Manaus (AM) — O descarte irregular de resíduos tem sido a origem de diversos problemas de saúde para moradores da região da Feira da Manaus Moderna, na Zona Sul da capital amazonense. Além da situação com habitantes de locais próximos, atritos judiciais e políticos surgem pela irregularidade do novo aterro construído em uma Área de Proteção Permanente, na BR-174. As empresas contratadas – em valores milionários -, para realizar a fiscalização e limpeza dos descartes não tem sido responsáveis, de acordo com a população, na realização de suas atividades contratuais.
O deputado Amom Mandel (Cidadania) denunciou o descarte inadequado de resíduos e o despejo irregular do “chorume”, líquido resultante da decomposição do lixo orgânico, na região da Feira da Manaus Moderna. O parlamentar relembrou que o novo aterro sanitário de Manaus, construído em uma Área de Proteção Permanente, na BR-174, descumpre leis ambientais e pode resultar na contaminação permanente do lençol freático e do maior rio de água doce do mundo, o Rio Amazonas.
Em vídeos divulgados pelas redes sociais do deputado, moradores da área que preferiram não se identificar informam que caminhões com lixo hospitalar descartam o material de forma irregular e não há quaisquer ações por parte das empresas de limpeza pública.
“Já viu caminhão hospitalar sendo lavado aqui também. Aquele chorume sempre vai pelo ar e aquilo causa muito mau cheiro. Eu não sei o que isso pode causar a nossa saúde”,
disse uma moradora de região próxima ao lixão, na AM-010.
“Quando as pessoas começam a lavar os carros aqui, sobe aqueles odores. Morar aqui perto é cruel”, completa o outro morador.
O deputado, nesta semana, denunciou o descumprimento da Lei federal nº 12.305/2010, que criou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em Manaus, em uma série de vídeos em suas redes sociais.
“Nós temos essa Lei federal para os resíduos sólidos há 13 anos, mas ela não é cumprida. Ela é importante para o Brasil inteiro, mas no Amazonas, especialmente, porque temos o risco de contaminação permanente da água doce no mundo e ninguém está colocando isso como prioridade”,
alertou Amom.
Em agosto, a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) acatou parcialmente recursos do Ministério Público do Amazonas (MP-AM) e deu 45 dias para dar início à mudança do aterro sanitário no quilômetro 19 da rodovia AM-10 (Manaus/Itacoatiara). A compostagem de lixo no local será encerrada no dia 31 de dezembro de 2023.
No mesmo prazo deve ser apresentado um plano de implementação do novo aterro sanitário, com a recuperação da área degradada do atual depósito de lixo e tratamento do chorume e gás gerado na compostagem. No aterro sanitário funcionam uma usina de compostagem, o escritório operacional e o sistema de lagoas.
“Diante dos laudos apresentados, em que pese o tratamento dado ao ‘chorume’ e aos demais passivos ambientais, há clara contaminação nos arredores e recursos hídricos da região”,
diz trecho do acordo do TJAM.
O plano para mudança do aterro deve ser apresentado ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), ao Núcleo de Apoio Técnico do MP para análise a aprovação. O descumprimento ocasionaria em uma multa diária de R$ 100 mil, limitada a 30 dias, e de enquadramento no artigo 330 do Código Penal (desobedecer ordem legal).
O Promotor de Justiça Lauro Tavares da Silva ressaltou a importância do debate sobre os possíveis impactos ambientais do descarte irregular.
“A reunião foi de extrema importância para definir a presente e futura forma de coleta, transporte e destinação dos resíduos sólidos urbanos na cidade de Manaus, visando impedir que o meio ambiente, especialmente nossa bacia hidrográfica, continue a sofrer poluição e danos irreversíveis com prejuízos e graves consequências para toda a sociedade amazonense”,
enfatizou o titular da 62ª Prourb.
Operação Entulho
A Operação Entulho é a investigação da Polícia Federal (PF), Receita Federal e o Ministério Público Federal , deflagrada em junho de 2023, onde apontou suspeitas de envolvimento de empresários, advogados de empresas e funcionários em esquemas de fraudes em contratos para serviço de limpeza pública em Manaus. Durante a operação, 13 mandados de busca e apreensão, além de mandados de prisão, contra 31 empresas, escritório de contabilidade, além de seus respectivos sócios e empregados das empresas de coleta de lixo e limpeza pública, foram apontados.
