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Serial killer em Manaus? Crônica dos anjos sem luz

Não é roteiro de filme ruim, tampouco enredo de videogame sombrio

Foi numa noite abafada em Manaus, dessas em que o céu parece carregar o peso dos pecados da cidade, que um grupo de adolescentes resolveu experimentar a morte. Não a sua própria, mas a do outro. Escolheram uma mulher. Sem ódio. Sem vingança. Apenas para saber o que se sente ao atravessar a linha. Como quem pisa na borda de um abismo e pergunta ao vento: “Será que consigo voar?”.

Não é roteiro de filme ruim, tampouco enredo de videogame sombrio. É fato contado por um advogado que não costuma se impressionar facilmente. Uma história real, que escorre como lama morna das vielas para dentro das salas de estar, onde pais exaustos largam os filhos diante das telas, esperando que o mundo os eduque. E o mundo, às vezes, educa pelo horror.

Não foi um assalto. Não foi por desespero. Foi por curiosidade.
Matar, para alguns desses meninos, tornou-se experiência. Um rito silencioso de passagem, transmitido por memes, vídeos e algoritmos que filtram tudo, menos a perversidade.

A infância, que antes cheirava a barro molhado e manga verde, hoje respira o ar viciado de um universo onde o crime é espetáculo, e a dor alheia, conteúdo.

O livro Anjos Cruéis, de Daniel Cruz, narra histórias de arrepiar a alma: o menino japonês que começou esfaqueando gatos até passar para colegas de escola; a adolescente americana que achou que um machado era forma de resolver desavenças domésticas; o garoto inglês que pedalou tranquilamente depois de matar. Crianças que não perderam a inocência, até porque nunca a tiveram.

É fácil culpar as redes, os jogos, os filmes. Mais difícil é olhar para a fragilidade da nossa estrutura social, para a hipocrisia de uma legislação que protege quem já aprendeu a manipular suas brechas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nasceu como escudo contra a injustiça. Mas hoje, em certos casos, serve também de armadura para monstros em miniatura, treinados não por psicopatas, mas por um mundo que perdeu o juízo.

Falar em reduzir a maioridade penal virou clichê. Mas ignorar o uso sistemático de menores pelo crime organizado é fechar os olhos enquanto alguém apaga a luz da última esperança. Eles sabem o peso de uma faca. Sabem a duração de um vídeo viral. E sabem que a Justiça, para eles, é só mais uma tela com botão de “pular anúncio”.

Não se trata de demonizar os jovens. É preciso amá-los. Mas também reconhecê-los como são.

Alguns meninos não têm medo do escuro. Eles são o escuro.
E a tragédia, como escreveu Platão, não está em temer as sombras, está em perder a capacidade de ver a luz.

Quantos corpos ainda precisarão tombar até admitirmos que há anjos que não querem voltar ao céu? Talvez, ao invés de tribunais, devêssemos construir faróis. Mas, até lá, quem guiará esses meninos sem asas?

Juscelino Taketomi¹.

¹Articulista do Portal Em Tempo, Juscelino Taketomi, é Jornalista. Há 28 anos é servidor da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam)

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