que o Brasil adote formalmente o parlamentarismo. No entanto, a tendência de fortalecimento do Legislativo e de dependência do Executivo em relação ao Congresso deve continuar. Esse cenário pode levar a uma maior institucionalização de mecanismos que limitam os poderes presidenciais, tornando o sistema político cada vez mais próximo de um parlamentarismo de fato, ainda que não de direito.
Em meio a esse contexto, uma possível reforma política poderia estabelecer um modelo híbrido, como o semipresidencialismo, no qual o presidente mantém poderes relevantes, mas divide o governo com um primeiro-ministro escolhido pelo Parlamento.
Seja qual for o caminho escolhido, o debate sobre o parlamentarismo no Brasil continuará sendo influenciado pela dinâmica política e pela relação de forças entre Executivo e Legislativo. O fortalecimento do Congresso indica que o presidencialismo brasileiro já não é o mesmo de décadas atrás, mas a transição para um novo sistema ainda depende de um consenso político que, até o momento, não foi alcançado.

(*) Farid Mendonça Júnior é Advogado, economista, administrador e Assessor Parlamentar no Senado Federal
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