A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) enviou em 11 de abril ao STF (Supremo Tribunal Federal) e à Polícia Federal uma planilha contendo a lista de números de telefones monitorados pelo órgão durante o governo Jair Bolsonaro (PL) por meio do software espião israelense adquirido em 2018.
Documentos obtidos pela Folha citam que a lista, enviada por meio de um pendrive, continha o número do telefone, o caso a que ele estava relacionado e, em algumas situações, o nome da pessoa que utilizava o aparelho.
Agentes da Abin contestam nos bastidores a necessidade da busca e apreensão pedida pela PF e autorizada por Alexandre de Moraes, do STF, sob o argumento de que a agência jamais se negou a atender a pedidos da corporação ou a ordens do Judiciário.
Os documentos trocados desde março mostram que houve um frequente envio de informações da agência para a PF e o STF desde março, quando veio à tona a informação, publicada pelo jornal O Globo, de que a Abin havia usado o software FirstMile para monitorar a localização de pessoas.
Na última sexta-feira (20), a Polícia Federal realizou operação em investigação que apura a suspeita de que a agência usou o programa, durante o governo Bolsonaro, para monitorar ilegalmente celulares de jornalistas, políticos e adversários do ex-presidente.
Foram cumpridos 25 mandados de busca e apreensão e dois de prisão preventiva. Moraes determinou o afastamento de Paulo Maurício Fortunato Pinto, número 3 da Abin, e de outros quatro servidores.
Além das suspeitas sobre a gestão Bolsonaro —no período em que a Abin era comandada pelo hoje deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ)—, a investigação transcorre em meio a uma disputa nos bastidores do governo.
O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, e o diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, ocupam campos divergentes dentro do governo Lula (PT)
Os documentos obtidos pela Folha registram que do final de março a agosto deste ano a PF solicitou e recebeu da Abin uma série de documentos relacionados ao caso.
Em 24 de março, cerca de uma semana após a instauração do inquérito pela PF, a Abin enviou aos policiais cópia de investigações internas relacionadas ao caso e nomes de servidores que tiveram algum tipo de acesso à ferramenta israelense.
A Abin registra nesse ofício, entretanto, uma série de advertências sobre a necessidade de manutenção do sigilo das informações, tendo em vista que casos em que a FirstMile havia sido usada, em andamento ou já encerrados, “permanecem sob sigilo, seja por disposição legal, seja pela necessidade de manutenção da seguranças dos servidores” da Abin.
A agência ressaltava ainda que a divulgação de dados “representa risco para os servidores e seus familiares, além de risco para as ações de inteligência desenvolvidas pela Abin”.
Apesar disso, a Abin escreve ao final que “esta agência (…) imprimirá ao tema o tratamento urgente que a situação recomenda, na forma da legislação aplicável”.
No dia 11 de abril, a agência informou pela manhã à PF ter solicitado em 29 de março ao STF que determinasse à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e às empresas de telefonia o fornecimento à sua comissão de sindicância de acesso a dados cadastrais que permitissem a identificação dos números telefônicos monitorados pela agência.
“O objetivo da medida é evitar o trâmite da lista, ou seja, garantir que tal listagem permaneça, por motivos de segurança (da informação, dos servidores, das fontes humanas), apenas na Abin”, diz o documento assinado pelo número 2 da Abin, Alessandro Moretti.
Diante disso, a agência solicitou à PF que aguardasse decisão do STF (a corte não autorizou o acesso de dados cadastrais das telefônicas pela Abin) ou que a consulta fosse realizada na sede da agência, “de modo a evitar que lista com as informações desejadas circule antes da manifestação formal da Suprema Corte”.
Às 19h23 do mesmo dia 11, porém, a Abin enviou à PF novo ofício “contendo a lista dos registros originais de logs da ferramenta FirstMile”. Nesse mesmo dia, o pendrive com as informações foi enviado a Moraes no STF, com data de recebimento do dia seguinte.
Na nota pública que divulgou na sexta, a agência diz que “todas as requisições da Policia Federal e do Supremo Tribunal Federal foram integralmente atendidas pela Abin”, que “colaborou com as autoridades competentes desde o início das apurações”.
Do lado da PF, o argumento é que a investigação seguiu os trâmites normais e que se trata apenas de mais uma apuração contra a contaminação bolsonarista nas instituições.
Policiais afirmam que as buscas na sede da Abin eram necessárias para colher as informações pertinentes à apuração ainda em andamento.
Segundo apuração da Folha, a PF aponta que o software foi utilizado contra adversários de Bolsonaro.
O software permite acesso a dados de geolocalização, mas não o conteúdo dos aparelhos —ou seja, não possibilitaria que ligações ou conversas fossem grampeadas.
O FirstMile teria sido usado mais de 30 mil vezes no período em que foi utilizado —2019, 2020 e parte de 2021 (até maio). Desse total, 1.800 teriam como alvo políticos, jornalistas e adversários do governo Bolsonaro.
De acordo com reportagem do jornal O Globo publicada nesta segunda (23), o jornalista Glenn Greenwald e o ex-deputado federal David Miranda (PDT-RJ), que morreu em maio deste ano, foram espionados ilegalmente pela Abin durante a gestão Bolsonaro.
A Abin relata na documentação enviada à PF que computadores usados por servidores para utilizar a ferramenta passaram por formatação padrão, após a descontinuidade do uso da FirstMile, mas que os dados haviam sido salvos em servidores. Os aparelhos também foram enviados para perícia criminal na PF.
O Exército também adquiriu a ferramenta durante a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, que teve o general Walter Braga Netto (que depois se tornou ministro de Jair Bolsonaro) como comandante.
A Força se negou, porém, a dar explicações sobre a compra de softwares de inteligência com dinheiro do GIF (Gabinete da Intervenção Federal no Rio de Janeiro) e a finalidade do uso dessas ferramentas.
O Gabinete da Intervenção comprou o sistema da empresa Verint Systems, grupo israelense que tinha a fabricante do First Mile sob seu domínio.
A intervenção federal pagou quase R$ 40 milhões para o grupo israelense que possui o software. Não se sabe, porém, se o valor foi gasto somente com a aquisição desse programa ou se outros sistemas estavam inclusos.
*Com informações da Folha
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