Apenas três semanas após a apresentação formal do pacote de contenção de gastos pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Congresso Nacional concluiu nesta sexta-feira (20) a aprovação das propostas, tidas como necessárias para manter a sustentabilidade do arcabouço fiscal nos próximos anos.
A rapidez, porém, veio acompanhada da desidratação das medidas, antes já consideradas tímidas e insuficientes pelo mercado. O saldo final coloca em xeque a capacidade do governo de reduzir as incertezas fiscais e indica, segundo economistas, que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) precisará travar novas batalhas (internas e externas) para domar a trajetória das despesas obrigatórias.
O governo nega que tenha havido desidratação das medidas, concebidas inicialmente para gerar uma economia de R$ 71,9 bilhões em dois anos. Especialistas, por sua vez, avaliam que as mudanças aprovadas não são desprezíveis.
Além disso, desde sua origem, o pacote foi idealizado para melhorar a composição da despesa, com menor crescimento das obrigatórias e maior sobrevida para investimentos públicos, mas não reduz o gasto total da União. Se por um lado isso ajuda a sustentar o arcabouço e evitar uma deterioração ainda mais rápida do quadro fiscal, por outro não significa que a dívida pública passará a cair mais rapidamente.
Na tramitação do pacote, os parlamentares blindaram emendas obrigatórias contra bloqueios, afrouxaram o comando para combater supersalários, derrubaram boa parte das mudanças no BPC (Benefícios de Prestação Continuada) e excluíram a medida que permitiria à União reduzir os repasses futuros ao FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal). Eles ainda restringiram a flexibilização em recursos repassados ao Fundeb (Fundo Nacional da Educação Básica).
Mesmo com as concessões, o governo precisou reforçar a articulação, destacar uma tropa de ministros para mobilizar as bancadas e acenar com a liberação de emendas extras para conseguir o apoio necessário para o pacote avançar nas duas Casas ainda neste ano.
O economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), diz que a rapidez da aprovação do pacote nesta semana é um fato notável, mas isso também reduziu debates e ampliou custos que resultaram na diluição das medidas.
“Vai ter uma redução de impacto não desprezível”, avalia. Segundo ele, as mudanças no BPC fizeram com que as regras do programa voltassem “quase à estaca zero”. A alteração no Fundeb e nos subsídios do Proagro também têm potencial para reduzir os ganhos fiscais. “O pacote já não era suficiente. [Com o resultado final] Devemos ter novos capítulos, com novas medidas.”
A economista sênior da LCA Consultores, Thaís Zara, afirma que o mercado segue apreensivo com a trajetória das contas públicas, uma vez que há dúvidas sobre a real capacidade do governo de voltar a fazer superávits —ou seja, arrecadar mais do que gastar. “A aprovação em si é positiva, apesar de ter sido desidratado. Mas viabilizar o superávit demora, o governo continua dependente de receitas”, diz.
Segundo ela, como as despesas obrigatórias devem continuar crescendo nos próximos anos e “vão acabar batendo no teto”, o que mantém as dúvidas sobre a sustentabilidade futura do arcabouço.
Em café da manhã com jornalistas, Haddad negou que tenha ocorrido desidratação significativa no pacote e disse nesta sexta que as mudanças reduziram em pouco mais de R$ 1 bilhão o efeito total nos dois primeiros anos.
Na noite de quinta-feira (19), o ministro Alexandre Padilha, responsável pela articulação política, já havia rejeitado esse carimbo. Em conversa com jornalistas, ele afirmou que o termo é incorreto e brincou que, como médico, não vê “nenhum sinal clínico”.
“Esse pacote não tem urina mais escura, não diminuiu o ritmo de urina, não tem boca seca, não tem mais sede, não tem nenhuma alteração nele que signifique desidratação do pacote. O que tem é aquilo que o Congresso Nacional tem sempre a liberdade de fazer, que é aprimorar”, disse.
Proposta de emenda à Constituição
A PEC (proposta de emenda à Constituição) inclui mudanças no abono salarial (espécie de 14º salário pago a parte dos trabalhadores com carteira assinada), nos supersalários e no Fundeb, além de prorrogar a DRU (Desvinculação de Receitas da União). O texto, aprovado na tarde desta quinta pela Câmara e pelo Senado, foi promulgado nesta sexta.
O relator na Câmara, deputado Moses Rodrigues (União Brasil-CE), impôs ao governo um revés ao enfraquecer o comando que buscava extinguir brechas que permitem supersalários na administração pública.
O texto original previa a regulamentação do tema por lei complementar, mas o relator alterou para lei ordinária —que requer quórum menor e pode ser alvo fácil de flexibilizações. O instrumento também pode ser contornado por resoluções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que têm status de lei ordinária.
No diagnóstico preliminar do Executivo, o texto mantém as válvulas de escape hoje usadas para turbinar salários com penduricalhos, especialmente no Judiciário.
O relator também reduziu a fatia da complementação da União ao Fundeb que poderá ser destinada à criação e manutenção de matrículas em tempo integral na educação básica.
O governo propôs uma fatia de 20%, o que renderia uma economia de R$ 10,3 bilhões entre 2025 e 2026. O parecer reduz o percentual para 10% e cita apenas o ano de 2025.
Rodrigues ainda excluiu do texto o trecho que revogava a obrigação do governo em executar os programas previstos no Orçamento. Na prática, essa medida daria poder à equipe econômica para fazer contingenciamentos preventivos para cumprir o centro da meta fiscal, em caso de suspeita ainda não concretizada de frustração na arrecadação.
