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Preocupação

Crime ambiental impune na Tríplice Fronteira

Um editorial do jornal O Globo escancara a tragédia que há muito grita por socorro: uma verdadeira ilha de lixo, formada por toneladas de resíduos sólidos

Foto: Prefeitura de Benjamin Constant

Conheço de perto o drama que se desenrola há anos na região onde as águas do Rio Javari e de seu afluente, o Javarizinho, serpenteiam pela tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia.

Visitei a região inúmeras vezes, em missões oficiais, assessorando o ex-deputado estadual Belarmino Lins, e confesso que nunca vi tamanho crime contra a natureza e contra as populações que vivem nessas margens esquecidas pela civilização.

Um editorial do jornal O Globo escancara a tragédia que há muito grita por socorro: uma verdadeira ilha de lixo, formada por toneladas de resíduos sólidos — inclusive lixo hospitalar contaminado — que descem impunemente do vilarejo peruano de Islândia, contaminando todo o curso do Rio Javarizinho.

Embalagens plásticas, seringas, restos de medicamentos, entulhos, carcaças de animais e todo tipo de dejeto boiam em meio às águas antes cristalinas, acumulando-se em redes de pesca ou nas margens.

Benjamin Constant, cidade brasileira com 45 mil habitantes, virou a principal vítima dessa calamidade. Seus moradores, em grande parte indígenas Tikuna, Kokama e Kanamari, que dependem diretamente do rio para pesca, abastecimento de água e transporte, enfrentam riscos sanitários graves.

Segundo o Relatório de Qualidade das Águas na Amazônia da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), a bacia do Solimões já sofre sérias ameaças de contaminação por resíduos sólidos e poluentes orgânicos.

No caso específico do Rio Javarizinho, que corta a região de maior biodiversidade aquática do planeta, o acúmulo de lixo aumenta os níveis de coliformes fecais, altera o pH da água e reduz o oxigênio dissolvido, levando à mortandade de peixes e ao desequilíbrio de toda a cadeia alimentar local.

Além disso, o risco de disseminação de doenças como hepatite, leptospirose, diarreias e infecções de pele é altíssimo, sobretudo entre crianças e idosos que vivem nas comunidades ribeirinhas.

E o que fazem os órgãos responsáveis? Nada além de burocracia. Ministério do Meio Ambiente, Itamaraty, Ibama, ICMbio e até as tantas ONGs que se autoproclamam defensoras da Amazônia seguem omissos ou limitados a ofícios e promessas absurdas.

Até agora, a única medida prática partiu da Defensoria Pública do Estado do Amazonas, que oficiou os ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Marina Silva (Meio Ambiente), alertando sobre o impacto direto nas comunidades indígenas e tradicionais.

Enquanto as autoridades discutem, a tragédia avança. As águas contaminadas do Javarizinho seguem seu curso, desaguando no Javari e depois no Solimões, levando junto os resíduos que podem afetar até a cidade de Manaus, localizada a mais de 1.100 km da fonte do problema.

A situação é tão grave que nem mesmo o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que prevê a eliminação de lixões a céu aberto até 2024, é aplicado na prática nessa região fronteiriça.

O Peru, de onde vem a maior parte dos resíduos, sequer possui aterro sanitário adequado nas localidades próximas ao Javari. A cidade peruana de Islândia, com cerca de 3 mil habitantes, simplesmente despeja seus dejetos diretamente nos igarapés e no rio, num total desrespeito aos tratados internacionais.

É revoltante perceber como, mesmo às vésperas da COP30, que ocorrerá em Belém, o Brasil continua incapaz de defender sua própria floresta. Os discursos ecoam em salões refrigerados mundo afora, mas a lama tóxica e o lixo continuam sua marcha lenta, contaminando peixes, água e vidas.

É necessário agir com urgência e firmeza. A diplomacia brasileira precisa fazer mais do que reuniões: deve cobrar ações concretas do governo peruano, como a construção imediata de um aterro sanitário regional e a implementação de programas binacionais de coleta e tratamento de lixo.

O que ocorre no Rio Javarizinho não é um problema local, mas um crime transnacional. A omissão mata a fauna e a flora e também a esperança de milhares de amazônidas que vivem do rio. A Amazônia não pode continuar refém da negligência institucionalizada.

Juscelino Taketomi¹.

¹Articulista do Portal Em Tempo, Juscelino Taketomi, é Jornalista. Há 28 anos é servidor da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam)

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