Manaus (AM) – Com a Lei das Domésticas, sancionada em 2015, muitos trabalhadores da área, em sua maioria mulheres negras, passaram a ter seus direitos assegurados pela constituição. No entanto, mesmo com os avanços trabalhistas, a informalidade ainda consiste, atualmente, como a forma predominante das relações de trabalho do setor. Na semana em que foi comemorado o dia da profissão – quarta-feira (27), Dia da Empregada Doméstica – e o Dia do Trabalhador (1º), o Em Tempo aborda o tema.
No Amazonas, as dificuldades e os conflitos são ainda maiores em razão dos recorrentes casos de trabalho infantil doméstico, que podem desencadear em violência sexual, e escravidão, conforme especialistas.
A trabalhadora Laura Abreu, que atua há mais de 20 anos como empregada doméstica, nunca teve sua carteira de trabalho assinada. Assim, mesmo trabalhando por cerca de duas décadas na profissão, o acesso a seus direitos, como aposentadoria e FGTS, acaba impossibilitado, visto que foi contratada de forma informal. Ela já trabalhou por quase dois anos como empregada doméstica em uma residência familiar, onde a empregadora se recusava a assinar sua carteira.
“Trabalhei um ano e cinco meses e, nesse tempo, ela não assinou a minha carteira. Disse que não ia assinar e ficou esse tempo todo me enrolando”, conta Laura.
O estopim para Laura pedir a conta foi quando a empregadora chegou em casa, no horário do almoço, e iniciou uma série de xingamentos e gritos, pois ficou insatisfeita com a comida feita por Laura. Em seguida, a mulher jogou fora toda a comida.
“Ela me humilhou, disse que eu não prestava para fazer comida, e disse um monte de besteira, só palavras de ofensa. Só fiquei calada e comecei a chorar. Eu terminei de fazer todas as coisas e fui embora e eu não voltei nunca mais. Depois que saí da casa dela, nunca me pagou o mês que trabalhei”,
lembra Laura.
Aumento da informalidade
O surgimento da pandemia da Covid-19 aumentou o desemprego no serviço doméstico no Brasil, mas nos últimos meses, a tendência é de crescimento de vagas para o setor.
Conforme os dados do Instituto Doméstica Legal, com base na Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve um crescimento de 6% de trabalhados no serviço doméstico entre o dezembro de 2021 e fevereiro de 2022.
Ao mesmo tempo, os dados indicam um avanço da informalidade no setor. Entre o quarto trimestre de 2019, período antes da pandemia, e o ano de 2022, houve um aumento de 72,15% para 74,75% de informalidade no serviço doméstico no Brasil, um aumento de 2,6 pontos percentuais.
Violações
De acordo com o Juiz do trabalho Igo Zany, grande parte dos processos em que precisa trabalhar, em relação ao desrespeito das leis que amparam os empregados domésticos, é referente às relações informais de vínculo empregatício.
“Muitos empregadores não querem arcar com esses custos com as domésticas, ou não têm condições de assinar a carteira. Então, a gente tem que ter uma consciência de que hoje só contrata doméstica quem pode. Porque quem não pode pagar pelos direitos mínimos, pagar as férias e o 13 º, não pode contratar um empregado doméstico”,
afirma Igo.
Para ele, um dos principais problemas da continuidade da violação dos direitos trabalhistas das empregadas domésticas é a falta de fiscalização. Conforme Igo Zany, as dificuldades para a implementação dessas fiscalizações acontecem justamente em razão de o ambiente de trabalho ser também um espaço familiar.
Dessa forma, as relações de abuso contra as domésticas são invisibilizadas e ficam escondidas entre as paredes do domicílio. Assim, o Juiz do trabalho ressalta que um dos principais meios para que as violações de trabalho sejam levadas para a justiça é por meio de denúncias.
“É importante sempre denunciar. O acionamento consegue chamar a atenção do poder público. Então essa é uma dificuldade, pois como eu vou estar dentro da casa de alguém para fiscalização? Então é preciso que haja denúncia”,
ressalta.
Problemas no Amazonas
Ele também destaca as situações em que as jovens passam várias décadas na casa do empregador, até atingirem a velhice. Inclusive, chegam na idade senil sem carteira assinada, logo, não conseguem o acesso à aposentadoria, pois não contribuíram ao longo da vida para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
“É muito comum na nossa região os trabalhadores domésticos em idade escolar trabalharem como domésticos na capital, e é ilegal, pois se configura como exploração infantil. É uma situação que submete o adolescente à vulnerabilidade, e abre portas a várias ilegalidades, como abusos sexuais. Também quebra a oportunidade do adolescente de sair desse sistema de vulnerabilidade”, observa o juiz.
Quais são as leis que amparam as domésticas?
Apesar dos casos de informalidade, o juiz Igo Zany analisa que houve avanços importantes e essenciais na lei para os trabalhadores domésticos, pois a lei desarticula e enfraquece a sequência de casos de informalidade.
“Antes da lei, você tinha a informalidade como regras. Se a empregada souber de seus direitos, ir atrás e reconhecer seus vínculos, ela tem formas de entender que está sendo explorada, de que aquele trabalho não faz bem para ela”,
observa.
Conforme o advogado Paulo Almeida, a lei 150/15 entrou em vigor no dia 1º de junho de 2015 e veio para igualar as domésticas aos mesmos direitos de qualquer trabalhador.
“O trabalhador doméstico é quem presta serviço de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 dias por semana”,
explica o advogado, enquanto que as diaristas trabalham até duas vezes na semana.
A lei exige que o empregador anote a carteira de trabalho da trabalhadora doméstica em até 48 horas após a sua admissão. Também é obrigatório o registro do horário de trabalho da doméstica por qualquer meio.
“A jornada de trabalho é de 8 horas diárias e 44 horas semanais, a remuneração da hora extra será, no mínimo, 50% superior ao valor da hora normal, podendo haver acordo escrito entre empregador e empregado para compensação destas horas em outro dia. Caso o trabalho executado esteja no horário entre 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte, terá uma remuneração do trabalho noturno, acrescido de, no mínimo, 20% sobre o valor da hora diurna” explica ao advogado.
O advogado também ressalta sobre o depósito obrigatório de FGTS no valor de 8% sobre o salário da empregada, e que a empregada doméstica possui o direito a benefícios acidentários como: auxílio-doença acidentário, aposentadoria por invalidez acidentária e especialmente o benefício auxílio-acidente.
Veja quais são os direitos dos trabalhadores do serviços domésticos:
– Registro em CTPS;
– Jornada de trabalho não superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais;
– Pagamento de Horas Extras com 50% de acréscimo sobre o valor da hora normal;
– Pagamento de Adicional Noturno equivalente a 20% do valor da hora normal;
– Indenização caso seja despedido sem justa causa;
– Décimo terceiro salário;
– Férias remuneradas;
– Vale transporte, nos termos da lei;
– FGTS equivalente a 8% da remuneração do empregado;
– Licença remunerada;
– Estabilidade provisória por força do art. 25 da LC 150/2015 e da Lei 11.324/2006, inclusive na confirmação de gravidez durante o aviso prévio trabalhado ou indenizado.
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