Após a bancada evangélica decidir como será a definição das lideranças, com Silas Câmara (Republicanos) na frente da bancada no segundo semestre, a nova preocupação da frente religiosa é como ela vai se articular em relação ao novo governo.
A questão, a partir de agora, é saber como o bloco religioso vai se posicionar ante a volta da esquerda, após quatro anos em clima de lua de mel com o bolsonarismo. Vai partir para a guerra, fincando estaca como oposição contumaz, ou tremular a bandeira branca, contemporizando quando possível para construir uma relação de relativa paz com o governo da vez?
O grupo decidiu que os dois adversários que rivalizaram no pleito evangélico vão revezar na liderança: no primeiro semestre assume Eli Borges (PL-TO), no segundo, Silas Câmara (Republicanos-AM). O mesmo arranjo vale para 2024.
Houve um entendimento nos bastidores de que, após Jair Bolsonaro ver o sonho da reeleição ir a pique, seu partido sofreu perdas em série no Legislativo. O PL até elegeu uma boa bancada, mas o comando da Câmara e do Senado ficou com pessoas eleitas com apoio do PT: Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Tem mais: a comissão mais importante da Casa dos deputados, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), deve ser presidida pelo petista Rui Falcão.
A ideia de dar a Eli Borges, que em abril selou seu pacto com Bolsonaro ao trocar o Solidariedade pelo PL, os primeiros seis meses à frente da bancada seria uma espécie de prêmio de consolação.
Solicitada por pares, a candidatura de Silas Câmara veio como uma forma de sinalizar que a bancada tem, sim, interesse em manter uma relação cordial com o novo Palácio do Planalto. Ele teria mais jogo de cintura para lidar com os emissários de Lula, avaliam colegas. Há muito em jogo, como a regulamentação da PEC que isenta de IPTU imóveis alugados por templos religiosos.
Parlamentares evangélicos ficaram em júbilo quando ela foi aprovada, em 2022, mas Bolsonaro nunca a regulamentou. Espera-se, agora, que Lula o faça.
O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) já conversou com membros da frente sobre o tema. Ele tem sido o principal interlocutor do governo com eles.
Muitos dos congressistas dessa ramificação cristã vêm de partidos que ou já estão na base governista ou podem futuramente aderir a ela. Caso do Republicanos de Silas Câmara e de Marcelo Crivella, ex-ministro de Dilma Rousseff que depois se voltou contra o PT. Sua igreja, a Universal do Reino de Deus, foi uma das últimas a abandonar a aliança com o partido antes do impeachment de Dilma, em 2016.
Há, por outro lado, dúvidas sobre como será a dinâmica dessa turma inclinada ao centrão, que não se sente à vontade de jogar lenha na fogueira, com uma ala mais ideológica dos crentes.
O estreante Nikolas Ferreira (PL-MG), recordista de votos para a Câmara, é um dos cães de guarda mais ativos do bolsonarismo.
Carla Zambelli (PL-SP) disse que pretende participar da bancada. Ela oscilou nos últimos anos entre o catolicismo e o evangelicalismo. Havia se convertido evangélica, mas em agosto contou à Folha que ainda estava na dúvida. “Sofri um baque nesta semana, conheci a imagem da Nossa Senhora que chora.”
Também se declaram evangélicos um trio de novatos sob investigação por supostamente incentivar os atos antidemocráticos que depredaram Brasília no 8 de janeiro: Clarissa Tércio (PP-PE), Sílvia Waiãpi (PL-AP) e André Fernandes (PL-CE).
Diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião, Ana Carolina Evangelista lembra do fisiologismo que historicamente envolve a bancada, mas aponta efeitos colaterais da chegada de Bolsonaro ao poder.
“Desde 2018, o bloco extrapolou a sua agenda focada nas pautas tradicionais do ativismo religioso de cunho conservador e está embarcando nas agendas da extrema direita de forma mais ampla: restrições ao papel do Estado, segurança pública mais punitivista e conservadorismo moral na educação”, disse.
A ver a disposição da frente que inicia em 2023 de comprar essas brigas.
Um ponto é pacífico na bancada: nem todos concordam sobre o grau de afabilidade a ser reservado para uma gestão à esquerda, mas a chamada agenda de costumes não deverá ser flexibilizada em nome do bom relacionamento com o governo.
A meta é formar uma barreira contra o avanço de pautas progressistas, sobretudo as ligadas a aborto e a pessoas LGBTQIA+. Há, contudo, a percepção de que Lula vai segurar a onda esquerdista ao menos no primeiro ano de seu terceiro mandato, enquanto manobra para solidificar uma base de apoio no Congresso.
O cientista político Vinicius do Valle, diretor do Observatório Evangélico, lembra que Lula e evangélicos já estiveram em melhores termos no passado. As rachaduras, no entanto, estavam lá, como na grita conservadora contra projetos para combater a homofobia.
O ponto de inflexão, para o cientista político, foi a barulhenta ida de Marco Feliciano (PL-SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, em 2013. Sob bombardeio de ativistas dos direitos humanos, ele chegou ao cargo após um acordo partidário aceito pelo PT.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS), então ministra de Direitos Humanos, chegou a acusar Feliciano de incitar o ódio. Mas hoje é um novo tempo de um novo dia que começou, e Rosário tem aparecido em eventos do bloco evangélico para ensaiar uma reaproximação.
Para Valle, a nova bancada não terá atuação uniforme, “e não dá para esperar que fosse diferente”. Duas vertentes devem se chocar: “Uma quer se aproximar pontualmente do governo, e a outra, fazer o exercício enfático de oposição”.
Enquanto isso, o novo presidente da frente faz planos. Quer mobilizar os seus para ocupar cargos em comissões que julga estratégicas, como as de Direitos Humanos e Educação. Assim evitaria o erro passado de ter uma bancada grande, mas sem força para barrar as pautas da esquerda.
Traça uma meta mais ambiciosa. “A igreja tem portas abertas, quem sabe [Lula] não aceita Jesus como salvador. Seria muito bom.” O presidente é católico.
* Com informações da Folha de São Paulo
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