Dois professores da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Vitor Blotta e Thaís Brianezi, lançaram uma proposta ousada: repensar a comunicação como ferramenta de emancipação não apenas humana, mas também ambiental. A ideia está detalhada no artigo “The nature of communication and the communication of nature”, apresentado na Conferência da Sociedade Sul-Africana de Teoria Crítica, e defende a construção de uma “comunicação xamânica”.
Na prática, o conceito rompe com a razão instrumental que domina as relações entre humanos e natureza. Em vez de comunicar para controlar, os autores propõem comunicar para sentir, aprender e transformar. Inspiram-se em visões ameríndias, como o bem-viver e o perspectivismo, nas quais o rio, a floresta e os animais têm voz e identidade.
“Há muito a aprender com os povos da floresta”, escrevem Blotta e Brianezi, ressaltando que não se trata de mitificar culturas tradicionais, mas de adotar uma ética de escuta e reciprocidade.
A ideia de comunicação xamânica está enraizada no processo de iniciação dos pajés Yanomami, que aprendem a dialogar com os espíritos da floresta. Traduzida para o campo da comunicação e dos direitos humanos, essa experiência representa a construção de um espaço onde não há hierarquias fixas: escuta, empatia e transformação mútua são os pilares.
Sumaúúuma: jornalismo com a floresta
No artigo, os autores analisam o trabalho da jornalista Eliane Brum à frente da Sumaúúuma, uma agência de notícias fundada em Altamira (PA). Além de denunciar crimes ambientais e defender os direitos dos povos originários, a iniciativa propõe uma comunicação comprometida com o território.
Reportagens como a que revelou os estupros de mulheres Yanomami ou a série de quadrinhos sobre o macaco Guariba, queimado e desmemoriado, exemplificam essa abordagem. A floresta deixa de ser “objeto de pauta” e torna-se sujeito de comunicação.
“É uma comunicação que escuta para transformar, não para explorar”, escrevem os autores.
Educação e escuta nas escolas
Outro exemplo citado é o Projeto Observatório de Direitos Humanos nas Escolas (PODHE), uma iniciativa da USP em escolas da rede pública. Por meio de oficinas colaborativas, os alunos discutem temas como gênero, racismo e democracia, a partir de suas próprias experiências.
Em vez de impor conceitos, os educadores criam espaços de escuta e aprendizado coletivo. Em uma das oficinas, um conflito entre estudantes foi resolvido por meio do diálogo aberto, recuperando relações e fortalecendo a convivência.
Por uma comunicação que respeite a vida
O artigo de Blotta e Brianezi propõe uma mudança profunda na forma como comunicamos, educamos e coexistimos.
“A comunicação xamânica é aquela que permite que a voz do outro nos atravesse”, define Blotta. Mais do que uma teoria, trata-se de um convite a reimaginar as bases da convivência humana e ambiental.
Em um mundo marcado por crises climáticas, fake news e desumanização, essa proposta ecoa como um chamado urgente — ouçamos a floresta antes que o silêncio seja definitivo.
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