Nesta época do ano, o consultório costuma ficar mais silencioso, enquanto as casas ficam mais barulhentas. São confraternizações, encontros de família, amigos que não se viam há meses e mesas fartas. Nesse cenário, o consumo de bebida alcoólica aparece quase como personagem principal. E é justamente depois dessas festas que muitos pacientes chegam até mim, trazendo histórias que poderiam ter tido um desfecho diferente.
O álcool acompanha a humanidade desde os primórdios da civilização e sempre esteve associado a celebrações, rituais e momentos de prazer. No entanto, na medicina contemporânea, sabemos que seu consumo excessivo é reconhecido como uma doença. Mais do que isso, estudos recentes mostram que até mesmo o chamado “uso social” pode aumentar o risco de desenvolvimento de alguns tipos de câncer. Ainda assim, o número de pessoas que consomem álcool de forma frequente continua crescendo.
O que muitas vezes não é percebido é que o álcool está associado a uma série de doenças, tanto logo após o consumo quanto ao longo do tempo, pelo efeito cumulativo no organismo. Estima-se que, no mundo, cerca de três milhões de mortes por ano estejam relacionadas ao uso nocivo do álcool. É um número impressionante, mas que ainda passa despercebido no dia a dia.
Um dado que sempre chama minha atenção é o impacto precoce. Entre jovens de 20 a 39 anos, aproximadamente 13,5% das mortes estão ligadas ao álcool. Além disso, já está bem estabelecida a relação entre o uso nocivo e o aumento da incidência de doenças infecciosas, como tuberculose e HIV/AIDS, algo que muitos ainda desconhecem.
No consultório, vejo também os efeitos sobre a saúde mental. Transtornos comportamentais, dependência, quadros depressivos, além de doenças graves como cirrose hepática e problemas cardiovasculares. Sem contar as lesões fatais relacionadas a acidentes de trânsito, episódios de violência e suicídios, que infelizmente se tornam mais frequentes nesse período festivo.
O impacto não é apenas individual. O uso nocivo do álcool gera perdas econômicas e sociais importantes, afetando famílias inteiras e sobrecarregando os sistemas de saúde.
As festas de fim de ano são momentos de celebração e união, e devem continuar sendo. O alerta que deixo é simples: atenção ao consumo, especialmente ao excesso. Para que aquilo que começa como alegria não termine, semanas depois, em uma consulta marcada pela tristeza e pelo arrependimento.
Além dos efeitos diretos no corpo, percebo no consultório como o álcool interfere de forma silenciosa nas decisões. Sob sua influência, o senso crítico diminui e a percepção de risco fica comprometida. Não é raro ouvir relatos de discussões familiares, rompimentos afetivos e atitudes impulsivas tomadas durante as festas, seguidas por culpa e arrependimento. Muitas vezes, o dano não é apenas físico, mas emocional, atingindo relações que levaram anos para serem construídas. Gosto de reforçar que falar sobre álcool não é condenar a celebração, mas ampliar a consciência.

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