As operações apontam que as empresas Tumpex e Soma, que têm os mesmos donos, os empresários Mauro Lúcio Mansur da Silva e José Paulo de Azevedo Sodré Neto, somente no mês de janeiro de 2023, receberam R$ 20 milhões.
O coordenador da operação, o delegado Eduardo Zózimo, declarou que as empresas contratadas usavam notas fraudulentas, conhecidas como ‘notas frias’, emitidas por ‘empresas de fachada’ referente a produtos que nunca foram comprados. De acordo com as investigações, os donos da Tumpex e da Soma usavam as notas para deduzir no cálculo de tributos.
O Contrato nº 33/2003, referente a serviço de limpeza pública de Manaus com a Tumpex, está há 20 anos vigente e foi assinado na gestão do ex-prefeito de Manaus Alfredo Nascimento, tinha o prazo de 5 anos, mas seguiu vigente nos mandatos de Serafim Corrêa, Amazonino Mendes, Arthur Virgílio Neto. E a empresa já foi alvo de contestações nos órgãos de fiscalização.
Em 2020, o então secretário da Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp), Paulo Ricardo Rocha Farias, prorrogou até 2035 os contratos com a Tumpex e a Construtora Marquise S/A. A medida foi contestada pelo Ministério Público de Contas (MPC) no Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM).
No início de 2021, a conselheira Yara Lins suspendeu a prorrogação dos contratos, no entanto, em março Lins revogou a própria decisão, o que possibilitou a permanência das empresas no serviço público.
O valor do contrato com a Tumpex é de R$15,3 milhões mensal. Será desembolsado R$2,7 Bilhões para a empresa, até o final dos 15 anos. Com a construtora Marquise S/A, o contrato tem o valor de R$11 milhões por mês, resultando em R$ 1,9 bilhão no período de 15 anos.
Nota
Em resposta a operação realizada em julho de 2023, a empresa Tumpex emitiu uma nota se posicionando sobre a ação. Confira a nota na íntegra:
A Tumpex, em respeito aos manauaras, clientes e colaboradores, vem a público se posicionar sobre a ação realizada pela Polícia Federal na manhã desta terça-feira, dia 20.
Há mais de 28 anos, atuamos no estado do Amazonas com reconhecida expertise no segmento de resíduos sólidos, pautando nossa gestão em princípios modernos de gestão e na legalidade.
Todos os serviços prestados a entes públicos foram e continuam sendo executados integralmente com as devidas comprovações, as quais são reconhecidas tanto pela população quanto por órgãos de controle.
Diante dessa realidade, consideramos injustificáveis quaisquer medidas coercitivas, uma vez que não há motivos por parte de nossa empresa em negar esclarecimentos e informações que possam auxiliar as autoridades investigadoras na comprovação da integridade de nossas ações. No entanto, seguimos firmes na crença de que o trabalho da justiça será feito corretamente e que, após o regular esclarecimento dos fatos, a integridade da empresa será restabelecida.
Nossa postura é de total colaboração, pois compreendemos que está em jogo a imagem de nossos colaboradores, os quais não merecem ser expostos ou ter sua integridade questionada.
Reafirmamos nosso compromisso com a transparência, a ética e a responsabilidade em todas as nossas atividades. Permanecemos à disposição das autoridades competentes para prestar quaisquer informações, com o intuito de contribuir para uma investigação justa e imparcial.
TUMPEX
Contrato milionário
A empresa Murb Manutenção e Serviços Urbanos LTDA foi investigada por um contrato de R$ 48 milhões, um valor de 17% acima do valor praticado, segundo alegação do Ministério Público de Contas.
A medida cautelar foi concedida após representação do Ministério Público de Contas (MPC), que identificou possíveis irregularidades e solicitou ao relator das contas que fizesse uma análise minuciosa do caso, levando em consideração que havia um processo licitatório para a mesma contratação não concluso na Secretaria Municipal de Limpeza Pública (Semulsp).
De acordo com informações do conselheiro Mario de Mello,a Semulsp deixou de concluir a licitação para limpeza nos locais públicos da cidade, para optar por uma contratação sem licitação, alegando caráter emergencial, por dispensa.
