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Entrevista

“A comarca tem recebido um número alarmante de processos contra instituições financeiras”, diz juiz de Codajás

O juiz Geildson de Souza Lima, em entrevista exclusiva ao Em Tempo, conta que a Justiça do município tem realizado vários esforços e traçando estratégias para atender ao número crescente de demandas contra os bancos

Juiz Geildson de Souza Lima, titular da Vara Única da Comarca de Codajás Foto: Divulgação

Codajás (AM) – O juiz titular da Vara Única da Comarca de Codajás (a 240 quilômetros distante de Manaus), Geildson de Souza Lima, conta que a Justiça do município tem realizado vários esforços e traçando estratégias para atender ao número crescente de demandas contra os bancos. Ele destaca que a vara tem cumprido as metas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) todos os anos desde que ele assumiu. No total, segundo o juiz, foi reduzido o acervo para pouco mais de 2.400 processos.

Em entrevista concedida ao Em Tempo, o juiz também revela que a maior conquista da Comarca foi o número de alvarás expedidos, superior à média das outras comarcas de mesmo porte. Além disso, um marco histórico importante para a cidade de Codajás é a realização da sessão do tribunal do júri, que há 20 anos não era realizada. Outro ponto importante mencionado pelo magistrado foi o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher e também a diminuição considerável nos crimes contra as mulheres e crimes sexuais. Confira a entrevista:

Em Tempo: Como o senhor encara o desafio de estar à frente do município de Codajás, no Fórum Desembargador Paulino Gomes?

Geildson de Souza: Trabalhar na comarca de Codajás tem sido muito gratificante para mim. Da mesma forma que nas outras comarcas do interior, existem dificuldades no que tange a servidores, internet e ausência de outras instituições importantes, o que faz com que o magistrado acabe assumindo um papel de muito destaque no meio social. Contudo, é uma comarca de fácil acesso, com Fórum recém reformado e com uma estrutura física suficiente, o que tem contribuído para que nossa equipe tenha cumprido as metas do CNJ todos os anos desde que assumi.

Nosso maior desafio hoje é a grande quantidade de processos que são distribuídos anualmente, talvez a maior distribuição de processos em uma comarca de vara única no Estado, mas, ao mesmo tempo, é bom saber que tantos litígios estão sendo resolvidos pelo judiciário.

ET: A comarca de Codajás tem alcançado inúmeras metas que a tornam uma das varas mais ágeis, atuantes e sobretudo em consonância com o projeto idealizado pelo Conselho Nacional de Justiça, observa-se a dedicação da comarca e dos servidores. Os moradores tecem muitos elogios ao empenho da comarca. O senhor acredita que as perspectivas de 2023 será diminuir ainda mais o acervo processual?

Geildson de Souza: Quando assumi a comarca de Codajás, no dia 23 de janeiro de 2019, eu recebi a comarca com mais de 3.800 processos, inúmeros deles referentes a Meta 2 do CNJ, ou seja, processos antigos com mais de 3 anos de tramitação. Logo no ano de 2019 tivemos um grande problema social que foi a crise no abastecimento de energia elétrica na comarca, o que fez com que milhares de processos fossem distribuídos contra a Amazonas Energia. Para ter uma ideia, só em face da Amazonas Energia foram distribuídos em 2019 mais de 1.700 processos, o que fez com que naquele ano houvesse uma distribuição de cerca de 3 mil processos na comarca. Desde lá, a comarca tem recebido uma distribuição de cerca de 2 mil processos anuais e, mesmo assim, hoje reduzimos nosso acervo para pouco mais de 2.400 processos, a maioria deles já sentenciados e em fase de execução.

Em outras palavras, hoje a comarca de Codajás tem um acervo ativo de processos que equivalem praticamente ao número de processos que foram distribuídos apenas no ano de 2022, o que demonstra a eficiência da vara em julgar e encerrar processos. No ano de 2023 nossa meta é fazer com que a comarca tenha um acervo ativo de menos de 2 mil processos, o que seria um feito histórico diante do quadro atual que vive o judiciário amazonense, que vem recebendo um número crescente de processos especialmente contra instituições financeiras.

