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Ausências

Vereadores ‘faltam’ e mantêm salários de R$ 172 mil pagos ‘sem trabalhar’

De fevereiro a abril deste ano, os vereadores acumularam 94 faltas em 32 sessões plenárias. Desse total, apenas 8 resultaram em descontos salariais

(Foto: Divulgação/Dircom)

Manaus (AM) – De fevereiro a abril deste ano, os vereadores da Câmara Municipal de Manaus (CMM) acumularam 94 faltas em 32 sessões plenárias. Desse total, apenas 8 resultaram em descontos salariais — a pedido dos próprios parlamentares —, o que gerou uma economia de R$ 16.049,83 aos cofres públicos. As outras 86 ausências foram justificadas e não impactaram o subsídio mensal dos vereadores, mesmo representando, em valor estimado, R$ 172,5 mil que poderiam ter sido devolvidos se também tivessem gerado desconto.

Apenas as faltas classificadas como Ausência Justificada com Desconto (AJD) resultaram em abatimento no salário, como foi o caso de João Carlos (Republicanos), com uma falta; Marco Castilho (União Brasil), com três; e Thaysa Lippy (PRD), com quatro.

O levantamento foi feito pelo Em Tempo com base em dados públicos do Portal da Transparência da CMM, considerando os mapas mensais de frequência parlamentar, as folhas de pagamento dos vereadores e as publicações realizadas por alguns parlamentares em redes sociais.

A análise cruzou o número e o tipo de faltas (justificadas com ou sem desconto), os impactos no subsídio mensal e, em casos específicos, a compatibilidade entre ausências registradas e a atividade pública divulgada pelos vereadores.

Mais faltosos

O vereador Dione Carvalho (Agir) foi quem mais faltou às sessões plenárias nos primeiros três meses do ano legislativo de 2025. Segundo os registros oficiais da Casa, Dione teve 13 faltas justificadas, todas classificadas como AJ2 (motivo de força maior previsto no Regimento Interno).

Parte dessas ausências ocorreu após a morte de seu irmão, Clóvis Penedo dos Santos Filho, de 67 anos, vítima de um acidente de moto em Manaus, em 20 de março. A perda aconteceu menos de dois meses após o falecimento de sua irmã, Karen Santos, de 35 anos, em janeiro deste ano — ainda que esse segundo caso tenha antecedido o início do ano legislativo.

No dia 17 de fevereiro, uma segunda-feira, ele faltou à sessão ordinária para participar de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam), conforme registros nas suas redes sociais. Já, no dia 24 de março, o parlamentar participou apenas do pequeno expediente, onde recebeu homenagem pelo falecimento do irmão com um minuto de silêncio. No dia 14 de abril ele também participou apenas do pequeno expediente e saiu em seguida.

Ao todo, o Parlamento municipal realizou 32 sessões ordinárias entre fevereiro e abril — sendo 9 em fevereiro, 10 em março e 13 em abril — e Dione esteve presente em apenas 19 delas, o que representa um índice de comparecimento de 59,4%.

Além dele, outros quatro parlamentares completam a lista dos mais ausentes no trimestre. Todos também justificaram suas faltas, que não resultaram em ausência não autorizada.

O segundo mais faltoso foi o vereador Everton Assis (UB), com 7 ausências no total. Dessas, 4 foram justificadas (AJD1 – justificada por atestado médico ou óbito) e as outras 3 por força maior (AJ2). As faltas ocorreram principalmente nos dias 2, 16, 22, 23, 28, 29 e 30 de abril, conforme registros da SAPL. Com isso, o parlamentar participou de apenas 25 das 32 sessões no trimestre, não tendo descontos no salário por faltas.

Em seguida, aparece Rodinei Ramos (Avante), com 6 faltas, sendo que todas foram justificadas para não descontar do salário do parlamentar. Ele faltou à sessão plenária no dia 18 e 19 de março com a justificativa de licença ou missão parlamentar.

O Em Tempo apurou que nesta data ele esteve em Brasília com outros dois vereadores, Jaildo Oliveira (PV) e Carlos Pai Amado (Avante), em um encontro com o senador Omar Aziz e o ex-vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PT).

As outras ausências foram registradas nos dias 16, 22, 23 e 28 de abril, por motivo de caso fortuito ou força maior. O salário do parlamentar, que hoje é R$ 26.080,98, ao final do mês de abril foi de R$ 19.114,79. Ou seja, não houve descontos por essas faltas, somente os obrigatórios como previdência.

‘Coincidências?’

Na sequência, três vereadores aparecem com 5 ausências cada: Elan Alencar (DC), Rodrigo Sá (UB) e Diego Afonso (UB).

As ausências de Alencar (DC) aconteceram em março (17 e 31) e abril (1°, 2 e 15) e foram justificadas por AJ2 (força maior) e AJ3 (representação da Câmara). O vereador não teve descontos salariais, pois todas foram cobertas pelas regras regimentais. No dia 31 de março, Elan se ausentou da sessão legislativa justificando “Licença para serviço ou missão de representação da Câmara Municipal e atividades inerentes ao mandato”, mas nas suas redes sociais, o parlamentar publicou um vídeo em que um motociclista aparece em um circuito de motocross.

