Durante décadas, a Amazônia foi tratada como um território inesgotável. Essa imagem de “floresta infinita”, reforçada por políticas equivocadas e pela falta de planejamento, alimentou a ideia de que seus rios, árvores, solos e povos poderiam suportar qualquer intervenção humana. Mas essa narrativa de abundância eterna é uma ilusão que custa caro e que hoje nos coloca diante de uma crise socioambiental sem precedentes.
O mito da abundância infinita nasce da própria dimensão da região. São milhões de hectares de floresta, milhares de quilômetros de rios e uma diversidade biológica que impressiona o mundo. Porém, grandeza não significa invulnerabilidade. A floresta vive um equilíbrio delicado, mantido por processos ecológicos que podem ser rompidos com rapidez quando explorados de forma predatória. A imagem do “mato que nasce de novo”, repetida há décadas, já não se sustenta diante da velocidade atual do desmatamento, das queimadas e da degradação.
A lógica da exploração sem limites, seja por garimpo, grilagem, monoculturas ou ocupações irregulares, parte da falsa premissa de que sempre haverá mais terra, mais água, mais madeira. Mas estudos mostram que, quando o desmatamento ultrapassa determinados limites, o bioma perde a capacidade de regeneração e entra em um processo de savanização, ou seja, menos chuva, mais calor, solos empobrecidos, rios mais secos e perda irreversível de biodiversidade, um caminho sem volta.
Esse mito também ignora que a Amazônia não é apenas um conjunto de recursos naturais, ela é um sistema vivo, que interliga clima, economia e modos de vida. A crença na abundância infinita desconsidera os povos indígenas, ribeirinhos e comunidades tradicionais que vivem da floresta sem destruí-la. Desconsidera também que a floresta presta serviços ambientais globais, como regulação climática e produção de chuvas e que sua destruição tem efeitos sociais e econômicos que extrapolam o território.
A crise climática escancarou essa realidade. Rios que antes eram caudalosos hoje sofrem secas extremas; eventos climáticos imprevisíveis afetam transporte, pesca, agricultura e a segurança alimentar de milhões de pessoas. A floresta está emitindo mais carbono do que absorvendo em algumas áreas, um alerta gravíssimo de que o equilíbrio foi rompido.
Desconstruir o mito da abundância infinita significa reconhecer que a Amazônia exige gestão, ciência, planejamento e políticas públicas contínuas, não ações isoladas. Significa abandonar a visão extrativista predatória e investir em bioeconomia, manejo sustentável, pesquisa, tecnologia e valorização dos saberes tradicionais. Significa também cobrar responsabilidade das empresas, combater o greenwashing e fortalecer o licenciamento ambiental como instrumento de prevenção.
A Amazônia não é infinita. E justamente por isso é urgente tratá-la como o maior patrimônio socioambiental do Brasil. Proteger a floresta não é romantismo é estratégia de sobrevivência climática, econômica e humana. É entender que, se destruirmos a Amazônia, não seremos apenas espectadores de uma perda ambiental, seremos vítimas diretas de um colapso anunciado.

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