Natural da Amazônia, o pirarucu (Arapaima gigas) é um dos maiores peixes de água doce do planeta, podendo ultrapassar 3 metros de comprimento e pesar em torno de 200 quilos.
Nos últimos anos, pescadores têm registrado a presença desse “gigante” com cada vez mais frequência no rio Grande, corpo d’água pertencente à bacia do alto rio Paraná que banha os Estados de São Paulo e Minas Gerais. A preocupação é que pode haver desequlíbrio, ja que esse peixe pode comer as espécies menores.
A introdução de uma espécie não nativa e que se alimenta principalmente de outros animais aquáticos despertou preocupação de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) sobre os impactos nas relações ecológicas e na população local de peixes, estimulando a criação de projetos de pesquisa que investiguem as consequências da presença desse predador amazônico em águas da região Sudeste.
Os pesquisadores relatam que, até o momento, o pirarucu foi encontrado apenas em um trecho do rio Grande. Mais precisamente, entre as barragens da usina hidrelétrica de Marimbondo e da usina hidrelétrica de Água Vermelha, um segmento de aproximadamente 120 quilômetros em que o rio Grande divide os territórios de Minas Gerais e São Paulo.
Lilian Casatti, professora do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Unesp, em São José do Rio Preto, explica que as duas barragens, construídas nos anos 1970 para a produção de eletricidade, causam a diminuição da correnteza original do rio. Forma-se assim um ecossistema muito parecido com o hábitat natural do pirarucu na Amazônia, onde costuma ser encontrado em lagos de água formados pelo rio.
Peixes de grande porte como o pirarucu são bastante valorizados pelos produtores na aquicultura e muitas vezes são produzidos fora da sua bacia hidrográfica original. A fuga desses animais dos tanques de produção é a principal causa de introdução de espécies não nativas nos rios.
Escapes acidentais, como o ocorrido no rio Grande, já resultaram na introdução do pirarucu em sistemas aquáticos nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste do Brasil.
Espécie invasora?
Casatti explica que, uma vez que a presença do pirarucu nas águas do rio Grande já foi estabelecida, o fundamental neste momento é medir o real impacto da espécie no novo hábitat.
A professora faz questão de frisar que o fato de o pirarucu aparentemente estar se alimentando de espécies que também não são nativas não deve ser visto como uma licença para a sua introdução no local.
“Quando um peixe não nativo é introduzido, não vem sozinho. Chega com ele um pool de parasitas que estão presentes nesse organismo e também podem causar impactos que devem ser medidos. Por isso é importante o desenvolvimento de pesquisas sobre o tema”, aponta.
Lidiane Franceschini, pesquisadora do campus da Unesp em Ilha Solteira, é responsável por um projeto que irá investigar os efeitos da chegada do pirarucu ao rio Grande.
“O conhecimento sobre os efeitos da invasão do pirarucu na bacia receptora ainda é incipiente, informações sobre aspectos biológicos da espécie e fatores que possam influenciar o sucesso do seu estabelecimento na nova área são essenciais para subsidiar medidas de manejo local da espécie”, explica a pesquisadora.
Um projeto de pós-doutorado, que terá a colaboração de pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Universidade de Valência, na Espanha, foi aprovado e receberá financiamento da FAPESP.
Franceschini explica que o pirarucu é uma espécie predadora de perfil carnívoro generalista ou onívoro, que costuma ocupar o topo da cadeia alimentar. Na ausência de predadores naturais ou espécies concorrentes, como pode ser o caso do rio Grande, o pirarucu pode causar extinção local de espécies de peixes e invertebrados e competir por recursos ambientais com outras espécies, além de introduzir novos parasitas nas espécies nativas.
Pescada-amazônica
A situação não seria inédita. Desde o ano de 2020, o doutorando Aymar Orlandi Neto vem avaliando os impactos causados pela introdução da pescada-amazônica, também conhecida como corvina de rio (Plagioscion squamosissimus), no reservatório do rio Jaguari. A partir do projeto, também apoiado pela FAPESP, já foi possível constatar o sucesso na adaptação, tornando-se o predador mais abundante e ao qual é atribuída a redução da riqueza e da diversidade de espécies nativas no local.
Franceschini explica que impactos semelhantes já foram registrados na literatura científica em relação à introdução de tucunarés (Cichla ocellaris).
Uma vez introduzidos no ambiente aquático, reverter essa situação é quase impossível, apontam as especialistas. “Atualmente, a principal medida de contenção dessas espécies introduzidas é a liberação da pesca esportiva e artesanal profissional durante todo o ano, medida insuficiente para conter tais invasões biológicas”, lamenta a pesquisadora.
Diante da dificuldade de reverter a introdução, Cassatti chama a atenção para que autoridades, moradores e pescadores se esforcem para que o pirarucu não escape novamente para outros corpos aquáticos da região. Próximo a esse trecho do rio Grande, explica a professora, está localizado o rio Turvo, um dos poucos do Estado de São Paulo que ainda não têm em seu percurso barramentos para represar a água
“O pouco que ainda existe de peixes nativos nesta bacia está sobrevivendo por conta da ausência dessas barragens e pela existência de lagoas marginais no rio Turvo que servem como verdadeiros berçários para as espécies nativas”, destaca.
A professora defende também que os aquicultores cultivem apenas espécies de peixes nativas da região onde estão localizados os tanques para criação, de forma a evitar escapes e novas introduções indesejadas de espécies.
“O Brasil é um dos países mais diversos do planeta e abrigamos mais de 5 mil espécies de peixes. Não há necessidade de criarmos espécies que não são nativas da própria bacia em que está localizada a produção”, destaca.
* Com informações do Jornal da Unesp.
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