Projeto de lei ordinária
No projeto de lei ordinária, o relator na Câmara, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), manteve o limite ao ganho real do salário mínimo foi mantido no texto, o que garante uma das principais medidas do pacote. Seu impacto foi estimado inicialmente em R$ 11,9 bilhões nos primeiros dois anos, mas técnicos do governo afirmam que o valor efetivo pode ser maior.
Por outro lado, o parlamentar excluiu boa parte das mudanças no BPC (Benefício de Prestação Continuada), benefício de um salário mínimo (R$ 1.412) pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda (até R$ 353 por pessoa).
Bulhões derrubou as regras que restringiam o acúmulo de benefícios, ampliavam o conceito de família para o cálculo da renda e dificultavam a concessão do benefício a quem tem a posse ou propriedade de bens.
A mudança no critério de deficiência também saiu do parecer, mas o relator inseriu outros dois artigos que condicionam o benefício à avaliação que ateste deficiência de grau moderado ou grave. A medida gerou protestos de deputados, mas ainda assim foi mantida.
No Senado, as resistências a este ponto foram tão grandes que o governo precisou fazer um acordo para garantir a aprovação da proposta. O relator, senador Rogério Carvalho (PT-SE), e o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), afirmaram que o governo se compromete a vetar o trecho no momento da sanção da lei —na prática, mais uma desidratação. A fala foi aplaudida pelos demais parlamentares.
Na tramitação, a Câmara também excluiu a mudança no modelo de reajuste anual dos repasses da União ao FCDF. Hoje, a verba é corrigida pela variação das receitas federais. A correção passaria a ser pela inflação, o que representaria um repasse menor ao longo dos anos.
O texto foi aprovado pela Câmara na quinta e pelo Senado nesta sexta-feira (20).
Projeto de lei complementar
Também já aprovado tanto pela Câmara dos Deputados quanto pelo Senado, o PLP (projeto de lei complementar) deu aval ao bloqueio de apenas parte das emendas parlamentares para cumprir os limites do arcabouço fiscal.
O tema, sensível para os congressistas, era alvo de um destaque para votação em separado. Isso significa que o bloqueio poderia ser inteiramente derrubado pelo plenário. Para evitar a derrota, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), apresentou de última hora uma emenda aglutinativa com a versão desidratada da trava —aprovada com amplo apoio do plenário.
Antes da concessão, o texto dizia que 15% das emendas poderiam ser alvo de bloqueio (em caso de alta nas demais despesas obrigatórias) ou contingenciamento (em caso de frustração nas receitas). Isso significaria, potencialmente, R$ 7,6 bilhões do total de R$ 50,5 bilhões em emendas previstas para 2025.
O dispositivo aprovado valerá apenas para as verbas não impositivas, que somarão R$ 11,5 bilhões (carimbadas como emendas de comissão). Isso significa que a trava será de, no máximo, R$ 1,7 bilhão.
A desidratação não se limitou à questão das emendas. O texto permite desvincular recursos de cinco fundos públicos para abater dívidas do governo —a versão original continha uma flexibilização mais ampla, que abarcava oito fundos.
O relator do projeto na Câmara, Átila Lira (PP-PI), tirou três deles: Fundo Nacional Antidrogas, Fundo da Marinha Mercante e Fundo Nacional da Aviação Civil. Juntos, eles tinham um saldo de R$ 20,4 bilhões no fim de 2023, o que representa metade dos R$ 39,3 bilhões reunidos nos oito fundos no período.
Rodrigues também derrubou o trecho que autorizava o governo a restringir o uso de créditos para abater tributos em caso de déficit nas contas públicas a partir de 2025.
Veja a desidratação no pacote de Haddad
- Emendas parlamentares: Câmara deu aval para bloqueio de apenas parte delas para cumprir os limites do arcabouço fiscal, não todas, como propôs o governo.
- BPC: relator derrubou as regras que restringiam o acúmulo de benefícios, ampliavam o conceito de família para o cálculo da renda e dificultavam a concessão do benefício. A mudança no critério de deficiência também saiu do parecer. A Câmara manteve dois artigos que condicionavam o benefício à avaliação que ateste deficiência de grau moderado ou grave, mas governo fez acordo no Senado para vetar esses trechos diante das resistências.
- FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal): Foi retirada a medida que permitiria à União reduzir os repasses futuros ao fundo, o que permitiria economia de R$ 2,3 bilhões dos R$ 71,9 bilhões esperados em dois anos com o pacote como um todo.
- Supersalários: o texto original do governo previa a regulamentação do tema por lei complementar, mas o relator alterou para lei ordinária —que requer quórum menor. O instrumento também pode ser contornado por resoluções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
- Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica): O governo havia proposto uma fatia de 20% de complementação da União ao fundo, que renderia uma economia de R$ 10,3 bilhões até 2026. O relator reduziu o percentual para 10% e cita apenas o ano de 2025.
- Orçamento: relator excluiu revogação da obrigação do governo em executar os programas previstos no Orçamento, eliminando o poder de a equipe econômica fazer contingenciamentos preventivos para cumprir o centro da meta fiscal.
- Fundos públicos: Câmara permitiu desvincular recursos de cinco fundos públicos para abater dívidas do governo —a versão original continha oito fundos.
- Créditos tributários: parlamentares tiraram a possibilidade de governo limitar o uso de créditos tributários para abater tributos em caso de déficit nas contas a partir de 2025.
*Com informações da Folha de S.Paulo
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