Na legenda da publicação, ele escreveu: “meu momento menos radical”, o que indica que seria ele nas imagens. No entanto, não significa que naquele dia em específico o vereador estivesse naquele evento. Procurado pelo portal Em Tempo, ele não respondeu aos questionamentos.

Já nos dias 1° e 2 de abril, o vereador esteve em Brasília, segundo ele, representando a Câmara Municipal de Manaus para “captar recursos e viabilizar importantes projetos para Manaus”. No dia 15 do mesmo mês, Elan participou da inauguração da USF Gebes Medeiros, na Zona Leste de Manaus

Diego Afonso (UB) também teve 5 ausências, todas justificadas por caso fortuito ou força maior (AJ2), distribuídas entre março (17, 19, 24 e 31) e abril (14). Nas datas do mês de março, o parlamentar esteve em entrevistas para veículo de comunicação e na entrega da Base Fluvial Arpão III, do Governo do Amazonas.

O terceiro que também desponta com 5 faltas é o vereador de primeiro mandato, Rodrigo Sá (PP). As faltas aconteceram especificamente em março e abril. Nos dias 18 e 23, o parlamentar esteve em Brasília, um encontro marcado com a direção nacional do Partido Progressistas. No mês seguinte, o vereador se ausentou nos dias 7 e 8 informando, por meio das redes sociais, que estava doente, diagnosticado com uma infecção bacteriana de origem alimentar. Ele também se ausentou no dia 16 por motivo de força maior.

Assiduidade

Na contramão dos mais faltosos, 20 vereadores mantiveram 100% de presença nas sessões do trimestre, ou pelo menos é o que mostra o mapa de frequência. Entre eles estão Allan Campelo, Zé Ricardo Wendling, João Paulo Fonseca, Eduardo Alfaia, Eurico Tavares, Marcelo Serafim, Rodrigo Guedes e Rosinaldo Bual. Nenhum desses registrou ausências entre fevereiro e abril de 2025.

Cultura do atestado e proteção mútua

A cultura do atestado e a conivência entre parlamentares que faltam às sessões são traços comuns não apenas no Legislativo manauara, mas em diversas casas legislativas do país. É o que aponta o cientista político Breno Rodrigo Leite, ao explicar que há um corporativismo que protege esse tipo de conduta, muitas vezes sem punição. Segundo ele, isso se reflete em justificativas que evitam descontos salariais, mesmo em ausências reiteradas.

Na imagem, Breno Rodrigo Leite, cientista político e professor do Departamento de Ciências Sociais da Ufam. (Foto: Acervo pessoal)

“Esses descontos, essas deduções, normalmente são ocultadas por conta do corporativismo que existe dentro desses poderes. O corporativismo vai, de alguma forma, tentar ocultar ou pelo menos camuflar esses interesses que são comuns entre eles. Então, por exemplo, os vereadores viajam aos seus redutos ou simplesmente não vão trabalhar e recebem o salário — e o colega meio que é coberto, porque ele faz isso também. Até mesmo o colega de oposição faz a mesma coisa. Então, há um espírito de corpo, um princípio corporativista que camufla essa conduta. Isso não é uma coisa especificamente do Legislativo — é uma coisa generalizada no serviço público brasileiro.”

Sobre a justificativa das faltas por meio de atestados médicos, Breno explica que essa prática está enraizada culturalmente no Brasil, sendo comum também em outros setores. No entanto, ele reforça que, mesmo sendo legal, em muitos casos a prática não é ética.

“Em todas as áreas, existe uma espécie de cultura do atestado. Muitas vezes, quem recebe o atestado não corre atrás de saber se ele é válido ou não, se há uma relação de conveniência com o profissional da saúde. É muito comum no Brasil”, explica.

Falta fiscalização do cidadão

Helso Ribeiro, cientista político e professor da Ufam (Foto: Acervo pessoal)

O cientista político e professor da Ufam, Helso Ribeiro, também critica a facilidade com que os parlamentares justificam as faltas e compara a situação com a realidade do trabalhador comum, que seria punido em casos semelhantes. Para ele, esse comportamento é alimentado pela falta de envolvimento da população na fiscalização dos eleitos.

“Isso aí eu diria que é uma atitude corriqueira — e não é só em Manaus, não, é Brasil afora. E eu não estou querendo justificar, não. Acho lastimável. O grande problema é que eles mesmos criam as justificativas, e aí é difícil. Tem gente que está doente, tem gente que viajou a serviço, e tem uns que estão na malandragem, né? Quando a gente compara com o serviço privado, chega a ser vergonhoso. Quando que um trabalhador teria condições de fazer isso? Ele seria demitido”, pontua.

Além disso, o especialista reforça que a cidadania não termina com o voto e que a ausência de participação ativa da sociedade é um fator que contribui para a continuidade dessas práticas.

“A gente tem que se conscientizar — quando falo ‘a gente’, digo nós, cidadãos — que o exercício da cidadania não acaba na hora do voto. É muito importante a fiscalização posterior, e é o que não há. As pessoas votam e, seis meses depois, não lembram mais em quem votaram; um ano depois, não têm nem ideia. E aí acaba dando margem a esse tipo de comportamento. Então, enquanto o cidadão-eleitor não votar consciente — e não basta só isso —, não for participante, não exercitar a cidadania fiscalizando, opinando, eu diria que esse comportamento vai continuar se multiplicando”, finaliza.

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