São Paulo (SP) – Partidos políticos destinaram nestas eleições R$ 50,6 milhões para 1.430 candidatos a deputado federal que não conseguiram nem 300 votos cada um. O alto emprego de dinheiro público em campanhas “sem voto” pode indicar candidaturas laranjas, como ocorrido em 2018. As informações são do Jornal Folha de São Paulo.
Em investigação da Folha, realizada com base no resultado das eleições e distribuição de legendas do fundo eleitoral e partidário, os jornalistas apuraram que vários desses casos envolvem mulheres e pessoas que se declararam negras. Pelas regras, os partidos têm o dever de direcionar verba pública a mulheres e negros na proporção dos candidatos lançados.
Esquema de candidatura laranja
O esquema de candidatura laranja consiste em inscrever nomes de fachada, ou seja, que não realizam ou simulam atos de campanha. O objetivo é aparentar o cumprimento da cota de gênero (todos os partidos devem ter, ao menos, 30% de candidatas) e racial (divisão de verbas de forma equânime entre negros e brancos), ao passo em que, na prática, o dinheiro é desviado para outras campanhas ou outros fins.
Em 2018, a Folha revelou que o então partido de Jair Bolsonaro, o PSL, havia organizado um esquema de candidatas laranjas para desviar dinheiro público de campanha. Na ocasião, apesar de figurar entre os 20 candidatos do PSL no país que mais receberam dinheiro público, 4 mulheres tiveram desempenho insignificante.
Juntas, receberam pouco mais de 2.000 votos, em um indicativo de candidaturas de fachada, em que há simulação de alguns atos reais de campanha, mas não empenho efetivo na busca de votos. Agora, em 2022, o custo médio do voto dado em candidatos à Câmara dos Deputados, eleitos e não eleitos, ficou em R$ 21,78 -resultado da divisão dos fundos eleitoral e partidário repassados pelo número de votos.
Em relação a um grupo de 100 candidatos com baixíssima votação, porém, cada sufrágio recebido “custou” R$ 1.000 ou mais aos cofres públicos. Para 29 desses, o custo foi superior a R$ 2.000 por voto.
Exemplos:
Sebastião Silva se candidatou a deputado federal em Rondônia pelo PP. Ele recebeu R$ 2,2 milhões do fundo eleitoral e teve só 570 votos. Até o momento, ele declarou R$ 1,8 milhão em gastos contratados.
O maior custo foi de R$ 600 mil com uma empresa de assessoria e consultoria de marketing eleitoral. Outros R$ 200 mil foram declarados como gasto para confecção de materiais de campanha.
Silva disse que não sabe explicar a sua baixa votação. “Infelizmente essa campanha está tão polarizada em extremismos que o resultado para mim foi uma surpresa. Inclusive candidatos no país inteiro que tiveram milhões de votos em 2018 nesta eleição não fizeram quase nada de votos”, disse.
Questionado sobre os altos valores que recebeu, Silva respondeu que não pediu para ser escolhido e que a ideia principal do fundo eleitoral é “dar condições de participação a todos, independentemente de ter um sobrenome de peso, de ser rico ou não, de todos terem igualdade na disputa”.
Em Roraima, Henrique Matos (Rede), candidato a deputado federal, recebeu R$ 550 mil de seu partido. Ele se autodeclarou pardo. Nos dados disponíveis no TSE constam mais de R$ 160 mil pagos diretamente para 59 pessoas físicas diferentes, a maioria com valores de, no máximo, R$ 6.000.
No total dos gastos já declarados, Matos afirma que gastou R$ 41 mil com “atividades de militância e mobilização de rua”, quase R$ 140 mil gastos com aluguel de carros e combustível e quase R$ 30 mil com publicidade. Mesmo assim, as urnas contabilizaram apenas 130 votos. A Folha o procurou por meio de mensagens e ligações, mas não conseguiu estabelecer contato.
O PSC do Tocantins cadastrou Gleyci Cosméticos como deputada federal há poucos dias do prazo final para oficializar candidaturas. No site do TSE, não há o endereço de nenhuma rede social. Ela recebeu R$ 550 mil de seu partido, mas conquistou pouco mais de 100 votos.
Em sua prestação de contas, não informou nenhum gasto, por enquanto. À Folha de S.Paulo ela disse que usou a verba para serviços de divulgação e advocacia, por exemplo, e prometeu enviar à reportagem os comprovantes, mas não o fez até a publicação deste texto. Quando questionada por que sua candidatura foi oficializada poucos dias antes do prazo final, afirmou que tinha problemas de documentação para resolver, mas interrompeu a ligação sem responder quais seriam.
A candidata Talita Laila Canal (PL-RR) recebeu R$ 200 mil do fundo partidário do partido de Jair Bolsonaro e só teve 11 votos. Poucos dias antes da eleição, protocolou na Justiça renúncia à sua candidatura.
Ela declarou gasto de R$ 50 mil com um escritório de advocacia e outros R$ 102 mil com materiais e outros itens de campanha. Procurada, Talita não quis se manifestar. O Pros teve dois candidatos no topo do ranking dos votos mais caros do país.
Raimundo Nonato da Silva se candidatou a deputado federal pelo Maranhão, recebeu R$ 300 mil do Fundo Eleitoral e teve apenas 10 votos -um custo de R$ 30 mil por voto.
Os exemplos citados pela folha, que não são os únicos, apontam o tamanho dos rombos em gastos públicos criados com o “Fundão Eleitoral”, em que políticos se beneficiam dos recursos, em nome da tal “igualdade de condições”.
- Com informações da Folha de São Paulo.
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