ET: Em média, em 2022, quantos processos foram recebidos e atendidos pela Comarca de Codajás?

Geildson de Souza: No ano de 2022, a comarca de Codajás recebeu 514 processos no Juizado Especial Cível; 105 processos no Juizado Especial Criminal; 280 processos na Vara de Família; 4 processos na Vara da Infância Infracional; 8 processos na Vara da Infância e Juventude Cível; 419 processos na Vara Cível; 79 processos na Vara de Registro Públicos; 293 na Vara Criminal Comum; e 121 processos no Juizado de Violência Doméstica, sem falar dos processos distribuídos no plantão e na Central de Inquéritos. Ou seja, foram distribuídos mais de 1.823 processos, uma distribuição menor que nos anos anteriores onde estive à frente da comarca de Codajás. Em contrapartida, foram sentenciados 798 processos no Juizado Cível; 169 processos no Juizado Especial Criminal e 1066 processos na Justiça Comum, totalizando 2.033 processos sentenciados no ano de 2022, o que explica o fato da Comarca de Codajás está diminuindo o acervo processual a cada ano que se passa. Mas, essa não foi nossa maior conquista em Codajás.

Para nós, a maior conquista da Comarca foi o número de alvarás expedidos, número bem superior à média das outras comarcas de mesmo porte, o que demonstra que a comarca vem conseguindo efetivamente cumprir sua função e demonstrar efetividade.

ET: O que o senhor considera como um marco ou uma grande evolução para a Comarca de Codajás que foi alcançada nestes últimos meses?

Geildson de Souza: Estamos melhorando a cada ano e cada dia buscamos priorizar pontos específicos de atuação. Sem sombra de dúvidas, a quantidade de alvarás expedidos na comarca foi um marco importante de evolução, pois priorizamos dar efetividade às decisões judicias, fazendo com que as pessoas efetivamente recebessem os seus direitos, e não apenas que os processos fossem sentenciados. Contudo, entendo que a grande evolução se deu na seara criminal.

No ano de 2022 conseguimos, depois de enfrentar os problemas causados pela pandemia, realizar juris na comarca depois de mais de 20 anos, acontecimento que teve um grande engajamento popular e levou a Justiça para mais perto da população. Esse foi um marco histórico importante para a cidade de Codajás, que há mais de 20 anos não realizava uma sessão do tribunal do júri.

Outro ponto importante foi o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, com realização de vários mutirões nos processos dessa natureza, e o enfrentamento aos crimes sexuais contra menores de idade, especialmente estupro de vulnerável. Hoje é possível perceber que houve uma diminuição considerável nos crimes contra as mulheres e crimes sexuais, fato que considero de extrema importância e que mostra a relevância da atuação do Poder Judiciário.

ET: Quais pontos o senhor tem buscado priorizar em sua gestão?

Geildson de Souza: A prioridade da minha gestão é dar efetividade as decisões, ou seja, fazer com que a pessoa que busca o judiciário realmente receba o direito que tem, não recebendo apenas uma sentença. Em termos de instituição, a prioridade de nossa gestão é sempre reduzir o acervo processual e alcançar as metas do Conselho Nacional de Justiça, o que temos conseguido todos os anos.

ET: Com vasta experiência no município, como o senhor avalia as principais demandas recebidas pela Comarca?

Geildson de Souza: Hoje, a maior demanda recebida na Comarca é contra o próprio município, questões relacionadas ao recebimento de direitos laborais, como férias e verbas remuneratórias não pagas, além da busca por direitos como pagamento de piso salarial. No âmbito do Juizado Especial, a Comarca tem recebido um número alarmante de processos contra instituições financeiras e temos presenciado com bastante preocupação a prática de advocacia predatória, que é o ajuizamento em massa de ações genéricas por escritórios de advocacia, situação que vem colapsando o judiciário e dificultando de forma desproporcional a atividade judicial.

Contudo, estamos realizando vários esforços e traçando estratégias para atender ao número crescente de demandas contra os bancos, sendo importante destacar que esse problema é de nível estadual ou talvez nacional e, em nossa opinião, deve ser devidamente analisado pelas presidências dos tribunais e também pelo próprio Conselho Nacional de Justiça.

