A recente operação policial no Rio de Janeiro reacendeu o debate sobre os limites da atuação do Estado no enfrentamento à criminalidade. O episódio, que ganhou repercussão nacional e levantou questionamentos sobre proporcionalidade e respeito aos direitos humanos, trouxe à tona questões sobre o planejamento das ações de segurança, o papel dos órgãos de controle e os parâmetros jurídicos que orientam o uso legítimo da força.
Existe uma corrente de pensadores que afirmam não ser um episódio isolado e que reflete uma estrutura histórica de desigualdade social, ausência de políticas públicas e fragilidade institucional que transforma territórios vulneráveis em campos de exceção, onde o Estado aparece apenas pela força.
Do ponto de vista jurídico, a Constituição Federal estabelece que o uso da força pelo Estado deve ser pautado pela legalidade, necessidade e proporcionalidade, princípios extraídos do art. 5º, incisos II e LIV, que garantem que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei e que ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal.
Com base no artigo é possível dizer que o uso da força, portanto, deve ser necessário, apenas quando outros meios não forem eficazes e proporcional, limitado ao risco ou resistência enfrentada, concluindo-se que, a legalidade, nesse contexto, é mais do que um requisito formal é o limite ético e constitucional que impede que a ação estatal se transforme em arbítrio.
Ainda segundo a Constituição Federal é possível concluir que, nenhuma operação, por mais legítimo que seja seu objetivo, pode desconsiderar o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e o controle jurisdicional das ações estatais. O Supremo Tribunal Federal, na ADPF 635, que trata das operações policiais no Rio, dentre outros assuntos, destacou que o uso da força pública deve observar critérios de planejamento, transparência e responsabilidade, especialmente em áreas de vulnerabilidade social. A Corte enfatizou que o combate ao crime não pode justificar a suspensão de direitos e garantias fundamentais, um alerta que vale para todo o país.
No Amazonas, embora o cenário urbano seja distinto, os desafios são semelhantes. O avanço de facções, o tráfico de drogas pelos rios, o garimpo ilegal e a precariedade estrutural das forças de segurança tornam o tema ainda mais urgente. Operações em comunidades ribeirinhas e nas periferias de Manaus exigem o mesmo cuidado constitucional, respeito aos direitos fundamentais, coordenação interinstitucional e avaliação de impacto social. Aqui, a geografia impõe obstáculos adicionais, como longas distâncias, ausência de presença estatal contínua e fronteiras porosas, que exigem estratégias de segurança baseadas em inteligência, tecnologia e cooperação federativa.
Além das preocupações relacionadas à atuação estatal é importante reconhecer que as próprias organizações criminosas também promovem graves violações de direitos humanos. Em diversas regiões do país e, em especial, na Amazônia, grupos armados têm se apropriado de territórios, impondo restrições à liberdade de locomoção da população e até à circulação das forças de segurança, criando zonas de domínio paralelo ao Estado. Nessas áreas, moradores sofrem com ameaças, extorsões e limitações ao direito de ir e vir, o que representa ofensa direta aos princípios da dignidade da pessoa humana e à soberania estatal. A presença dessas facções evidencia que a proteção dos direitos fundamentais também depende da recuperação do controle territorial e do fortalecimento institucional das forças de segurança.
No caso do Amazonas é essencial investir em inteligência policial, valorização profissional, integração entre os órgãos de segurança e políticas de prevenção. O enfrentamento da criminalidade não pode se restringir ao confronto armado, deve incluir educação, oportunidades, cultura e fortalecimento das comunidades locais. A segurança pública precisa dialogar com as políticas sociais, ambientais e territoriais, reconhecendo que a violência é também resultado de desigualdades históricas e de ausência do Estado em áreas vulneráveis.
Mais do que um episódio isolado, a operação no Rio é um espelho do modelo de segurança pública que o país precisa repensar. No Amazonas, onde a floresta esconde rotas do narcotráfico e as cidades sofrem com a violência urbana, o caminho deve ser o da legalidade, do respeito e da inteligência. A Constituição Federal, em seu art. 144, define que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos e isso inclui a sociedade civil, o Ministério Público e os órgãos de controle. Somente quando houver equilíbrio entre força e direito, entre repressão e cidadania, será possível falar em segurança pública efetiva.
A segurança pública será, de fato, eficaz quando for também justa, humana e constitucional. O Estado deve ser firme contra o crime, mas intransigente na defesa da lei e dos direitos. Afinal, a verdadeira força do Estado não está na imposição do medo, mas na autoridade legítima que nasce do respeito às normas, à justiça e à vida.
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