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Democracia brasileira

Golpes e interrupções marcam democracia no Brasil

A historiografia mostrou movimentos e embates de resistência pela permanência dos princípios democráticos no país, que serão apresentados ao longo de uma série de reportagens do Em Tempo sobre a democracia brasileira

Foto: Divulgação

Manaus (AM) – Há menos de uma semana, o Brasil concluiu mais um pleito eleitoral, dando continuidade ao processo democrático brasileiro. Apesar de poucos anos da consolidação da democracia no país – ainda pode-se dizer que, comparado a outros países, somos iniciantes no assunto – nossa história é marcada por interrupções e golpes.

Ao mesmo tempo, a historiografia também mostrou movimentos e embates de resistência pela permanência dos princípios democráticos no país, os quais serão apresentados ao longo de uma série de reportagens do Em Tempo sobre a democracia brasileira.

De origem grega, a palavra democracia significa “o governo do povo”, ou seja, consiste na participação popular no espaço político para além do processo eleitoral.

Conforme o historiador Aguinaldo Figueiredo, a democracia é muito mais do que tirar um título de eleitor e escolher um representante.

“A democracia é um processo de participação total. É um processo universal, onde as pessoas, além do direito de escolher os representantes, têm o direito e acesso aos benefícios sociais, aos benefícios do estado, que cobra o imposto, para que o povo tenha esses benefícios, como acesso à saúde, à educação de qualidade, à segurança, ao trabalho, ao lazer, e à cultura”,

afirmou.

Para o cientista político Carlos Santiago, um dos maiores desafios da democracia no país é a garantir qualidade de vida para toda a sociedade, assim como desenvolvimento social e econômico.

“O próximo passo é avançar no sentido de trazer mais igualdade econômica, trazer mais prosperidade para sociedade, no sentido de que tenhamos um sistema de governo extremamente moderno e avançado, e uma sociedade plena de felicidade e de realizações”

O deputado federal Marcelo Ramos (PSD) compreende que a democracia não nasce pronta. Ainda que o Brasil tenha passado por diversos períodos democráticos, hoje o país carrega o mais longo período democrático, que reflete sua maturidade.

“A própria primeira república foi uma república muito complicada, com vários fechamentos do congresso, com vários momentos de crise. Depois tivemos a interrupção da Era Vargas, a interrupção da Ditadura Militar e vivemos agora o mais longo período democrático da história nosso país. Eu considero que a nossa democracia vive um momento de maturidade, porque ela foi duramente testada e resistiu”.

O deputado estadual Serafim Corrêa (PSB) também destacou que o país passou por golpes contra as instituições, porém destacou que todas as interrupções contra a democracia brasileira foram superadas.

“A democracia no Brasil ainda é frágil, mas o período da Constituição de 1988 é o mais longo de história da democracia brasileira, e nós democratas continuaremos a defender isso”.

Do Brasil Colônia à República

As eleições acontecem no Brasil desde a época da colônia, nas Câmaras Municipais. Porém, eram restritas apenas para um grupo seleto de pessoas. De acordo com Figueiredo, os representantes políticos permitidos para serem escolhidos eram apenas os “senhores de bem da sociedade”.

“Os senhores de bem significavam os senhores mais ricos. Portanto, era uma escolha censitária, e os pobres ficavam de fora”.

No Brasil império, que perdurou de 1822 a 1889, a constituição também estabeleceu a mesma escolha de governantes, e de pessoas que iriam desenvolver a legislação, o qual os mais pobres ficavam apartados do processo eletivo. Mulheres, analfabetos, negros escravos e alforriados, militares e sacerdotes também não podiam participar das eleições.

“Inclusive, na constituição da mandioca, as pessoas que tinham direito de se candidatar e de votar tinham que apresentar um valor de rendimento acima de 450 kg de farinha”, disse Figueiredo.

Já na República, que iniciou em 1889, foram realizadas as primeiras eleições para presidente. Conforme o historiador Aguinaldo Figueiredo, o processo eleitoral para a presidência, durante esse período, era indireto, ou seja, a população não escolhia o representante, mas sim um colégio eleitoral.

