Um novo relatório da Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC), grupo de especialistas apoiado pelas Nações Unidas, alerta que “o pior cenário possível” de fome está se materializando na Faixa de Gaza.
O documento, divulgado nesta terça-feira (29), aponta que as severas restrições impostas por Israel à entrada de ajuda humanitária, somadas aos intensos combates com o Hamas, resultaram em uma crise alimentar sem precedentes.
Segundo o IPC, há evidências crescentes de que a fome generalizada, a desnutrição e a disseminação de doenças estão provocando um aumento significativo no número de mortes. “O pior cenário de fome está se concretizando atualmente na Faixa de Gaza”, destaca o relatório que, pela primeira vez, reconhece oficialmente que há fome em curso no enclave palestino.
Meses antes, o IPC já havia alertado que quase toda a população de Gaza — estimada em 2,3 milhões de pessoas antes da guerra — estava à beira de uma catástrofe alimentar. O novo parecer surge após autoridades de saúde locais, controladas pelo Hamas, informarem que o número de mortos no conflito ultrapassou 60 mil, sendo a maioria civis, segundo organizações independentes.
Israel nega ter limitado os envios de ajuda humanitária e atribui a escassez de alimentos em Gaza a outros fatores, incluindo falhas na distribuição dos insumos pelas Nações Unidas e desvios (roubos) dos suprimentos pelo Hamas.
Indicadores críticos de fome
Embora Gaza ainda não tenha sido formalmente classificada como “em situação de fome” — o que requer uma análise completa — o IPC afirma que dois dos três critérios técnicos que definem esse estágio já foram ultrapassados. A análise completa será feita “sem demora”.
Para que a fome seja oficialmente declarada, é necessário que pelo menos 20% da população enfrente escassez extrema de alimentos, uma em cada três crianças sofra de desnutrição aguda e duas pessoas em cada 10 mil morram diariamente por causas relacionadas à fome.
De acordo com o relatório, grande parte da população de Gaza já ultrapassou o limiar de consumo alimentar, com um em cada três moradores passando dias sem comer. A desnutrição infantil avançou rapidamente na primeira quinzena de julho, especialmente na Cidade de Gaza, onde o critério técnico foi atingido. “Hospitais relataram um aumento veloz nas mortes por fome entre crianças menores de cinco anos, com pelo menos 16 óbitos desde 17 de julho”, afirma o documento.
Entre abril e meados de julho, mais de 20 mil crianças foram hospitalizadas com desnutrição aguda, 3 mil em estado grave. O terceiro critério, o número de mortes relacionadas à fome, também preocupa. Apesar das dificuldades em obter dados completos em meio ao colapso do sistema de saúde, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e o Unicef afirmam que essas mortes são “cada vez mais frequentes”.
“O sofrimento da população de Gaza já é evidente para o mundo. Esperar por uma confirmação oficial de fome para liberar a ajuda vital é inconcebível”, declarou Cindy McCain, diretora executiva do PMA.
Segundo dados da ONU, 74 mortes ligadas à desnutrição foram registradas em 2025, sendo 63 apenas em julho, incluindo 24 crianças menores de cinco anos, uma criança mais velha e 38 adultos. A maioria das vítimas chegou aos hospitais em estado grave ou morreu pouco depois, com sinais evidentes de definhamento.
O IPC é uma iniciativa global que trabalha com grupos de ajuda humanitária, organizações internacionais e agências da ONU para avaliar os níveis de fome em populações em risco.
Impedimentos à ajuda humanitária
O relatório também detalha como as restrições “drásticas” impostas por Israel à entrada de alimentos têm inviabilizado os esforços de ajuda humanitária. A população de Gaza necessita de cerca de 62 mil toneladas de alimentos básicos por mês, mas a quantidade efetivamente recebida está muito abaixo disso.
Segundo dados israelenses incluídos no relatório, nenhum carregamento de alimentos entrou em Gaza nos meses de março e abril. Em maio, foram entregues 19,9 mil toneladas e, em junho, 37,8 mil toneladas — ainda insuficientes para atender às necessidades básicas da população.
“Isso é diferente de qualquer coisa que vimos neste século”, afirmou Ross Smith, diretor de emergências do PMA, em coletiva de imprensa virtual a partir de Genebra. “Isso nos remete a catástrofes históricas como as da Etiópia e de Biafra. Precisamos agir com urgência agora.”
(*) Com informações da Veja
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