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Com a Palavra

‘Precisamos de políticas que incentivem a participação feminina’, diz Yara Lins

Em entrevista ao Em Tempo, a conselheira Yara Lins comentou sobre os desafios e metas de presidir o TCE-AM

Fotos: Filipe Jazz

Primeira mulher a presidir o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM), a conselheira Yara Lins construiu uma trajetória de quase cinco décadas na instituição. Desde então, ocupou diferentes cargos até chegar ao posto mais alto da Corte de Contas, consolidando-se como uma liderança de destaque no controle externo e na fiscalização dos recursos públicos no estado.

Em entrevista ao Em Tempo, no ‘Com a Palavra’, a conselheira fala sobre os desafios de comandar a Corte, os avanços da participação feminina nas instituições públicas e as estratégias para fortalecer a fiscalização no Amazonas.

Fotos: Filipe Jazz

Em Tempo – A senhora ingressou no TCE-AM como taquígrafa em 1975 e, ao longo dos anos, ascendeu até se tornar a primeira mulher a presidir a Corte. Quais foram os principais desafios enfrentados nessa trajetória?

Conselheira Yara Lins – Existe o desafio natural, que acontece para todos, e existem os desafios impostos apenas para as mulheres. Ser uma mulher em um ambiente historicamente dominado por homens é sempre um desafio maior. É necessário demonstrar ainda mais firmeza e autoridade, com fé e dedicação, para conquistarmos nosso respeito, mas sem nos despirmos de quem realmente somos e do que acreditamos. De certa forma, foi uma escalada. Em todo o cargo que passei, desde taquígrafa, técnica de controle externo, auditora, demonstrei meu valor ao serviço público e, graças a Deus, venho sendo reconhecida por isso e colho os frutos dessa jornada diariamente.

ET – Em sua gestão anterior, implementou um dos maiores data centers da região Norte. Quais foram os impactos dessa modernização para a eficiência do TCE-AM?

Yara Lins – A modernização que conseguimos implementar na primeira gestão, e que também temos buscado avançar na atual, vai justamente ao encontro da busca em marcar, de forma positiva, as posições que ocupei. Quando assumi a presidência do TCE em 2017, iniciamos alguns estudos com os setores técnicos responsáveis para avaliar a segurança e funcionalidade dos nossos sistemas de julgamentos e processos internos, e vimos que o Tribunal corria riscos relevantes na infraestrutura tecnológica.

Observando tudo isso, fizemos um estudo e chegamos ao lançamento do data center, um centro de processamento de dados moderno, seguro, e que protege o Tribunal de ataques hackers, problemas estruturais como fornecimento de energia ou incêndios, e até mesmo nos dá segurança quanto a possíveis falhas humanas.

Foram conquistas importantes, que alcançamos. Na gestão atual conseguimos modernizar diversos sistemas do Tribunal, como o Spede, responsável pela tramitação processual, o Diário Oficial Eletrônico, o Domicílio Eletrônico de Contas. Todos foram otimizados e hoje contam com um sistema mais prático e intuitivo, oferecido diretamente ao cidadão.

ET – A senhora destacou a importância de um papel pedagógico do Tribunal, priorizando a orientação aos gestores para evitar falhas e punições. Como essa abordagem tem sido recebida pelos jurisdicionados?

Yara Lins – De maneira geral temos uma boa receptividade nesse sentido. O gestor bem intencionado, que de fato quer apresentar um serviço público transparente e de qualidade, sempre vai estar disposto a receber orientações, e isso acaba sendo uma via de mão dupla. O gestor que sabe fazer o certo tende a ter mais responsabilidade na prestação de contas à sociedade e ao Tribunal. Além disso, orientar quanto às obrigações legais dá mais autonomia à Corte em cobrar os gestores quanto à possíveis ilegalidades.

ET – A criação da Ouvidoria da Mulher no TCE-AM foi uma iniciativa pioneira em sua gestão. Quais são os objetivos dessa ouvidoria e quais resultados já foram alcançados desde sua implementação?

Yara Lins – O objetivo principal foi acolher e proteger as mulheres que tiveram seus direitos violados de alguma forma, e, evidentemente, auxiliar para responsabilizar os responsáveis pelos atos aos órgãos competentes. As ações da Ouvidoria da Mulher nesse sentido foram essenciais para a valorização da mulher, e tem superado em muito nossas expectativas.