O primeiro presidente eleito foi Marechal Deodoro em 15 de novembro de 1889. Dois anos depois, foi derrubado por seu vice-presidente, o Floriano Peixoto.

Conforme o historiador, um momento marcante na construção da democracia no Brasil foi a realização da primeira eleição para civis, em 1894. Ao mesmo tempo, ainda se perdurou a limitação de pessoas que tinham o direito de votar e se candidatar, como negros, pobres e analfabetos.

“Os partidos eram oligarquias, eram grupos de fazendeiros, e de grandes homens de negócios da república. Então, os mais pobres tinham pouco acesso”,

afirmou.

No período da República das Oligarquias no Amazonas, as eleições foram perpassadas por violência. De acordo com o historiador, as fraudes no processo eleitoral eram constantes, o que despertava conflitos e embates violentos.

“Na verdade, não existia democracia, era uma democracia caricata. Eram grupos oligárquicos disputando o poder e se alternando. Ora um grupo vencia a eleição fraudulenta e violenta, e a oposição não se inconformava. Em dados momentos, houve embates, conflitos e violência com ocorrência de morte”, destacou.

Interrupções na democracia

O historiador ressalta que as rupturas e golpes que aconteceram no Brasil não se restringem apenas à Era Vargas e à Ditadura Miliar. O período que extingue a República Velha, a chamada Revolução de 1930, também foi um golpe de Estado.

Com a ruptura instaurada pelo golpe de 30, surge o Governo Provisório que cria uma nova constituição que trará novos avanços democráticos, como a inclusão da participação da mulher nas eleições.

Já em 1937 há um “autogolpe” estabelecido por Getúlio Vargas, no Estado Novo, que se escolheu indiretamente como presidente ao alegar ameaças comunistas. “Ele mesmo se dá um golpe, se assume como um ditador, faz a carta do Estado Novo, e fica até 1945 quando é derrubado pela mesma junta militar que havia colocado ele no poder em 1937”, explicou.

Vargas colocou interventores em cada unidade da federação, conforme o historiador Daniel Sales. No Amazonas, conforme o historiador Daniel Sales, assume o governo o professor Álvaro Maia. “Ele fica até 1955 quando entra Plínio Coelho pelo voto direto”.

Ainda de acordo com Daniel Sales, todos os poderes da república eram de Getúlio Vargas, inclusive o judiciário. Nesse período, os governadores e interventores nomeavam seus prefeitos. “No Amazonas não foi diferente, o prefeito de Manaus era irmão do governador e interventor Álvaro Maia, e se chamava Antônio Maia”, disse.

Em 1946, há uma nova constituição que restaura as eleições. Em 1950 Getúlio volta ao poder, porém, diante de um governo turbulento, acaba cometendo suicídio. Já em 1964 ocorre a brutal ruptura da democracia com a derrubada do presidente João Goulart.

“Há todo o processo de corrimento da democracia, com o voto vinculado, com o Pacote de Abril, com intimidações, e com prisões de pessoas da oposição”, relembrou Figueiredo.

Democracia em processo

Para o historiador Otoni Mesquita, a democracia brasileira ainda é um processo, o qual se reformula todos os dias, seja por novas exigências ou por novas necessidades conjunturais.

“É verdade que desde o princípio, nós tivemos uma orientação muito autoritária, muito pouco democrática e isso influenciou as grandes famílias, as capitanias, todas as formas de governo que se estabeleceram por séculos. São aspectos muitos possessivos, hereditários, da relevância, da importância e do privilégio. Isso é algo que persiste, apesar de toda legislação, de todas as lutas, de todas as vidas que foram ceifadas em lutas por essas questões”.

Mesmo com as interrupções na democracia brasileira, o historiador Juarez Clementino não considera a democracia brasileira frágil, pois compreende que o sistema democrático no país persistiu ao longo dos anos aos ciclos antidemocráticos.

“O que ocorre é que historicamente há ciclos mundiais ou regionais em que o autoritarismo ganha suporte popular por ‘N’ motivos, enfraquecendo por demais os institutos democráticos, o inverso também ocorrendo”.

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