A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, visitou na última semana, presídios em cinco estados para rever práticas do sistema carcerário e analisar possíveis medidas para desafogar os presídios brasileiros.
O mutirão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que passou por Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Bahia, Minas Gerais e São Paulo, também prevê uma revisão de 100 mil processos judiciais, em um esforço para que as análises sejam feitas em um mês, na esperança de melhorar, pelo menos em parte, a difícil situação carcerária no Brasil.
O objetivo é analisar, entre outros, casos de prisões provisórias com mais de um ano de duração, penas que estejam sendo cumpridas em regime mais grave do que o decidido pela Justiça e o tratamento a gestantes, mães, pais e responsáveis por menores de 12 anos. Atualmente, o Brasil é o terceiro país com a maior população carcerária do mundo.
Dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) indicavam um total de 832,2 mil detentos no sistema penitenciário em dezembro de 2022, dos quais 642.638 estavam em celas físicas nas 27 unidades da Federação.
No ranking mundial, o Brasil só fica atrás dos Estados Unidos (1,7 milhão de presos) e da China (1,69 milhão), superando países como Índia (554 mil presos) e Rússia (433 mil), de acordo com o banco de dados The World Prison Brief, da Birkbeck, Universidade de Londres. Só para se ter uma ideia, a população carcerária da Alemanha, que tem pouco mais de 56 mil presos, corresponde a menos de um terço do déficit de vagas do sistema carcerário brasileiro, que chega a 171 mil.
O número de detentos que excedem as vagas nas prisões brasileiras também é similar ao total de presos provisórios em celas físicas – 179 mil, mais de um quarto das pessoas em celas físicas. Presos provisórios são aqueles que cumprem pena sem ainda terem tido uma condenação pela Justiça. Ou seja, caso os 100 mil processos revistos no mutirão liderado por Rosa Weber resultem em solturas, ainda assim o problema da superlotação não seria resolvido.
Problema muito maior
Segundo a Irmã Petra Silvia Pfaller, coordenadora da Pastoral Carcerária, vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e que acompanha a situação nos presídios brasileiros, o problema vai muito além.
“O atraso do processo criminal para receber uma sentença é muito grave. Tem pessoas que têm de cinco a oito anos de cumprimento de pena e não conseguem sair porque o processo não anda, não está feita a liquidação de pena. Tem pessoas que já deveriam estar no semiaberto, mas continuam no fechado porque não são liberados. São casos de prisões ilegais”,
diz Pfaller, que estima um percentual ainda maior, entre 40% e 60%, de presos provisórios nos estados brasileiros.
A coordenadora da Pastoral Carcerária vê a superlotação como um reflexo de uma “política criminal vingativa”. Segundo Pfaller, que afirma que a entidade foi “pega de surpresa” pelo mutirão liderado por Weber, a solução não passa pela construção de mais presídios, mas pelo desencarceramento.
Ainda segundo os dados do Senappen, das pessoas que estavam em celas físicas pelo Brasil até dezembro de 2022, 95,71% eram homens. Nos dois gêneros, pretos e pardos correspondiam a 67,22%. No que diz respeito às infrações cometidas, 39,86% das pessoas em regime fechado estavam presas por crimes contra o patrimônio; 27,75% se enquadravam na Lei de Drogas; e 15,77% haviam cometido crimes contra a pessoa. Crimes contra a dignidade sexual correspondiam a 6,38% das prisões em celas físicas.
Sistema punitivo e pouco efetivo
Professor da FGV Direito Rio, Thiago Bottino afirma que um dos principais problemas é o fato de a maior parte das prisões serem por crimes patrimoniais de baixo valor e sem violência, que não deveriam pressionar o sistema carcerário brasileiro.
Segundo ele, o critério de prisão durante o processo é distinto da prisão como pena – a primeira, está relacionada aos riscos de fuga, destruição de provas e ameaças, e é “banalizada”, diz. Bottino também elenca como problemática a dificuldade de gestão de processos do sistema judiciário como um todo, que, segundo ele, gera uma pilha de processos.
Retroalimentando o crime
Na mesma linha, a Irmã Pfaller, da Pastoral Carcerária, afirma que o modelo de prisão atual não funciona.
“Gera mais violência, mais e mais violência. Quem entra nesse sistema prisional entra num círculo violento enorme. A pessoa é traumatizada psicologicamente a partir do momento que a polícia, especialmente a militar, coloca as algemas. E isso também envolve a família, inclusive com revistas vexatórias, o desnudamento dos familiares que existe ainda em muitos presídios, apesar de ser proibido”, descreve ela,
que vê nos presídios locais de “tortura cotidiana”, com agressões físicas, falta de atendimento digno à saúde, péssimas condições de alimentação e racionamento de água.
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