O Amazonas, conhecido por sua exuberante floresta tropical e ciclos econômicos ligados à borracha e à exploração madeireira, busca agora diversificar sua matriz agrícola com a introdução do cultivo de café.

Apesar de não possuir uma tradição histórica na produção cafeeira, o estado vislumbra um futuro onde o grão possa se tornar uma cultura economicamente viável, desde que estratégias bem definidas sejam implementadas para evitar os erros de ciclos passados.

O titular da Secretaria de Estado de Produção Rural (Sepror), Daniel Borges, explica um pouco mais sobre as atividades desenvolvidas na região.

Em Tempo – O Amazonas historicamente não é um estado de tradição cafeeira. Que estratégias estão sendo adotadas para inserir o café como uma cultura viável na nossa matriz agrícola, sem repetir erros de outros ciclos econômicos?

Daniel Borges – A cafeicultura no Amazonas está se estruturando com a adoção de tecnologias baseadas no cultivo de café clonal, com a recuperação de áreas degradadas para inseri-las no sistema produtivo, gerando oportunidades de renda na agricultura familiar.

O Governo do Estado, por meio do Sistema Sepror, fomenta o projeto com fornecimento de mudas.

Atualmente, 12 municípios do estado fazem parte do Projeto Prioritário, desenvolvido pelo IDAM; entretanto, a cultura do café está se expandindo para outras regiões do estado. Hoje, os destaques são os municípios de Humaitá e Apuí, no sul do Amazonas, São Sebastião do Uatumã, Silves e Rio Preto da Eva.

Foto: Divulgação

ET – Há parcerias técnicas ou comerciais firmadas com estados tradicionais na produção de café, como Minas Gerais ou Espírito Santo? De que forma essas parcerias podem acelerar o sucesso do café amazonense?

Daniel Borges – Não há parcerias técnicas com o estado de Minas Gerais, tendo em vista que a espécie “Coffea arábica” cultivada naquele estado necessita, para sua produção, de altitudes superiores a 1.000 metros, visto que essa espécie foi selecionada em regiões montanhosas do sudoeste da Etiópia e do Sudão.

Existem, na verdade, parcerias comerciais com empresas dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo que possuem fábrica no Amazonas e compram a produção de café produzido no Amazonas, como a Empresa 3 Corações.

No Amazonas, a baixa altitude, que varia de 150 a 300 metros acima do nível do mar, é um excelente local para o cultivo e produção das variedades “Conilon e Robusta”, com possibilidade de envolver mais de 2 mil agricultores familiares e gerar emprego para mais de 8 mil pessoas nos cafezais e nas indústrias de beneficiamento.

É uma promissora alternativa econômica para os agricultores amazonenses diversificarem a matriz econômica, diminuindo a dependência do estado da Zona Franca de Manaus.

ET – As sementes utilizadas são adaptadas à realidade do Amazonas? Quais variedades estão sendo implantadas para resistir às condições de solo, clima e umidade do nosso estado?

Daniel Borges – A propagação do cafeeiro realizada por semente é uma prática pouco utilizada atualmente devido à alta variabilidade genética que este método apresenta. A propagação vegetativa do cafeeiro Conilon pelo método de clonagem por estaquia é a técnica de maior relevância para a produção de mudas dessa espécie no Brasil, onde pelo menos 90% do total anual das mudas são obtidas por esse método.

As mudas (clones) distribuídas pelo estado são os clones recomendados pela Embrapa, que desenvolveu estudos de clones adaptados à região amazônica, das espécies Robustas Amazônicas, que são adaptadas ao clima da região, apresentam alta tolerância à umidade, adaptação a solos ácidos e boa produtividade mesmo em temperaturas elevadas.

A denominação Robustas Amazônicos contempla todo material genético de café desenvolvido na região, por meio de cruzamento entre cafés conilon e robusta, sejam clones selecionados de forma empírica pelos agricultores ou desenvolvidos pela pesquisa. São os clones mais utilizados no Amazonas, recomendados pela Embrapa, com estimativa de produção que varia de 100 a 120 sacas por hectare.

Foto: Divulgação

ET – O beneficiamento do café é uma etapa crítica e, muitas vezes, cara para os pequenos produtores. Como o Estado pretende viabilizar essa fase, garantindo que o custo não inviabilize a competitividade do café amazonense?

Daniel Borges – Neste caso, por meio de associações de produtores rurais organizados, os produtores têm recebido apoio significativo para aquisição de secadores de café através de emendas parlamentares, que têm se mostrado um meio bastante eficaz de ajuda ao setor cafeeiro em nosso estado, como acontece com as associações rurais localizadas no Distrito de Realidade, no município de Humaitá, e em Silves.

