O lar, que deveria ser abrigo, ainda é cenário de sofrimento para muitas mulheres na Amazônia. Em 2024, os feminicídios cresceram no país e, na maior parte dos casos, o agressor foi o parceiro ou ex-parceiro (FBSP, 2025). No Amazonas, mesmo com a redução recente de feminicídios no primeiro semestre de 2025, a violência não desapareceu. Em Manaus, os Juizados Especializados registraram predominância de violência psicológica, seguida por violência moral e física (TJAM, 2025), revelando que, antes da agressão que vira estatística, existe um ciclo de silêncio que a sociedade ainda não consegue romper.
A violência doméstica não se limita ao golpe visível. A Lei Maria da Penha reconhece que a agressão também pode ocorrer na forma psicológica, moral, sexual ou patrimonial (BRASIL, 2006). Desde 2021, a violência psicológica passou a ser crime previsto no Código Penal (BRASIL, 2021), reconhecendo que humilhações, ameaças, isolamento e controle também ferem, adoecem e destroem identidades. Ferir a mente, a autoestima e a dignidade é tão grave quanto ferir o corpo.
A psicóloga Lenore Walker descreveu o Ciclo da Violência em três etapas: tensão, agressão e reconciliação (WALKER, 1979). Esse movimento repetitivo produz medo, confusão emocional e dependência afetiva. Com o tempo, a mulher passa a pedir permissão para viver, evita amigos, diminui a própria voz e tenta “não provocar”. Quando o amor exige silêncio e vigilância, já não é amor: é controle.
Na Amazônia, o cenário é agravado por barreiras culturais, dependência econômica e subnotificação. Muitas mulheres ainda temem denunciar ou não sabem onde buscar ajuda. Porém, existem caminhos. Em Manaus, os Centros de Referência de Atendimento à Mulher, os Juizados Especializados e o Disque 180 oferecem acolhimento psicológico, social e jurídico. A psicoterapia é um espaço seguro para reconstruir autoestima, elaborar traumas e fortalecer a autonomia emocional necessária para romper o ciclo abusivo.
Identificar os sinais no início é decisivo para interromper o ciclo abusivo e preservar a vida. Toda mulher merece viver sem medo, com voz e dignidade. Que o Outubro Roxo nos lembre que romper o silêncio é um ato de proteção e de amor-próprio. O silêncio protege o agressor. A consciência, a rede de apoio e a prevenção protegem vidas.

Ana Claudia de Souza Pinto Oliveira é Neuropsicóloga, Diretora Clínica do Instituto Desenvolver Neurociência e Saúde Integrada, com graduação em Psicologia pelo Centro Universitário do Norte; Mestrado em Educação pela Universidad de Los Pueblos de Europa; e Pesquisadora do Laboratório de Avaliação Psicológica da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
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