ET: Recebemos aqui de Codajás também diversos problemas de consumidores com instituições bancárias, principalmente o Bradesco, principalmente relacionadas a cestas de serviços e tarifas. Punições mais severas seriam necessárias?

Geildson de Souza: Hoje, sem sombra de dúvidas, o Bradesco é a instituição privada que mais ocupa o polo passivo das demandas judiciais no Estado do Amazonas, e também a que mais recebe condenações. Isso ocorre porque o Bradesco é o banco com mais atuação no interior do Estado, havendo municípios onde esse banco é a única opção para o consumidor. No entanto, hoje vem aumentando o número de ações contra praticamente todos os bancos, especialmente no que tange a empréstimos concedidos indevidamente atrelados a cartões de créditos.

Acredito que nas ações individuais as punições ao banco já são suficientes, pois em regra os bancos são condenados a pagar o dobro do que descontou indevidamente do consumidor, muitas vezes com a condenação também em danos morais, e uma punição maior causaria o enriquecimento ilícito das partes. Já vi exemplos onde o banco descontou menos de mil reais indevidamente do cliente e depois teve que pagar ao mesmo mais de 20 mil reais, o que na minha opinião é desproporcional.

Ações individuais não resolverão o problema e não vão fazer com que as instituições financeiras parem ou mesmo diminua essa prática ilegal, pois compensa financeiramente para o banco realizar descontos indevidos nas contas dos consumidores diante da ínfima quantidade de pessoas que entram na Justiça para buscarem seus direitos em comparação com a quantidade de pessoas que sofrem descontos indevidos.

Para o banco arcar com as condenações individuais e manter a prática ilegal ainda é bastante lucrativo. Exatamente por isso entendo que essa situação dos bancos deve ser enfrentada como crise social e vista como uma agressão a direitos difusos ou coletivos que exige a atuação não apenas do judiciário, mas sim de todos os Poderes da República e de instituições como o Ministério Público e Defensoria Pública, especialmente porque hoje, infelizmente, também existem inúmeros escritórios de advocacia que estão captando indevidamente clientes para entrar com ações contra os bancos, o que vem colapsando o sistema de Justiça como um todo.

Se não houver uma atuação urgente de todas as instituições para combater essa prática, como é feito em outros países, chegará ao ponto do Judiciário perder a capacidade de solucionar conflitos e entrar em verdadeiro colapso, realidade que já acontece com algumas varas no Estado do Amazonas.

ET: Conte um pouco da sua trajetória profissional, porque escolheu ser juiz, quais suas experiências anteriormente e quanto tempo está na Comarca de Codajás.

Geildson de Souza: Como costumo brincar com os colegas, eu já fui praticamente tudo dentro de um fórum de Justiça. Comecei minha carreira profissional como estagiário de um juiz de Pernambuco que considero fonte de inspiração, chamado Tito Lívio de Araújo Monteiro. Também estagiei em escritórios de advocacia, carreira que sempre foi minha paixão e que achei que exerceria por toda vida. Fui técnico judiciário e depois analista do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, onde inclusive passei a ser assessor jurídico do magistrado mencionado anteriormente.

Depois de alguns anos como assessor, resolvi abandonar o concurso público e seguir aquilo que eu achava ser minha vocação, que era a advocacia. Como advogado fui procurador de junta comercial e depois procurador municipal, e na advocacia me destaquei especialmente na área cível e empresarial. Depois de algum tempo na advocacia comecei a acreditar que como magistrado eu poderia fazer mais pela sociedade e percebi que minha verdadeira vocação não era advogar, pois sentia muita falta do tempo que passei como assessor.

Por outro lado, a maioria dos meus colegas acreditavam que eu, por ter um perfil mais técnico e menos político, me aconselhavam a ingressar na magistratura, o que também era desejo do meu falecido pai. Por isso, e também por ser oriundo de uma família humilde, decidi começar a estudar para a magistratura, profissão que hoje percebo que nasci para exercer. Em 2017 fui nomeado para o cargo de magistrado do Tribunal de Justiça do Amazonas e desde então já trabalhei em diversas comarcas, a exemplo de Benjamim Constant, Caapiranga, Manacapuru e Codajás, onde estou desde o ano de 2019.

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