Outra possibilidade é o acesso às linhas de crédito da AFEAM, além dos chamamentos públicos por meio do Fundo de Promoção Social (FPS).

ET – Qual é a visão de longo prazo para o café no Amazonas? O objetivo é criar novos arranjos produtivos regionais ou apenas diversificar a agricultura familiar de forma complementar?

Daniel Borges – A visão a longo prazo para o café no Amazonas não se limita apenas à diversificação da agricultura familiar, mas também a um objetivo mais amplo de criar novos arranjos produtivos regionais, integrando tecnologias e promovendo a sustentabilidade. O objetivo é consolidar a cafeicultura como um modelo de desenvolvimento socioeconômico.

ET – Nos últimos anos, o Amazonas tem diversificado sua produção primária para além da Zona Franca. Quais são hoje os principais produtos agrícolas ou extrativistas que o Estado aposta como novas fontes de renda?

Daniel Borges – Bioeconomia e produtos florestais, com destaque para o uso sustentável dos recursos da floresta; os não madeireiros, entre eles castanha, sementes, plantas medicinais, óleos, fibras, fitoterápicos e cosméticos naturais, vêm ganhando espaço nos mercados nacional e internacional.

Além do agronegócio sustentável com práticas sustentáveis para impulsionar a produção de frutíferas como açaí, cacau, banana, cupuaçu e outros produtos, gerando renda para pequenos produtores sem comprometer a biodiversidade.

A pecuária sustentável, com a implantação de tecnologias na condução dos rebanhos e a otimização das áreas de pastagens.

ET – Em relação à agricultura familiar, quais políticas públicas estão sendo desenvolvidas para fortalecer a produção rural no interior, garantindo acesso a mercados e melhoria da infraestrutura?

Daniel Borges – Entre as políticas públicas que vêm sendo desenvolvidas estão: Programa de Aquisição de Alimentos (PAA): aquisição da produção de agricultores familiares com doação simultânea para entidades socioassistenciais; PAA na modalidade indígena: para agricultores e entidades indígenas; Crédito Rural subsidiado: Promecanização com subsídio de 85% em forma de bônus de adimplência, e Procalcário com subsídio de 50% em forma de bônus de adimplência; e Distribuição de mudas e equipamentos agrícolas: por meio de Editais de Chamamento Público para Organização da Sociedade Civil (OSC).

Programa Garantia Safra: Ampliação do programa com a adesão de novos municípios. Esse programa garante um valor de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) em caso de perdas comprovadas relacionadas à estiagem ou cheia.

ET – Como a Sepror tem trabalhado a questão da sustentabilidade na expansão do setor primário, considerando os compromissos internacionais de preservação da Amazônia?

Daniel Borges – A Sepror tem se preocupado em garantir a sustentabilidade ambiental e a qualidade dos produtos, buscando práticas agrícolas que respeitem a biodiversidade e a conservação dos recursos naturais.

A Secretaria está finalizando a publicação da versão estadual do Plano de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agricultura – ABC+, uma agenda estratégica nacional do governo brasileiro que dá continuidade à política setorial para enfrentamento à mudança do clima no setor agropecuário.

O Plano ABC+ tem o objetivo de promover a adaptação à mudança do clima e o controle das emissões de GEE na agropecuária brasileira, com aumento da eficiência e resiliência dos sistemas produtivos, considerando uma gestão integrada da paisagem.

ET – Quais os maiores gargalos que hoje impedem o crescimento mais acelerado do setor primário no Amazonas e como o estado planeja enfrentá-los nos próximos anos?

Daniel Borges – Adequação à legislação ambiental, conservação de estradas vicinais para o escoamento da produção, implantação de sistema de transporte fluvial para escoamento da produção agrícola das regiões ribeirinhas.

Pretende-se enfrentá-los com a utilização de inovação e tecnologias que permitam minimizar as dificuldades e viabilizar as atividades diárias do setor primário, além de disponibilizar acesso às linhas de crédito.

ET – De que forma as deficiências de infraestrutura logística, como a situação da BR-319 e outras estradas, impactam a competitividade e o escoamento da produção do setor primário no Amazonas?

Daniel Borges – Impactam principalmente no aumento do frete dos produtos oriundos do setor primário, tendo em vista que as dificuldades encontradas com estradas em péssimo estado de conservação aumentam o tempo de transporte, geram maior custo de manutenção e reposição de peças e a possibilidade de perda dos produtos classificados como perecíveis, causando grandes prejuízos.

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