Na opinião do Ministério Público de Contas, por se tratar de um serviço contínuo e essencial para a cidade de Manaus, não ter realizado a licitação configura falta de planejamento, visto haver conhecimento do término do contrato e da necessidade de manutenção dos serviços.
Em 2023, a emprega segue contratada sem licitação. Entre os meses de setembro de 2022 a junho de 2023, a empresa já recebeu mais de R$ 88 milhões pelos serviços de limpeza.
Em julho de 2022, a empresa Mamute foi substituída pela Murb sem licitação para os serviços de limpeza pública de Manaus. Foi nesta ocasião que a empresa foi contratada por R$ 48 milhões pelo período de seis meses. Até setembro de 2023, o processo licitatório da empresa não foi firmado. Apesar disso, o contrato entrou em vigor, sendo renovado no início do ano por mais R$48 milhões. O aditivo também possui prazo de seis meses, período este que deve se esgotar no início do mês de setembro.
A estimativa é que os repasses para Murb atinjam R$ 96 milhões até o final do contrato.
Política Nacional de Resíduos Sólidos
O parlamentar federal Amom Mandel enviou um total de 56 ofícios aos estados do Brasil, ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Mudança do Clima e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com questionamentos sobre a aplicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Requerimentos de informação também foram enviados ao MMA para questionar sobre as medidas adotadas pela pasta para garantir o cumprimento das metas de erradicação dos lixões, estabelecidas pelo Novo Marco Legal do Saneamento; medidas para promover uma gestão mais sustentável dos resíduos sólidos; além de estratégias adotadas para auxiliar os municípios mais pobres na implementação das políticas de saneamento e destinação adequada de resíduos, entre outros pontos. Nenhum dos questionamentos foi respondido pelo ministério.
Aterro ilegal
O Instituto de Proteção Ambiental (Ipaam), por meio de sua Gerência de Fiscalização (Gefa), embargou, no último final de semana, um aterro ilegal na rua Tingui, antigo ramal do Beto, estrada do Puraquequara, Distrito Industrial II, em Manaus. O órgão recebeu denúncia de que resíduos industriais, oriundos de duas empresas do Distrito, estavam sendo descartados a céu aberto. Fiscais do Ipaam estiveram no local, no último dia 30 de agosto, e constataram o ilícito. O embargo foi efetuado um dia após o flagrante de crime ambiental e a multa totaliza mais de R$ 1 milhão.
O diretor-presidente do Ipaam, Juliano Valente, destacou que o trabalho dos fiscais do Instituto está ligado diretamente às denúncias que a sociedade apresenta ao órgão. “Ações de fiscalização como essa são realizadas com o apoio da população, que denuncia e ajuda o órgão ambiental na missão de cuidar do meio ambiente”, afirmou Valente.
Durante a fiscalização foram constatados a existência de aterro, descarte e manipulação de resíduos sólidos em sua maioria compostos por pneus, pallets e embalagens de madeira, entulhos e restos de construção civil. Havia, ainda, uma pilha de embalagens de big-bags e tambores metálicos vazios.
Foi constatado, também, no local a presença de um trator de esteira que fazia o transporte dos resíduos de um lugar ao outro do terreno, a manipulação de pallets para reaproveitamento para a instalação de barracos em uma área de invasão vizinha à área fiscalizada. Além disso, constatou-se ainda uma pequena criação de suínos que tinham seus abates realizados sem quaisquer condições higiênicas, dentre outras infrações.
Lixões
Em fevereiro de 2019, em sentença de 1º instância foi aceito pedido do Município de Manaus para reconhecer a possibilidade de manutenção do aterro sanitário municipal no local, considerando a vida útil definida no laudo pericial judicial (janeiro de 2024), condicionada a obrigações definidas na decisão. O MP requereu a reforma da sentença.
Relatório do Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana – 2022, em sua sétima edição, mostrou que não apenas o Brasil não vai conseguir cumprir a meta de extinguir os lixões até 2024, mas, até 2030, somente a região Sul do país terá erradicado completamente os lixões. Manaus está entre as capitais brasileiras com os índices mais baixos no que diz respeito à adesão às metas e diretrizes da PNRS.
A equipe de reportagem do Em Tempo entrou em contrato com as empresas Murb Manutenção e Serviços Urbanos LTDA e Tumpex citadas nesta matéria, mas até o momento desta publicação, não responderam o contato.
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