A atuação do setor nos revelou uma realidade que necessitava de pronta e urgente intervenção. Diversos casos exigiram nossa resposta imediata, registrando 45% deles relacionados a assédio moral, 16% de violência doméstica, 12% de assédio sexual, 9% de assédio institucional, e 6% de injúria racial.

ET – Em sua posse para o biênio 2024-2025, mencionou a meta de posicionar o TCE-AM como uma instituição modelo não só para o Amazonas, mas para todo o Brasil. Quais estratégias estão sendo adotadas para alcançar esse objetivo?

Yara Lins – Inovar, sempre. Permanecemos transparentes e responsáveis nas nossas ações, mas para sermos um modelo a ser seguido, precisamos inovar em diversos sentidos. Em 2024, por exemplo, fomos destaque no Marco de Medição da Associação dos Tribunais de Contas (Atricon) pelas boas práticas realizadas, como a criação da Ouvidoria da Mulher, a Blitz TCE e nossa atuação nas redes sociais; conquistamos o selo diamante em qualidade da transparência pública, concedido pela Atricon por atender todos os critérios essenciais de transparência; conquistamos o selo A3P do Ministério do Meio Ambiente pelas práticas sustentáveis que aderimos no Tribunal, e nossas redes sociais foram destaque nacional, com o reconhecimento entre as instituições públicas que aproximam a sociedade do setor público.

Essas conquistas só foram possíveis graças às inovações que estamos sempre buscando implementar, cada uma em sua respectiva área de atuação. Foram as inovações, inclusive, que permitiram uma maior celeridade nos julgamentos da Corte de Contas. Nossos sistemas tecnológicos hoje possibilitam uma tramitação rápida para que os processos entrem em pauta e sejam julgados de forma célere, mas sem deixar de lado a análise técnica qualificada.

ET – Com quase 50 anos de serviço no TCE-AM, como vê a evolução do papel das mulheres nas instituições públicas do Amazonas e quais avanços ainda são necessários?

Yara Lins – Ao longo dessas décadas de atuação no serviço público testemunhei uma transformação significativa no papel das mulheres dentro das instituições públicas do Amazonas. Quando iniciei minha trajetória no Tribunal, a presença feminina em cargos estratégicos era extremamente limitada.

Hoje, temos mulheres ocupando posições de liderança e tomando decisões que impactam diretamente a administração pública, mas ainda estamos longe do ideal. Apesar da presidente do Tribunal, hoje, ser uma mulher, sou apenas uma entre sete conselheiros. E essa realidade não é exclusiva da Corte de Contas, se formos avaliar, instituição por instituição, a proporção não é diferente. É fundamental ampliar as oportunidades para que mais mulheres assumam cargos de chefia e gestão, garantindo equidade e reconhecimento pelo mérito e pela dedicação.

Precisamos de políticas institucionais que incentivem a participação feminina, como programas de capacitação e redes de apoio. Acredito que o futuro das instituições públicas do Amazonas será ainda mais promissor quando tivermos um ambiente verdadeiramente igualitário. O setor público ganha muito com a sensibilidade e o pensamento estratégico que nós, mulheres, agregamos.

ET – Quais são os principais desafios que o TCE-AM enfrenta atualmente na fiscalização das contas públicas e como sua gestão pretende superá-los?

Yara Lins – Entre os desafios que o TCE enfrenta está, sem dúvidas, vencer as dificuldades logísticas e as distâncias geográficas em um Estado com as dimensões do Amazonas. Estamos utilizando a tecnologia, com as teleauditorias, fiscalizações à distância, novos sistemas, para garantir não só o envio das prestações de contas, mas a fiscalização concomitante do gasto público.

Enfrentamos, diariamente, o desafio de analisar as despesas dos gestores do Estado sem esquecer que vivemos uma realidade diferente, por exemplo, dos estados do Sul/Sudeste. Não temos estradas, temos problemas relacionados à comunicação e nossos caminhos são formados por água.

Por isso estamos trabalhando, constantemente, para fortalecer a gestão pública, e isso inclui a capacitação dos gestores, para termos como resultado um gasto eficiente e cada vez mais dentro da legalidade, e qualificação da nossa estrutura tecnológica, para viabilizar uma fiscalização mais precisa em meio a essas dificuldades.

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